Li no DN que nos Tribunais
criminais e cíveis é cada vez mais frequente recorrer a psicólogos para
colaborar na preparação da audição de menores e acompanhar esse processo.
A Ordem dos Psicólogos
Portugueses tem vindo a desenvolver programas de formação que promovam a
competência dos psicólogos para esse efeito.
Algumas notas não decorrentes duma
qualquer forma de corporativismo sem cabimento, tenho formação nesta área como
alguns de vós saberão, mas em nome dessa entidade abstracta que deveria dar
cobertura a tudo o que diz respeito aos mais novos, o superior interesse da
criança.
É reconhecido que a entrevista e
avaliação a crianças em situação de sofrimento, abusos, regulação parental,
violência doméstica, etc., é algo de muito complexo e difícil podendo mesmo
induzir mais sofrimento. Também sabemos que mesmo em idades mais novas e nas
circunstâncias adequadas as crianças são capazes de exprimir juízos sobre a sua
realidade e contexto de vida.
É requerido, por isso, que esta
tarefa seja desempenhada por alguém devidamente preparado para a realizar.
Importa recordar Sabendo que de
acordo com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2017 vem determinar que todas as crianças devem ser ouvidas no âmbito dos processos judiciais de
promoção e protecção que as envolvam. A lei estabelecia que já era obrigatório
ouvir a criança a partir dos doze anos mas agora será sempre obrigatório.
Quando pela idade ou por outra razão assim não aconteça o juiz responsável
deverá justificar formalmente por escrito a decisão.
Segundo o Acórdão, “A criança ou
o jovem tem direito a ser ouvido individualmente ou acompanhado pelos pais,
pelo representante legal, por advogado da sua escolha ou oficioso ou por pessoa
da sua confiança”. Mais determina que “A falta de audição da criança afeta a
validade das decisões finais dos correspondentes processos por corresponder a
um princípio geral com relevância substantiva.”
Na verdade e como disse na
altura, pareceu-me um passo muito significativo no cumprimento de um direito
das crianças, a voz sobre matérias que a envolvem e que, aliás, está inscrito
na Convenção dos Direitos da Criança.
Esta circunstância veio reforçar
a importância da forma como se ouve a voz da criança.
Também é de registar que há algum
tempo o Instituto de Segurança Social lançou dois manuais, “Manual da Audição
da Criança” e o “Manual de Audição Técnica Especializada”, que pretendem
constituir uma ferramenta de apoio aos técnicos envolvidos em processos
conflituosos de separação parental em que estão crianças e não raras vezes em
processo de sofrimento significativo, tal como, aliás, os adultos.
Aliás, o DN refere na peça,
também o Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados tomou a iniciativa
de distribuir pelos tribunais de Família e Menores exemplares de um livro
destinado a ajudar magistrados, procuradores e advogados a realizar de forma
adequada audições a crianças no âmbito de processos de regulação parental.
Na verdade, esta atenção à
criança e às circunstâncias em que muitas crianças são ouvidas e recebidas
devido a questões processuais e de investigação quase que configuram uma nova
situação de vitimização ou são percebidas como ameaçadoras e intimidantes.
Recordo, por exemplo, sucessivas audições de crianças vítimas de abuso sexual,
situação que creio atenuada, mas não resolvida, com os depoimentos para memória
futura, hoje em discussão na notícia que justifica estas notas, ou ainda o
contacto com os agressores. Quase parece dispensável a necessidade de referir
como é violento e capaz de deixar marcas profundíssimas solicitar a uma criança
que repetidas vezes relate, relembre e "viva" a situação dramática
porque passou, o que significa, certamente, um novo abuso.
Acresce às questões processuais
que podem ser, na verdade, outra experiência de violência, a importância do
contexto de acolhimento, espaço onde ocorre e a preparação de quem recebe as
crianças, nos diferentes serviços.
Acresce ainda que são conhecidas
decisões judiciais em matéria de família e direitos das pessoas, já aqui citei
algumas, que me fazem interrogar por onde andará o juízo de alguns juízes embora,
deve dizer-se, sejam também conhecidas boas práticas de outros magistrados.
Neste contexto, creio que
qualquer iniciativa que possa resultar em mais e melhor protecção das crianças
parece-me um passo positivo.
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