AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

O MAL-ESTAR EDUCATIVO

O Público de 26 de Fevereiro apresentava uma peça da Bárbara Wong, “Quando as crianças se tornam pequenos ditadores”, onde se referiam situações de crianças e adolescentes “manipuladores e caprichosos que tratam mal os pais” que “podem bater nos pais”, que “põem e dispõem na estrutura familiar”, que “insultam os pais”, etc.

No Rádio Clube Português o Minuto a Minuto de hoje teve como tema a violência nas escolas. Foram referidos números, casos e realidades que pretenderam ilustrar esta espécie de inferno (no qual me recuso a acreditar) onde todos os dias se acomodam mais de um milhão de crianças e adolescentes dentro da escolaridade obrigatória. Também apareceram contributos de pais que, tal como referido no Público, evidenciaram o outro inferno, a vida familiar.

Mas que raio de mundo é este?! Dedicámos o século XX à criança e será que demos cabo dela para o século XXI? Será que idealizámos uma criança que afinal não existe? Acreditámos, como Durkheim, que a “educação é uma socialização da jovem geração pela geração adulta” e será este o resultado da nossa acção educativa? Não me revejo em discursos ou visões catastrofistas mas há que estar atento aos sinais que a realidade mostra e reflectir sobre o que é a violência, como se (re)produz, onde existe, etc.

Creio que a questão deve ser enunciada neste quadro pois, ao abrigo de algo chamado desenvolvimento, também produzimos e reproduzimos modelos e contextos agressivos em termos físicos, culturais, económicos, políticos, éticos e morais, etc. a que deve adicionar-se um velho paradigma da psicologia que estabelece “o comportamento gera comportamento”. Por tudo isto reafirmo que a educação não é um problema exclusivo de pais e professores (escola) mas o desafio mais sério que as nossas sociedades enfrentam.

Havia um tempo em que se podia dizer ainda “temos que parar para pensar” mas o problema hoje é que não podemos parar de pensar sem parar, e pensar a sério, sem demagogia ou retórica. A urgência não nos dá o tempo mas exige o esforço.

domingo, 25 de fevereiro de 2007

UM TEMPO DE FECHAR


Fecham-se maternidades pois existem demasiadas salas de parto sem qualidade e há que ser bem acolhido quando se chega.
Fecham-se escolas pois parece que temos alunos a menos, professores a mais e há que racionalizar, uma vez que, como bem sabemos, tudo o que nos rodeia é racionalmente organizado.
Fecham-se os putos na “escola a tempo inteiro” pois hão-de intoxicar-se até ficarem “agarrados”.
Fecham-se os adolescentes dentro de um ecrã pois assim não andam com “más companhias”.
Fecham-se cursos e escolas no ensino superior pois parecem não ter saídas profissionais e só se “deve estudar o que faz falta”.
Fecham-se empresas pois falta a produtividade e qualificação que, como se sabe, abundam nos explorados dos “mercados emergentes”.
Fecham-se urgências e serviços de saúde pois, se andarmos um bocadinho mais, ficaremos um bocadinho melhor.
Fecham-se aldeias pois há que promover desenvolvimento sustentado e com economia de custos.
Fecham-se os espaços habitacionais urbanos abertos pois os condomínios fechados promovem qualidade de vida
Fecham-se as pequenas queijarias e outras actividades do mesmo tipo pois temos que proteger a saúde do consumidor e, por isso, só comemos uma comida que é tão boa que nem o bicho lhe pega, como dizemos no Alentejo.
Fecham-se as capoeiras pois até as aves se constipam. Onde é que eu vou encontrar um peito de frango como o dos que a minha mãe criava? Nos de aviário parece-me tudo igual e com sabor a coisa nenhuma.
Fecha-se o pequeno comércio pois o que nós precisamos é de comprar tudo no mesmo local e encostado ao carro, e não de ouvir “Bom dia, tá bom Sr. Zé e a família?. Então o nosso Benfica lá ganhou!”
Fecham-se os velhos nos lares pois sempre ficam ajuntadamente sós.
Fecham-se os olhos ao sofrimento dos outros. O outro ganhou uma estranha transparência, não o vemos e também… “já me chega a minha vida”.
Fecha-se a boca em vez de dizer pois… adianta alguma coisa?
Fecha-se a cabeça ao pensamento pois “deus por escárnio deu-me a inteligência” algo que só serve para nos incomodar.

