segunda-feira, 31 de outubro de 2016

HISTÓRIA DE UM SEM ABRIGO

Nasceu sem o abrigo de um colo que o esperasse.
Cresceu numa família que nunca foi um porto de abrigo.
Entrou numa escola de onde, passados muitos anos, saiu sem nunca ter encontrado abrigo.
Foi abrigar-se na rua onde encontrou outros desabrigados da vida.
Nunca encontrou o abrigo de um afecto.
Abrigava-se, quando podia e conseguia, nas sobras dos poucos que reparavam nos olhos tristes por desabrigo.
Arrastou-se, sem abrigo, até ao fim de uma vida feita de ruas desabrigadas em noites de inverno.
Encontrou, finalmente, abrigo num anónimo pedaço de chão.

EDUCAÇÃO E ORÇAMENTO

Retirei o texto que aqui coloquei sob este título pois fui induzido em erro por uma leitura menos cuidada da notícia que referi.

domingo, 30 de outubro de 2016

FAMÍLIA PRECISA-SE. URGENTE

O bem-estar das crianças é uma matéria que está permanentemente na agenda.
Em consequência de alterações verificadas no enquadramento normativo nesta área, em 2008, das 3400 famílias de acolhimento existentes para receber crianças institucionalizadas apenas restam 243. Ao que se lê no DN o Governo tem a intenção de alterar a lei. 
Apesar da mais recente (2015) legislação em matéria de protecção de crianças e jovens em perigo sublinhar a importância desta modalidade de resposta a situação continua grave se pensarmos que existem ainda cerca de 8500 crianças institucionalizadas, um dos mais altos níveis europeus embora se tenha verificado algum progresso verificado. 
No mesmo sentido Portugal tem um dos mais baixos valores no que respeita a colocação de crianças em acolhimento familiar, 4,5 % face aos 30% verificados em Espanha ou 66% em França. No Reino Unido a taxa de acolhimento familiar é ainda mais elevada, 77%, mas este indicador, do meu ponto de vista, deverá ser analisado à luz de algumas particularidades que estes processos apresentam e que têm sido, aliás, objecto de algumas reservas.
Como disse, apesar da evolução que se tem constatado, continuamos com uma elevada quantidade de crianças institucionalizadas, muitas das quais sem projectos de vida viáveis pese o empenho dos técnicos e instituições. Seria desejável que se conseguisse até ao limite promover a sua desinstitucionalização das crianças por múltiplas e bem diversificadas razões.
Recordo um estudo da Universidade do Minho mostrando que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.
A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos. É neste contexto que se acentua a importância da promoção da existência de mais famílias de acolhimento que respondam às situações que não são para adopção. Existem contextos familiares que podem reverter situações negativas que justificam a retirada dos menores durante algum tempo e com apoio reconstruir uma relação familiar bem-sucedida.
Uma família que de facto o seja é um bem de primeira necessidade na vida de um miúdo.
Termino com uma afirmação de um autor muito conhecido na área da educação e do desenvolvimento, Bronfrenbrenner, "Para que se desenvolvam bem, todas as crianças precisam que alguém esteja louco por elas".

