Considerando os níveis de sofrimento envolvido, a dificuldade de prevenir, intervir e conhecer com rigor o volume de situações verificadas, o bullying é sempre uma matéria que está na agenda.
No JN encontra-se uma peça sobre
o bullying e são referidas situações impressionantes de mal-estar e sublinhado o impacto do impacto
que causa.
São citados dados do relatório “Bullying e Ciber-bullying em Contexto Escolar” produzido pelo Grupo de Trabalho criado
pela Ministério da Juventude e Modernização com o objectivo de combater e
prevenir o bullying que já aqui citei. O trabalho foi coordenado por Manuela
Veríssimo do ISPA – Instituto Universitário, a minha casa de formação e de
trabalho nas últimas décadas.
Em inquérito que envolveu 31133
participantes entre os 11 e os 18 anos, 5,9%, 1837, referiram já ter sido
vítimas de bullying. Também sem surpresa, a maioria das vítimas são raparigas e
a maioria dos agressores são rapazes
Importa considerar que uma parte significativa
de episódios desta natureza não são reportados tornando, naturalmente, mais
difícil a intervenção.
Relativamente ao fenómeno do
bullying e em particular do cyberbullying, não há muito de novo a dizer,
continua a ser fonte de sofrimento para muitas crianças e jovens e,
naturalmente, uma fonte de preocupação para famílias, professores e técnicos.
Recordo que no ano lectivo 22/23 a GNR registou 140 crimes de bullying e
cyberbullying no ano lectivo 22/23. No entanto, esta será apenas uma parte
pequena do volume de episódios, muitos dos quais sem divulgação.
Importa insistir nesta questão e
retomo algumas notas.
Um relatório da Agência dos
Direitos Fundamentais da União Europeia divulgado em Maio de 2024 afirmava que
cerca de 66% dos alunos portugueses da comunidade LGBTIQ sofreram bullying ou
foram humilhados na escola algo que também é perceptível nos dados agora
conhecidos.
Um trabalho que aqui referi,
“Global estimates of violence against children with disabilities: an updated
systematic review and meta-analysis”, divulgado em 2022 na The Lancet Child
& Adolescent Health, mostrou com indicadores alarmantes, mas,
lamentavelmente, não surpreendentes. Cerca de uma em cada três crianças ou
adolescentes com deficiência é vítima de algum tipo de violência, física,
emocional, sexual ou negligência. No caso mais particular do bullying
verifica-se um significativo nível de vitimização, cerca de 40% das crianças
com deficiência terá sido alvo deste tipo de comportamento. O bullying
presencial, violência física, verbal ou social como bater, pontapear, insultar,
ameaçar ou excluir é mais comum, 37%, do que o cyberbullying (23%) que está a
aumentar com a presença esmagadora do digital.
O estudo recorreu a dados
relativos a mais de 16 milhões de crianças de 25 países, recorrendo ao
tratamento de 98 estudos, realizados entre 1990 e 2020, de que 75 respeitam a
países de mais elevados rendimentos e 23 relativos a sete países de baixo ou médio
rendimento.
Os dados conhecidos no que
respeita ao bullying e considerando que não correspondem ao universo de
ocorrências, mostram a necessidade de uma séria reflexão e intervenção nos
contextos educativos que chegue a todos os alunos e que promova a qualidade das
relações interpessoais, a empatia, solidariedade e inteligência emocional, etc.
O cyberbullying parece ser
actualmente a variante de bullying mais preocupante. Contrariamente ao bullying
presencial o cyberbullying não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana,
pois ocorrem predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s)
agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento
infringido o que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e
inibir o comportamento agressivo. Esta situação é potenciada quando se junta a
um menor nível de empatia pelo outro o que ficou muito claro no primeiro
trabalho citado acima e que merece leitura.
Também por estas razões é
fundamental uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.
Em termos globais e como já
referi, a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos
que são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes
formas, incluindo o cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias
a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais
se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores,
técnicos ou funcionários.
Este cenário determinaria, só por
si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem
minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.
Neste contexto e dada a gravidade
e frequência com que ocorrem estes episódios, é imprescindível que lhes
dediquemos atenção ajustada a sinais dados por crianças e adolescentes, nem
sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade,
nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.
Neste universo e mais uma vez
importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais
conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta
intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais
de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com
alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por
castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam
por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição,
quando for caso disso.Esta utilização mostra a necessidade de dispositivos de
apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e
alunos possam obter informação e suporte. Entretanto estão criados vários
portais e estão disponíveis alguns canais de denúncia e procura de orientação e
suporte dirigido a pais, professores, técnicos e, naturalmente, alunos.
Lamentavelmente, parte
significativa das entidades e iniciativas de apoio e suporte é exterior às
escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do sistema
educativo, para além das insuficiências de recursos e na formação de técnicos e
de professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu
reconhecimento e identificação.
A existência de dispositivos de
apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes,
designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de
supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.
Do meu ponto de vista, o
argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar ou não
fazer são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre
mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes
evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar e sofrimento a que, por vezes,
não damos ou não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola.
Estes sinais não devem ser
ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.
Esperemos que o Grupo de Trabalho
referido acima seja mais um contributo para percorrer o caminho adequado,
minimizar o risco de sofrimento para muitas crianças, adolescentes e jovens.