Finalmente, alguém nos fecha numa memória. Esperamos.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

AGARREM-ME SENÃO CANDIDATO-ME - A posição do Dr. João Soares

O indecoroso espectáculo, embora não de todo inesperado, que Câmara de Lisboa tem vindo a oferecer ao país permite admitir que do guião constará um “gran finale” que leve à queda da Câmara e à realização de eleições. Começa já a ouvir-se o chamamento habitual nestas circunstâncias “Meus senhores, aos vossos lugares”.

De entre os senhores, começa a destacar-se o Dr. João Soares que se multiplica em declarações obedecendo genericamente ao tema “AGARREM-ME SENÃO EU CANDIDATO-ME”. Ele bem afirma “não me estou a colocar em bicos de pés”, “não tenho apetite especial”, “mas não posso dizer que estou indisponível”, etc. A vertigem do poder no seu melhor e sempre travestida no espírito de missão e num desígnio de serviço. Mas, ou me engano muito, ou, em caso de eleições, o PS optará por uma candidatura com um estatuto mais Seguro.

TRAZ OUTRO AMIGO TAMBÉM - José Afonso


Hoje cumprem-se 20 anos após a morte de José Afonso um dos que “por obras valorosas se vão da lei da morte libertando” ainda que, frequentemente, possam perder-se demasiado cedo, em demasiadas memórias. A RTP, estação de serviço público, constitui um bom exemplo deste destrato ao apresentar um trabalho sobre José Afonso ao início da madrugada. Para que nos lembremos, algumas das suas palavras.


Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu cantor
Para não se apagar a chama
Que dá vida a noite inteira
Quando um homem
Se põe
A pensar
Só um pensamento
No momento
P’ra nos despertar

Seja bem-vindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também
A gente ajuda
Havemos de ser mais
Eu bem sei

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

O FIM DOS EXAMES - Outro equívoco

O recente anúncio do desaparecimento das provas globais produziu um enorme ruído, recorrente, sobre a questão dos exames. Do meu ponto de vista, muita da opinião publicada é informada por um dos muitos equívocos presentes nos discursos sobre educação. Neste caso creio que, simplificando, emergem duas posições bem contrastadas e que se podem assim enunciar:

1 – Os exames promovem a qualidade do ensino e da educação, logo diminuir o número de exames implica baixar a qualidade, promover o laxismo, o facilitismo e o nivelamento por baixo.

2 – Deve prevalecer a chamada “avaliação contínua”, diminuir o número e peso dos exames ou, pelo menos, estes não devem ter carácter eliminatório.

Nas modernas sociedades a avaliação escolar cumpre, ainda que não exclusivamente, duas funções nucleares que se complementam e que, numa perspectiva de qualidade, são imprescindíveis. Em primeiro lugar, temos uma função de CERTIFICAÇÃO, isto é, através da avaliação (testes, exames, etc.), o sistema educativo certifica que um aluno acedeu, ou não, e em que medida, aos saberes que em cada momento se entendem como ajustados ao longo do seu percurso escolar, decorrendo daqui as decisões relativas, por exemplo, à sua progressão ou retenção.

Em segundo lugar, temos uma função de REGULAÇÃO que se dirige ao processo de ensino e de aprendizagem recolhendo, através de diferentes dispositivos (a avaliação contínua) informação que permita melhorar o trabalho de ensinar (o do professor) e o trabalho de aprender (o do aluno). Sintetizando, a primeira procura avaliar os produtos (RESULTADOS) obtidos pelos alunos, enquanto a segunda se dirige aos PROCESSOS e é imprescindível para correcção da sua qualidade.

É neste quadro que se coloca o equívoco que inicialmente referimos. Em primeiro lugar a existência de mais ou menos exames não tem uma relação directa com a qualidade do ensino, sobretudo quando se enfatiza o número de exames a que se devem submeter os alunos. Numa imagem a que frequentemente recorro, seria como esperar que a febre diminuísse pelo simples facto de a medir mais vezes. Dito isto, reafirma-se a necessidade de manutenção equilibrada de exames em momentos adequados.

Por outro lado, defender pura e simplesmente uma avaliação contínua (que importa saber exactamente o que é e como se realiza, pois também aqui parece emergir uma espécie de “neo-liberalismo” conceptual uma vez que toda a gente está convencida de que sabe claramente do que se trata), seria, creio, desastroso e gerador de desigualdades e, isto sim, provavelmente promoveria facilitismo e nivelamento por baixo.