PAI COMPRA LÁ

No DN pode ler-se um trabalho interessante de como o mercado está a recorrer às crianças como estratégia para promover o consumo ... dos pais. A peça é acompanhada por uma colaboração lúcida e competente do Professor Mário Cordeiro sobre a importância dos pais resistirem a essa pressão criada pelos filhos.
A questão não é nova e todos os que lidamos com os mais novos sabemos de que se trata. Recordo que em 2015 a Direcção-Geral do Consumidor referia receber queixas sobre a utilização de crianças em publicidade mesmo em produtos que lhes não são destinados. Está utilização está longe de ser nova. Embora os pais não estejam suficientemente atentos a estratégia é apetecível aos especialistas em marketing e publicidade.
Na verdade, alguns estudos nesta matéria, sugerem, surpreendentemente, que as crianças até aos 7 anos podem influenciar até 70% das decisões de compra da família, mesmo quando se trata de produtos que não lhes são directamente dirigidos. Esta influência mantém-se ao longo da infância e juventude.
Esta questão, a publicidade que tem por actores e suporte os miúdos e forma como nós adultos lidamos com isso, é complexa, envolvendo aspectos legais, considerando leis e direitos, educativos, culturais, sociais, etc. pelo que não é fácil a sua abordagem e gestão.
Será ingénuo pensar que quem produz bens destinados aos miúdos ou que cuja aquisição possa ser pressionada pelos miúdos, não tenha a tentação de que a mensagem publicitária seja o mais eficaz possível, ou seja, venda, não importa o quê, desde um alimento hipercalórico à última versão do videojogo ou as férias dos pais em locais atractivos para os miúdos.
Apesar das dificuldades que atravessamos, estamos num tempo de “és o que tens e se não tens … não és”, o que afectando os adultos, veja-se as situações de crédito malparado familiar por compras compulsivas e sem base económica sustentada, não pode deixar de influenciar os mais novos.
No entanto, acredito que podemos fazer alguma coisa junto dos pais e dos miúdos para tentar atenuar os efeitos deste cenário. As escolas poderiam ter um trabalho interessante debatendo com os miúdos, de todas as idades e de forma adequada, o papel da publicidade nas escolhas e nos gostos deles promovendo uma atitude mais consciente e crítica destes processos. Poderia também ser interessante conversar com os pais sobre o papel dos “presentes” e das “compras” nas dinâmicas e relações familiares, isto é, mais prendas e mais compras não é necessariamente melhor ou ainda sobre o papel da publicidade e a forma de lidar com a pressão desencadeada pelos filhos depois de verem “os ecrãs” ou as mensagens publicitárias.
Na verdade, apesar da sua complexidade é uma matéria a que por muitas razões vale a pena dedicar atenção.

sábado, 29 de outubro de 2016

FABRICAR TERRA E FALAR DE BULLYING

A manhã cumpriu-se a fabricar terra. Depois das primeiras chuvas a terra molhada revolvida tem um perfume incomparável e fica preparada para começar a plantar.
A tarde vai ser passada em Beja colaborando na apresentação do livro de Sónia Seixas, Luís Fernandes (dois bons amigos e colegas) e Tito de Morais, "Cyberbullying Um guia para pais e educadores", uma muito boa e útil ferramenta que dá continuidade ao excelente trabalho que os três têm vindo a desenvolver nesta área tão necessitada de atenção dado os níveis de sofrimento que afligem os envolvidos.
Vai ser certamente uma tarde bem passada na notável Biblioteca Municipal de Beja.
São também assim os dias do Alentejo.

ESTA É A PANTANOSA PÁTRIA NOSSA AMADA

A polémica em volta dos salários e da entrega da declaração de rendimentos dos administradores da Caixa Geral de Depósitos faz parte do que não precisamos face à já debilitada saúde da nossa democracia e da confiança nas lideranças políticas.
A forma como os diferentes partidos gerem este tipo de questões é um exemplo de demagogia e que verdadeiramente não serve a ética política. Produzem olhares e discursos conforme os interesses de circunstância.
Aliás, as reacções ao deplorável, mais um, episódio de habilitações académicas inexistentes num membro do governo, são da mesma natureza.
Ver gente do PSD e do CDS-PP a clamar pela demissão do Ministro da Educação depois da demissão dos últimos dois envolvidos é patética e despudorada para quem teve como colega de Governo o "Dr." Miguel Relvas que se manteve no cargo para além do que a vergonha e sentido ético deveria permitir. Nessa altura disseram o quê?
Esta é a pantanosa pátria nossa amada.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

