AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quinta-feira, 21 de julho de 2016

QUERIDA FAMÍLIA, AMIGOS E PROTECTORES

Segundo dados recolhidos durante os primeiros meses de funcionamento de um novo serviço do Projecto Care da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima direccionado para o apoio a crianças e jovens vítimas de violência sexual em 48% das situações acompanhadas o agressor era familiar da vítima.
Na verdade continua com uma regularidade impressionante a revelação de casos de abusos sexuais sobre crianças e adolescentes, a maioria em situações envolvendo familiares, amigos ou conhecidos da crianças ou famílias e também instituições que lidam com as menores como é o caso de instituições de natureza religiosa.
Esta circunstância decorre de um aspecto que me parece fundamental não esquecer nunca e que os dados agora divulgados sublinham de forma muito nítida. A maioria dos abusos sexuais sobre crianças ocorre nos contextos familiares e envolve família e amigos, não em instituições que, provavelmente na sequência do caso Casa Pia, até se terão tornado mais atentas e eficazes na prevenção de abusos, embora continuem, evidentemente, a acontecer com tem sido divulgado. Os indicadores sugerem que entre 70 a 80% das situações de abuso a responsabilidade é de alguém que a criança conhece e em quem confia.
Apesar das mudanças verificadas em termos legais e processuais, a fragilidade ainda verificada, na criação de uma verdadeira cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam expostos a sistemas de valores familiares que toleram e mascaram abusos com base num sentimento de posse e usufruto quase medieval. Muitas crianças em situação de abuso no universo familiar ou por pessoas conhecidas ainda sentem a culpa da denúncia das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o facto de que pessoas que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade eventual das suas queixas bem como das consequências para si próprias, uma vez que se sentem quase sempre abandonadas e sem interlocutores em que possam confiar ou ainda o medo das consequências da denúncia.
A este cenário acrescem os riscos que as novas tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais casos em que a internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro, para além da eficiência do sistema de justiça, continua a ser absolutamente necessário que as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da saúde e da educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de que algo se passa com eles.
Esta atitude de permanente, informada e intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do meu ponto de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos sobre as crianças e o enorme sofrimento provocado.

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