Assim sendo, parece-me que o grande desafio é aumentar a qualidade do trabalho realizado, promovendo uma cultura de exigência e responsabilidade, modelos adequados de organização e funcionamento dos agrupamentos escolas, etc. Se for este o caminho creio que os resultados (mostrados pelos exames, independentemente do seu número) serão seguramente melhores.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

O Carnaval da Nossa Tristeza

Para que conste, o Carnaval nunca me entusiasmou. É certo que na minha adolescência constituía um excelente pretexto para os "assaltos" realizados nas garagens dos amigos, oportunidade quase única para muitos de nós namorarmos sem vigilância e com banda sonora (muitos slows, lembram-se?). Mas mesmo nessa altura, sublinho, o Carnaval não passava de um pretexto.
Hoje nem isso. As televisões esforçam-se por nos mostrar os patéticos desfiles de "escolas de samba" genuinamente portuguesas com umas sambistas resfriadas entre o frio do Fevereiro português e o biquini do verão brasileiro, as tristes figuras mascaradas que nos querem fazer acreditar no divertimento que mostram, a dificuldade sempre presente de separar o Carnaval na Política... da Política no Carnaval, a alegria triste de quem se desloca para assistir ao vivo a tudo isto e... amanhã volta à tristeza alegre do "ao menos que não nos falte saúde" e também as crianças senhores, que desfilam e saltam de contentes. Estas em dose dupla, pois já na 6ª feira anterior as senhoras professoras e educadoras as tinham levado, com máscaras e disfarces sempre originais, a desfilar pelas ruas da sua vida acompanhadas, claro, pelo fotógrafo que tira as fotografias que aparecerão no Boletim Municipal sob o título "A Câmara Municipal como sempre no apoio às iniciativas das escolas".
Também é habitual (até quando) que, para dar um certo ar de exotismo e preocupação etnográfica, apareça uma qualquer das nossas aldeias onde meia dúzia de resistentes parecem brincar com qualquer coisa a que certamente por vergonha nem chamam Carnaval, dizem Entrudo.
Acabo por ficar triste com o Carnaval. E sinto-me mais triste porque este Carnaval espelha, de facto, a nossa tristeza embora gostemos de nos considerar um povo alegre.
Felizmente acabou. Amanhã começamos a pensar na Páscoa.

Ainda a Escola a Tempo Inteiro (parte II)

De novo voltamos à Escola a Tempo Inteiro um dos equívocos criados pela equipa do Ministério da Educação.
O Público de 17/02/2007 apresentou uma peça sobre esta questão assente em relatos ou apreciações de todos os envolvidos.
Curiosamente Pais, Alunos e Professores ouvidos referem sérias reservas à qualidade e eficácia do que está a ser realizado, enquanto Autarquias e Ministério fazem um "balanço positivo".
A diferença nas apreciações expressas no Público, espelha o que muitas vezes parece ser o discurso de muitos políticos em Portugal e que se resume à fórmula "A REALIDADE ESTÁ ENGANADA, EU É QUE ESTOU CERTO".
Sem embargo de, como já referimos noutro "post", reconhecer a necessidade social a que esta iniciativa visa responder, continuamos a pensar que o modo como está a ser realizado em muitas escolas não constitui um bom serviço educativo prestado à generalidade das crianças. Creio que teremos de voltar a conversar sobre isto. Veremos.

O meu Alentejo

Sim é verdade. Eu tenho um Alentejo. Privilégio de citadino endinheirado dirão vocês. Também é verdade, nascido no subúrbio, morador no subúrbio e com o dinheiro que chegou para comprar um bocadinho do Alentejo. Daí o privilégio. Mas talvez não saibam que a sorte é de quem ama a terra e aquela terra, o Alentejo, o meu Alentejo, não se suporta, odeia-se ou ama-se. E como eu gosto daquela terra, o meu Alentejo. Às vezes os meus amigos dizem que tenho sotaque. Acho que estão a mangar comigo. É verdade que gosto de estar nas lérias e nos petiscos que a União Europeia ainda nos permite (não digam a ninguém) com o Sr. Zé Marrafa, com Chouriço, o João, o Grilo, etc. Ainda este fim de semana e a propósito destes dias cabaneiros o Sr. Zé contava como é que tendo começado a trabalhar aos nove anos como porqueiro, secava a roupa (a única que tinha) ao lume antes de dormir mas só depois dos mais velhos lhe darem lugar. Também é muito duro o Alentejo. O meu já não é. Daí e mais uma vez, o privilégio.
O meu Alentejo tem muita coisa. Imaginem que tem uma nascente (água que corre de pé como dizem os de lá, como eu, os alentejanos), uma lareira grande, uma casa grande com paredes grossas que suportam o calor bravo do verão, umas noites que, agora, são grandes e, por vezes, escuras como só a noite, e tem uns catacuzes e cardetas que dão uma sopa que não se esquece, e tem espargos que custam a apanhar mas ... só provando, e tem uma horta de onde comemos tudo o que ainda sabe ao que se chama, e tem umas laranjas e tangerinas que apesar de nem sempre terem o calibre imposto pela UE tem um gosto a ... gosto, e tem pássaros, muitos, com quem montei uma sociedade, eu cuido das árvores e eles comem a fruta, as amoras, as ginjas, os pêssegos, etc. (não me parece justo mas eles é que lá estão), e na terra onde é o meu Alentejo faz-se um azeite que só com o cheiro tempera, e tem hortelã da ribeira, e tem poejos, e tem uma família residente de gatos (as Titas) que a troco de uns petiscos ao fim de semana afugentam os ratos e tem uma luz ao fim do dia parecida com nenhuma outra, e tem muito mais mas que se não diz, sente-se. E tem ainda as pessoas que me, nos, visitam e que também gostam do que a gente gosta, o meu Alentejo.
É, vocês têm razão, tenho o meu Alentejo. Sou um privilegiado.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