MAIS UM "DR." DA MULA RUÇA

Um mesmo texto, com uma ligeira diferença, o nome, Desta vez trata-se do "Dr." Félix.
A história é breve e não é nova, o problema é quando se sabe. Um rapaz, o Sr. Dr. Félix, chefe de gabinete do Secretário de Estado da Juventude e Desporto, até cansa enunciar o cargo,  certamente com base na excelência do seu currículo, afirmou e assumiu ser licenciado em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova e em Direito pela Universidade Autónoma. O pormenor irrelevante é que apenas terá frequentado os dois ciclos de estudo. Mas o "Dr." Félix não faz por menos, uma licenciatura é pouco, duas é mais sólido e como dizer é fácil, pronto mais licenciatura e compõe ainda melhor o currículo.
Como outros "Drs." ou "Engs." presumo que terá realizado o resto da formação universitária que o conduziu ao título de (bi)Dr. na universidade de Verão do aparelhismo partidário e percebe-se então a sua escolha para chefiar o gabinete do Senhor Secretário de Estado da Juventude e Desporto. 
Parece-me bem, um país não pode, não deve, desperdiçar os seus mais talentosos e preparados cidadãos. Nesta perspectiva, tenho até alguma dificuldade em compreender a sua demissão. Não desempenharia as funções que lhe estavam atribuídas por ser cientista da comunicação ou licenciado em direito, não o era. Possui, evidentemente, outros talentos que não devem ser dispensados do serviço ao país.
Enfim, félixices, roquices, relvices e manhosices do Portugal dos Pequeninos em que ser doutor ou engenheiro é frequentemente visto como uma condição necessária e importante para usar colada ao nome e passar a fazer parte da identidade.
O Sr. Nuno Félix poderia até realizar um excelente trabalho, porquê esta mixórdia manhosa?

PS - Acabei de ler que o PSD através de um rapaz chamado Carlos Abreu Amorim afirma grande "preocupação" com  "mais uma fraude nos currículos do Governo". O despudor é grande para quem teve o Sr. Relvas como Ministro quando ainda era conhecido como Dr. Relvas.
Cambada de troca-tintas e mixordeiros. 

PISAR O RISCO

Quando era pequeno, uma das expressões que mais ouvia ao meu pai era “pisar o risco”. Empregava-a com frequência, em diferentes circunstâncias e dirigida, quer a mim quer em apreciações a comportamentos ou atitudes de outras pessoas. Percebi com o tempo que era uma expressão vulgar, não exclusiva do meu pai.
Com a fórmula do “pisar o risco” procurava, sobretudo comigo, que percebesse a necessidade do “risco”, hoje é mais comum chamar regras, e como, sabendo qual era o risco, perceber se deveria, ou não, ser pisado, e as consequências que eventualmente adviriam de “pisar o risco”.
Neste contexto, cresci como todos, quase, da minha geração, a tentar evitar “pisar alguns riscos”, umas vezes com sucesso outras nem por isso, e a decidir, com toda a intenção, que havia riscos que era preciso pisar.
Hoje, sem parecer demasiado pessimista, quando olho à volta, fico com a sensação que a gente pisa, mas já não tem muita noção de qual é o risco e onde está. Atropelamo-nos diariamente nas relações sociais e profissionais e na vida em comunidade, assistimos a comportamentos completamente despudorados de gente que não deveria “pisar o risco” pelo peso social que tem. Os putos, muitos, andam perdidos sem a noção de que pisam o risco, ou pisam o risco com intenção mas agarrados à ideia de que a vida está no “pisar o risco”. Os direitos das pessoas, risco que nunca poderia ser pisado, são esquecidos com frequência, etc.
No entanto, como sempre, há riscos que continuam a precisar de ser pisados. Mudam de forma, mas não mudam de conteúdo.

DA EDUCAÇÃO RELIGIOSA. E A FORMAÇÃO CÍVICA?

