Os casos de violência dirigidas contra crianças tem, lamentavelmente, presença regular na comunicação social e sabe-se que os casos conhecidos e reportados são apenas uma amostra envergonhada desse universo. Não é pois de estranhar que o DN de hoje retome esta matéria. No entanto, a peça é centrada numa dimensão menos frequentemente abordada e por muita gente considerada menos provável, a violência sobre crianças no interior de famílias de estratos sociais elevados. De facto, verifica-se por vezes a tentação de acreditar que o abuso, qualquer abuso, é coisa de pobres e analfabetos. Elementos de Comissões de Protecção de Crianças e Jovens a intervir na zona de Sintra relatam um aumento de casos em famílias oriundas de zonas residenciais de topo. Reconhecem a maior capacidade de encobrimento dessas famílias, reconhecem que a sua capacidade económica lhes permite a utilização de expedientes de defesa, quer de natureza legal, quer de natureza técnica, que dificultam a intervenção dos técnicos e a defesa e protecção das crianças. Estas famílias conseguem também impedir que os estabelecimentos de educação, privado naturalmente, que os filhos frequentam disponibilizem informações requeridas pelas Comissões de Protecção.
Este cenário não será, creio, surpreendente. O poder económico e social não cria nenhuma espécie de imunidade à realização de abusos, permite isso sim, criar menor visibilidade, mais dificuldades de intervenção e, até, maior impunidade. Deve também sublinhar-se que, embora a peça se centre na violência física, são mais frequentes do que se imagina as situações de maus tratos e negligência, nas suas diferentes dimensões, que sofrem muitas crianças a quem, aparentemente, não falta nada, como diz o povo.
Parece-me assim importante a divulgação deste tipo de informação para que fiquemos todos mais cientes de que os maus tratos aos miúdos não é, definitivamente, uma coisa de pobres, é uma coisa de pessoas, de todos nós, portanto.
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