O DIREITO AOS AVÓS - O DIREITO AOS NETOS

A situação das pessoas mais velhas, terceira idade, seniores, etc em muitas comunidades espelha uma das consequências que as muitas e significativas mudanças nas sociedades têm implicado. Com a desagregação geográfica das famílias e com a cultura, hábitos e rotinas que, de mansinho, se vão instalando, este grupo social aparece cada vez mais isolado (abandonado) ou, em alternativa, institucionalizado. Com frequência esta institucionalização é de mau nível em termos de qualidade de vida.
Por outro lado, verificamos também que as crianças e jovens das mesmas comunidades passam uma parte significativa do seu tempo abandonados mas, paradoxalmente, acompanhados do mais presente, potente e actual "baby-sitter", o Sr. Ecran (de computador, consola ou TV). Não me vou alongar sobre esta questão à qual voltarei um "post" destes, mas os indicadores disponíveis sobre educação e desenvolvimento sugerem mais comedimento nesta esmagadora presença do Sr. Ecran na vida dos mais novos.
É neste contexto e por estas situações que se eu tivesse a possibilidade de interferir na produção legislativa tentaria a definição normativa do DIREITO AOS AVÓS e, naturalmente, do DIREITO AOS NETOS. De facto, existindo tantos velhos sós e tantas crianças e jovens sós, tentaria por Decreto juntá-los conseguindo um fantástico dois em um. Os velhos passariam a ter netos com quem (con)viver e os miúdos a ter avós com quem (con)viver. Esta relação, que para a maioria das pessoas que a conheceram e conhecem é fantástica, providencia ainda, de acordo com os técnicos, um contributo fundamental para o bem-estar dos dois grupos envolvidos. Em termos operacionais a coisa também não parece assim tão difícil, uma vez que existe sempre um Lar de Terceira Idade e um Jardim de Infância ou Escola não muito longe onde se podem encontrar e juntar. Iniciativas deste tipo podem constituir bons exemplos, estes sim, de uma educação a tempo inteiro em vez de "só" escola a tempo inteiro. Conheço alguns exemplos avulsos e interessantes de experiências neste âmbito.
Como não creio vir a estar em circunstâncias que me possibilitem esta iniciativa legislativa porque não começar ao contrário, isto é, vamos promover estes encontros mesmo sem ter Decreto que os determine.

Afinal apareceu ..o Dr. Alberto João

Contrariamente ao que alguns profetas vaticinavam o Dr. Alberto João mais uma vez participa activamente no Carnaval. Este ano resolveu aparecer em trajes de "político à portuguesa", com a consequente "pose de estado" e com um léxico absolutamente coerente com a personagem, não faltando sequer a presença da comunicação social. Foi um gosto ouvir falar de aspectos como "respeito pelas instituições", "respeito pela democracia", "novo ciclo", "desenvolvimento", "nós os bons e puros", "os maus, todos os outros", etc. Certamente por distração num ponto ou noutro ainda pareceu igual a si próprio ao afirmar por exemplo: "recandidato-me porque não quero que se siga um governo de medíocres e incultos ". Globalmente creio que foi um bom desempenho.

Ao anunciar a sua demissão / recandidatura, alguns dirão que será uma tentativa de aproveitar esta onda da contestação à "lei das finanças regionais" para, com uma campanha populista e demagógica (não me parece, não faz o género), procurar agora uma maioria absoluta que em 2008 não estaria segura ou que o Dr. Alberto João também se serve da ocasião para pregar uma carnavalesca partida ao seu colega de partido, o ex-Sr. Silva, actual Senhor Presidente da República, pois, ao afirmar que a maioria absoluta regional inviabilizará a constituição de novo Governo, caberá naturalmente ao PR a responsabilidade de desencadear o processo de eleições antecipadas.