Num texto de opinião do Público li que a Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade terá referido no Congresso «Cidadania e Religião» que está em curso um processo de, cito do jornal, “criação de uma “disciplina” que forme e sensibilize para a cidadania, incluindo, com toda a naturalidade, formação sobre as realidades religiosas do nosso “universo” multicultural, e que promova a Liberdade Religiosa”.
Creio que esta afirmação passou despercebida mas é merecedora de algumas notas.
Deixem-me recordar que em Março o JN noticiava com chamada a primeira página o facto de em diferentes escolas públicas se realizarem em horário lectivo cerimónias religiosas. Os alunos que não participam ficam numa sala a “passar tempo”.
Como escrevi na altura, não me pareceu surpreendente, sabemos que assim é. No entanto, talvez seja de recordar que em matéria de religião e ensino, o Art.º 43ª da Constituição, no ponto 3 dispõe, "O ensino público não será confessional".
Por outro lado, a Concordata em vigor com o Vaticano estabelece que é dever do Estado Português garantir “as condições necessários para assegurar, nos termos do direito português, o ensino da moral e religião católicas nos estabelecimentos de ensino público não superior, sem qualquer forma de discriminação”.
Assim, no cenário actual temos a oferta nas escolas portuguesas da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica assegurada obrigatoriamente por professores pagos pelo Estado e com carreira integrada. A oferta de disciplinas de outras confissões religiosas é possível mas a expensas próprias e com professores fora do sistema.
Parece claro que esta situação viola, por um lado o princípio constitucional do ensino "não confessional", tal como a celebração das missas e, por outro lado, um princípio de equidade face à também consignada constitucionalmente liberdade religiosa.
Podemos discorrer longamente sobre a justificação para que este quadro permaneça com estes contornos, no entanto, não é esse o meu ponto.
Sou dos que continua a entender que a educação deve integrar imprescindivelmente uma dimensão de formação pessoal, ética e cívica. Estaremos a falar dos valores a que se referiria a Secretária de Estado.
Como muitas vezes afirmo, se tal não acontecer temos "apenas" ensino de um conjunto de saberes instrumentais que sendo importante não pode ser, não deve ser, o "tudo" da educação.
Acontece que o Estado que tem assumido os custos da permanência da oferta obrigatória da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica, de frequência facultativa e aceita a celebração de missas nas escolas, é o mesmo Estado que erradicou a Formação Cívica para todos os alunos dos conteúdos curriculares do ensino básico assumindo uma visão redutora e perigosa do que é educação e entendeu por bem expurgar ou minimizar nos currículos de tudo o que não considera de forma estreita “estruturante” ou “essencial”.
Esta é, do meu ponto de vista, a questão central.
Quando há uns meses escrevi sobre esta questão fui abordado por vários docentes de Educação Moral e formação Cívica que me referiram realizar nas suas aulas um empenhado e significativo trabalho de formação para os valores e com dimensão ética. Não duvido e ainda bem que assim é, mas do meu ponto de vista não se alteram os termos em que a questão se deve colocar.
Veremos o desenvolvimento desta narrativa.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

OS CUSTOS DA DEMOCRACIA

O processo em discussão na AR relativo aos vários projectos de mudança nas condições de financiamento e apoios públicos aos partidos é elucidativo de alguns problemas de saúde que afectam a nossa democracia.
Recordo uma entrevista recente do DN em que Marina Costa Lobo revela um estudo comparativo com 17 países europeus mais Israel e Austrália segundo o qual e com base no PIB Portugal está no topo do rendimento anual dos partidos políticos.
É ainda relevante saber que que Portugal está entre os cinco países em que partidos recebem mais financiamento público.
Neste cenário percebem-se as hesitações, omissões e os discursos altamente populistas e demagógicos que que pretendem contrariar o populismo e demagogia que afirmam estar presentes quando se questiona a justificação e bondade da manutenção do volume de apoios e benesses de que beneficiam. Mas não colhe.
Sou dos que entendem que a democracia tem custos e que dinheiros públicos poderão e deverão ser empregues, com controlo, transparência e equidade como é óbvio, no apoio às actividades dos partidos justamente como forma de … promover a democracia.
Por outro lado, também entendo que os apoios financeiros privados para a actividade política devem ser fortemente regulados e escrutinados porque como se sabe … não há almoços grátis.
Já não entendo que numa conjuntura como a que atravessamos possamos assistir aos argumentos utilizados pelos diferentes partidos para discutir ou não discutir esse financiamento e apoios.
São opções que, evidentemente, desqualificam a saúde ética da nossa democracia e, naturalmente os responsáveis pela decisão.
A questão é que nesta matéria, ética, também não se verifica reposição dos cortes verificadas.