Mas eu não acredito nestas análises, creio tão somente que, como na imagem que o próprio referiu no discurso, o Dr. Alberto João quer continuar a construir a sua casa com o dinheiro que está no banco. Apenas uma pequena nota, o dinheiro não é só dele e há mais casas para construir.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

INQUIETAÇÃO, INQUIETAÇÃO

Olhando para agenda destes dias, de entre outros temas, registo: a queda de um comboio no Tua apesar de, parece, existir um relatório alertando para os riscos que a linha oferecia, investigação dirigida a diferentes áreas na Câmara de Lisboa, a actuação e relações da Bragaparque em Lisboa, Coimbra e Braga, início do julgamento de Fátima Felgueiras, o administrador que dança entre empresas do mesmo grupo acumulando, parece, indemnização e vencimento, a bébé que desapareceu há um ano do hospital Padre Américo/Vale do Sousa sem mais informação ou definição de responsabilidades, as várias cores que o famoso Apito vai tomando, etc, etc. Nos últimos dois dias também diferentes meios de comunicação analisaram o Relatório da UNICEF referente ao "BEM-ESTAR DAS CRIANÇAS" nos países da OCDE e que também já citámos. De entre os muitos e interessantes dados (pode ser encontrado em www.unicef.org/index.php) releva o baixo posicionamento das crianças e adolescentes portugueses considerando os critérios, "Bem-estar Material", "Saúde e Segurança", "Educação e Bem-estar" (em último lugar) e "Comportamento e Riscos".
A minha intenção não é de modo algum subscrever um discurso catastrofista sobre a nossa existência mas creio que haverá seguramente alguma relação entre tudo isto... e isso inquieta-me. Estamos num tempo que, mais do que nunca, solicita a reflexão sobre, MODELOS, VALORES, CIDADANIA E POLÍTICAS, bem como sobre tudo o resto de que se faz o dia a dia de cada um.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

O BEM-ESTAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES - O relatório da UNICEF

A imprensa diária de hoje refere o relatório divulgado pela UNICEF relativo ao "Bem-estar de crianças e adolescentes", 0 - 17 anos, nos países da OCDE. Os seis critérios considerados remetem para "bem-estar material", "saúde e segurança", "educação", "relação com a família e amigos", "comportamentos e risco" e "percepção subjectiva de bem-estar".
Os indicadores respeitantes a Portugal não são, como seria de esperar, particularmente animadores. De acordo com o DN, o nosso país aparece na zona negra em "bem-estar material", "educação" e "comportamentos e risco". Estamos na zona cinzenta nos indicadores "saúde e segurança" e "percepção de bem-estar". Por outro lado, as nossas crianças e adolescentes expressam uma boa "relação com a família e amigos". O relatório refere ainda um elevado abandono escolar (30%) entre os adolescentes e que 23% da população dos 15 aos 19 não refere qualquer ocupação. É reconhecido que a exclusão e abandono escolar se constituem muito frequentemente como a primeira etapa da exclusão social. Deste pondo de vista este indicador é devastador sobretudo quando vivemos em sociedades cada vez mais abertas e competitivas e, por isso, mais exigentes na qualificação dos indivíduos.
Os indicadores globais de "bem-estar" mostram uma outra coisa que nem sempre me parece suficientemente sublinhada, isto é, a formação e desenvolvimento de qualquer pessoa transcende a família e a escola por mais importante que seja, e é, o trabalho realizado nestes dois contextos. Bem andam os africanos quando dizem que "para fazer uma casa bastam quatro homens mas para educar uma criança é preciso uma aldeia". De facto estes indicadores mostram o que está por fazer na nossa aldeia, nas nossas aldeias. A escola e a família fazendo obviamente parte da solução não são A solução.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Um novo Público - O mesmo Director

Tendo de há muito o hábito, pouco presente entre nós, de ler pelo menos um jornal diário, o escolhido desde a sua saída tem sido o Público.

Como o tempo não é muito e a imprensa diária será por natureza efémera e fortemente ligada à agenda, não sou, em regra, muito atento a questões de forma (gráfica). É o conteúdo e o seu tratamento jornalístico que me atraem. Registo também a pluralidade de opinião publicada e o contributo de pessoas (algumas) cuja seriedade de análise e conhecimento me merecem o maior respeito (mesmo na discordância).

Apesar dessa menor sensibilidade a questões de forma, não podia deixar de esperar e reparar nas mudanças introduzidas a partir de 29 e que foram para além da questão gráfica. Gosto deste modelo e continuarei a ser um comprador diário, (apesar de todas as vantajens da net ainda "preciso" de sentir o papel de jornal, tal como o do livro, nas mãos).

Devo, no entanto, dizer que o Director do Público, Dr. José Manuel Fernandes, se tem esforçado para me empurrar para fora da comunidade de leitores do jornal. Este senhor esmaga completamente a minha auto-estima pois não há assunto que o Sr. Director não comente, analise, conclua e prescreva soluções e ou decisões . É, de facto, um dos nossos maiores tudólogos (os que sabem de tudo, grupo a que já me referi neste blogue). Não é grave, antes pelo contrário, que cada um de nós "ache" o que quer que seja sobre não importa o quê. É bom ter opinião. Agora a alguém, que por estatuto ou função é um "fazedor de opinião", exige-se conhecimento, estudo e não "ACHISMOS". Não discuto as posições "neocons" do Sr. Director, (concordando ou não) mas abordar a maior parte das temáticas apenas a partir de posicionamentos ideológicos, esquecendo (ignorando) o que de investigação feita já se sabe sobre essa temática não é bonito, no mínimo. Mas enfim ... ACHO que vou continuar a ler o Público.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

DICIONÁRIO DO NOSSO QUOTIDIANO (A a D)

Este dicionário pretende ser um contributo para o entendimento da nossa realidade. Solicita-se colaboração na actualização do mesmo.

A - Assembleia da República - sede do poder legislativo. Salvo honrosíssimas excepções é frequentada por indíviduos de mérito duvidoso, conhecidos por "elementos do aparelho" ou surfistas políticos na medida em que sabem apanhar a onda certa na altura certa. Procuram assumir o que se designa por "pose de estado" que, por vezes não é muito convincente, pois distraem-se e, certamente por cansaço, fecham os olhos. Não fora a limitação de mandatos entretanto aprovada e corriam o sério risco de desenvolverem doenças profissionais por gestos monótonos e repetitivos, isto é, levantar o braço à voz do "chefe" ou, mais recentemente, carregar no botão da votação electrónica. Às vezes, raramente e em sessões com agenda pouco interessante, para orgulho da família e com eco na imprensa local da região que acreditam representar, falam, o que parece constituir uma espécie de prova de vida. São conhecidos entre o cidadão comum por ELES, designação que parece balançar entre uma pontinha de despeito e outra pontinha de inveja pois "o que é que ELES fazem? nada!!!"
B - Banca - Um mistério já enunciado por Miguel Sousa Tavares: Porque razão pago mais imposto sobre o rendimento do meu trabalho que o meu banco sobre os seu lucros construídos com o capital que lhe pago a partir do meu trabalho? Justiça fiscal?!!!!
C - Corrupção - Modo de funcionamento generalizadamente implantado e assente na ancestral troca de serviços com pagamento em géneros. O procedimento é carinhosamente tratado por "favorzinho" e apresenta-se com uma actividade com grandes níveis de diversidade pois parece envolver todas as áreas de funcionamento das comunidades e de grande dinamismo social uma vez que o "favorzinho" pode contemplar um "petit rien" do quotidiano como ultrapassar uma lista de espera, uma obrazinha para a autarquia ou um negociozinho com o Estado. Lamentavelmente existem pessoas que parecem não valorizar o lado empreendedor e estimulante desta actividade procurando contrariá-la.
D - Demagogia - Discurso e comportamento assumidos por uma parte significativa da nossa classe política que se traduz basicamente por:
a) Estando na Oposição criticar tudo o que o Governo faz incluindo aquilo que se a Oposição fosse Governo também faria;
b) Estando na Oposição criticar tudo o que o Governo não faz esquecendo o que se não fez quando se esteve no Governo;
c) Estando no Governo invertem-se as proposições anteriores,
d) Estando em qualquer circunstância prometer o que se sabe não poder cumprir.
É importante referir que este comportamento é evidenciado colocando a mais séria das poses ... "a de estado" a que já me referi.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

O Referendo

Participei no referendo assumindo uma posição favorável ao sim. Dito isto, gostava de partilhar algumas notas breves a propósito dos resultados.
1 - Fiquei profundamento satisfeito com o conteúdo da primeira declaração produzida pelo PS pela voz desse incontornável estandarte da cidadania em português, o Sr. Dr. Vitalino Canas, que me felicitou, bem como a todos os meus concidadãos, pela "maturidade democrática" de que demos provas. Agradeço a referência e o elogio do Sr. Dr.. No entanto, devo confessar, não sem uma pontinha de embaraço, que me foi extraordinariamente difícil comportar-me de forma adequada, pois foi muito forte a tentação da delinquência, do armar confusão, do dificultar o bom andamento do processo. Creio que só mesmo a perspectiva de ver o Sr. Dr. Vitalino a apontar-me o dedo, a acusar-me de falta de maturidade democrática me permitiu estar agora a escrever esta nota e não colocado numa qualquer Guantanamo para imaturos democráticos prestes a iniciar um processo de recuperação e educação cívica, tutelado por perceptores naturalmente formados por essa figura maior da nossa história contemporânea, o Sr. Dr. Vitalino Canas.
2 - Não gostei das imagens de cidadãos (e cidadãs, desculpe Professor Louçã) provavelmente inspirados(as) pelas claques do omnipresente futebol saltando e gritando para as câmaras de TV "Ganhámos, ganhámos". Não me parece que seja uma "vitória" das nossas cores. Fundamentalmente, creio que quem votou sim mandatou o poder executivo e legislativo e toda a comunidade para ajustamentos no quadro legal descriminalizando, nos limites previstos, o recurso ao aborto, e, sobretudo, para a promoção de dispositivos de apoio e prevenção aos problemas das famílias que minimizem ou eliminem os trágicos riscos da clandestinidade, que promovam equidade no acesso aos apoios e aos serviços, que promovam programas (avaliados) de educação para comportamentos mais saudáveis e com menos risco evitando a gravidez indesejada, designadamente, em adolescentes, etc. Esta parece-me ser uma leitura mais interessante dos resultados.
3 - A sua distribuição mostra também, como era previsível, uma aproximação clara dos resultados à matriz de distribuição geográfica da influência da Igreja Católica. Do meu ponto de vista, a única razão legítima e não hipócrita para votar não, só pode ser mesmo a forte convicção religiosa enunciada num domínio não racional e assumida num processo individual. É, no entanto, interessante analisar o discurso que a Igreja, através de diferentes vozes, foi pronunciando ao longo do processo de discussão no sentido da posse das consciências (de católicos e não católicos). Nesta perspectiva, o texto publicado por J.M. Santos no último Expresso é de uma notável lucidez.

sábado, 10 de fevereiro de 2007

A ESCOLA A TEMPO INTEIRO - mais um equívoco

A iniciativa do Ministério da Educação divulgada sob o desígnio "ESCOLA A TEMPO INTEIRO" sendo dirigida a um problema presente na generalidade das comunidades educativas, a ocupação e supervisão das crianças fora dos tempos lectivos/escolares, tem, na sua implantação e desenvolvimento, evidenciado mais um dos muitos equívocos presentes nas políticas e iniciativas subscritas por esta equipa ministerial.

Não me refiro aos incidentes relativos à organização e ao mau aproveitamento do muito que nesta matéria era já realizado, por exemplo, através de ATL(s) a funcionar no âmbito de parcerias com as Associações de Pais. Interessa-me sobretudo a dimensão da qualidade educativa dos espaços e conteúdos definidos, fundamentalmente, nas escolas do 1º ciclo do ensino básico pela reconhecida importância de promover desde início experiências educativas de qualidade, pois ... "o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita".

O equívoco existe ao confundir a importante necessidade de "EDUCAÇÃO A TEMPO INTEIRO" com "ESCOLA A TEMPO INTEIRO". Na prática em muitas situações que conheço verifica-se:

- A dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos humanos com experiência e formação para ensino de inglês ou trabalho noutras actividades, com crianças dos 6 aos 10. Recorre-se então a docentes de inglês do 2º e 3º ciclo e ensino secundário ou, em alguns casos, a pessoas com formação académica mas sem formação pedagógica, em inglês, por exemplo. Em muitas situações este procedimento resulta na réplica para as crianças de aulas e actividades pensadas para pré-adolescentes e adolescentes. O benefício imediato é quase nulo e a consequência a prazo poderá ser a desmotivação, no mínimo.

- O modelo de organização do trabalho, sendo desenvolvido por professores ou outros elementos desconhecedores do modelo de funcionamento do 1º ciclo, mostra-se, com frequência, completamente desajustado. Como exemplo, refiro o horário de um grupo de 1º ano (crianças com 6 anos): trabalham com a professora da turma das 9h às 12 e das 13 e 15 às 15 e 15, e todos os dias têm a seguir dois ou três tempos de 45 minutos até às 17 e 30 ou 18.

Verificamos assim que as crianças estão envolvidas em tarefas de natureza escolar durante um tempo que nestas idades se torna completamente excessivo e contraproducente. Quero sublinhar que o que me parece errado não é o tempo em que as crianças se envolvem em trabalho e que estão na escola, mas sim a natureza desse trabalho, "licealizado", ou seja, organizado por tempos, de forma rígida e ocupado com conteúdos e tarefas não compatíveis com crianças deste escalão etário.

Este quadro ilustra, creio, o equívoco a que me referi. Em vez de tentarmos estruturar um espaço que seja educativo a tempo inteiro, preenchido na escola e com qualidade, assistimos à definição de uma pesada agenda de actividades que está a motivar situações de relação com a escola turbulenta e reactiva. Alguns pais têm optado por retirar (quando e se podem) os seus filhos deste tipo de actividades.

Como entendo que esta matéria é susceptível de diferentes entendimentos, gostaria de conhecer opiniões e experiências que ajudassem à reflexão e ao conhecimento de outras realidades que desejaria mais positivas.

Quanto custa ser pai?

A propósito dos textos que surgiram na imprensa referindo o tempo disponível nas famílias para a relação com os filhos, deixo-vos uma estorinha.

- Pai…
- Sim.
- Pai… Quanto ganhas por uma hora de trabalho?
- Que pergunta!
- Responde.
- Cerca de 30 €.
(algum tempo depois)
- Pai…
- Sim.
- Tenho aqui 30 € que juntei. Podes vir brincar uma hora comigo ?

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

A pergunta e a resposta

De acordo com Vasco Pulido Valente, a pergunta formulada para o referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez é demasiado complexa para uma resposta SIM ou NÃO.

Uma vez que, em conformidade com a regra referendária aceite, as respostas assim devem ser formuladas, e valores e convicções não parecem constituir-se como matéria referendável, porque não entendermos que a pergunta significará "simplesmente": A mulher que decide recorrer ao aborto deve ser presa?

Depois de contabilizarmos as respostas e de assentar a poeira que a demagogia, a hipocrisia e o terrorismo verbal e visual têm levantado, deveríamos então exigir políticas e dispositivos de apoio eficazes ao planeamento familiar e à maternidade, bem como políticas de educação para a saúde e prevenção dos comportamentos de risco.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Eles andam aí ... Os TUDÓLOGOS

É velha na comunidade científica a dificuldade de estabelecer um equilíbrio entre um conhecimento de natureza "especialista" e o conhecimento de natureza "generalista". Não é tarefa fácil se considerarmos o volume enorme e virtualmente inesgotável de informação disponível e em construção sobre a totalidade dos temas que, por qualquer razão, possam ser objecto de estudo.
Daí o sempre presente desafio epistemológico da formação e desenvolvimento do conhecimento buscando o inatingível compromisso entre "saber muito sobre pouca coisa" e "saber pouco sobre muita coisa".
No entanto, de há algum tempo para cá emergiram na "medioesfera" um grupo de opinadores de origens diversas que parecem ter resolvido o tal imbróglio epistemológico. Refiro-me à seita dos TUDÓLOGOS, isso mesmo, os que sabem de tudo. É vê-los a emitir os seus "ACHISMOS" ou numa variante semântica também frequente os seus "PARA MIM..." por todo o lado onde apareça um microfone, uma câmara ou uma página de jornal ou revista.
O espectáculo é, por vezes, arrasador para a auto-estima de um cidadão que ao longo de uma laboriosa vida de estudo e reflexão procura conhecer uma qualquer área do saber. Eles, sempre os mesmos, falam, "acham", sobre não importa o quê, saúde, política (externa ou interna), educação, i & d, economia, arte, etc (uff!!). Estranhamente, por vezes, aparecem também acompanhados por pessoas de facto conhecedoras das áreas em discussão e de quem esperam, ou arrogantemente exigem, a caução da sua óbvia ignorância mascarada de "opinião esclarecida".
Curiosamente, a comunicação social ou, para ser justo, boa parte dela também mal preparada deleitando-se com a exibição despudorada de um umbigo tão grande quanto a ignorância, subscreve e amplia as maiores banalidades ou disparates que, diletantemente, os TUDÓLOGOS emitem.
Atentem nessas figuras e vejam se conseguem identificá-las. Voltaremos então a conversar.

A situação da menina "entre pais"

Contexto ou estrutura
O recente e mediático processo a que assistimos, e continuaremos a assistir, em torno do caso da criança "entre pais", bem como todas as devastadoras notícias relativas a crianças ou jovens vítimas do que à sua volta existe, recorda-me o mestre Almada quando se refere "à pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões".

De facto, para além da existência de dispositivos de apoio eficazes e expeditos às situações mais frágeis, importaria que construíssemos uma CULTURA de protecção da criança. O desenvolvimento das comunidades também se avalia pela forma como lidam com as situações mais vulneráveis que envolvem os seus elementos.
(Foto by Sebastião Salgado)