A ESCOLA FAZ A DIFERENÇA

Em mais um trabalho no âmbito do projecto aQueduto, uma parceria entre o CNE e a Fundação Francisco Manuel dos Santos, com base na análise dos resultados no PISA verificados nos anos de 2000 e 2012 emerge uma melhoria significativa mesmo em escolas integradas em contextos com características sociodemográficas menos favoráveis ao rendimento escolar. Esta relação entre variáveis como estatuto social e económico e qualificação escolar dos pais com o rendimento escolar dos filhos tem ainda um peso mito forte.
No entanto, como este estudo sugere e é conhecido de outros trabalhos e muitas experiências a escola pode fazer a diferença.
Numa altura em que tantas vezes se questiona e responsabiliza a escola é bom saber, nós sabemos, que, apesar de tudo, a escola … ensina e educa.
Muitas vezes penso que nos falta um pouco a “cultura" de valorizar e divulgar o que corre bem. Embora se compreendam algumas razões estamos quase sempre mais direccionados para os muitos problemas e dificuldades sempre presentes no complexo universo da educação.
Na verdade apesar do peso das variáveis referidas, o trabalho na e da escola e dos professores é um factor significativamente explicativo do sucesso dos alunos mais vulneráveis e capaz de contrariar o peso das outras variáveis que estão presentes no contexto de vida desses alunos.
O trabalho na escola envolvendo organização, clima e liderança por exemplo e, finalmente o trabalho em sala de aula em que surge a diferença produzida pelo professor, pelos professores.
Quando abordo estas questões cito com frequência uma afirmação de 2000 do Council for Exceptional Children, "O factor individual mais contributivo para a qualidade da educação é a existência de um professor qualificado e empenhado".
No entanto a existência de professores qualificados e empenhados não depende só de variáveis individuais de cada docente, decorre também de um conjunto de políticas educativas que promovam a qualificação, a motivação e a valorização a diferentes níveis do trabalho dos professores.
De políticas educativas que em termos genéricos e em termos mais particulares como currículos, sistema de organização, recursos humanos docentes, técnico e funcionários, tipologia e efectivo de escolas e turmas, autonomia das escolas são apenas alguns exemplos de como a diferença tem que ser construída também antes de chegar à sala de aula.
E nesta matéria também temos muito trabalho para realizar.

DA REVERSÃO DO PESO DA NOTA DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Umas notas no Público sobre a reversão no peso da nota de Educação Física no cálculo da média final ensino secundário para acesso ao ensino superior.

Da reversão no peso da nota de Educação Física

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

MATAR A ÁRVORE DO DESENVOLVIMENTO

Despesa nacional em investigação cai em seis anos consecutivos

O Governo “está a matar a árvore do desenvolvimento”, afirmou no início de 2015 o Professor Carlos Fiolhais.
Na verdade, está estudada e reconhecida de há muito a associação fortíssima entre o investimento em educação e investigação e o desenvolvimento das comunidades, seja por via directa, qualificação e produção de conhecimento, seja por via indirecta, condições económicas, qualidade de vida e condições de saúde, por exemplo.
Com o desinvestimento fortíssimo no ensino superior e investigação e a inviabilização de boa parte dos centros e estruturas de investigação através de um incompetente e despudorado processo de avaliação corremos o sério risco de ver ameaçados e destruídos os excelentes resultados que os centros, laboratórios e unidades de investigação e as instituições de ensino superior têm vindo a alcançar e que atestam o esforço e a competência da comunidade científica portuguesa e o trabalho realizado no âmbito do ensino superior e investigação, traduzidos no reconhecimento internacional das nossas instituições.
Como em quase tudo é uma questão de escolhas e prioridades de quem lidera. O problema como referia também o Professor Sobrinho Simões num entrevista de há algum tempo sobre estas questões é que "os nossos políticos têm um problema ... alguns não se apercebem do valor do ensino superior e da investigação".
A negrura crática que caiu sobre a investigação poderá ter consequências sérias em termos de desenvolvimento científico e económico para além, evidentemente, do impacto nas carreiras pessoais assim ameaçadas de milhares de pessoas que investigam, criam conhecimento, promovem desenvolvimento e que, provavelmente, desistem ou emigram.
E assim quase se desmantelou uma política científica que vinha a produzir resultados positivos.

OUTRA VEZ A QUESTÃO DO CHUMBO ESCOLAR

E pronto. Lá voltamos à velha questão da retenção escolar, do “chumbo”.
Um estudo da Universidade Nova de Lisboa, "Será a Repetição de Ano Benéfica para os Alunos? concluiu que reprovar alunas do 4.º ano com mau desempenho escolar tem um efeito positivo muito reduzido e, entre os rapazes, não traz qualquer vantagem.
Sem surpresa os resultados estão em linha com o recentemente divulgado “Números, letras ou tubos de ensaio?” realizado no âmbito de uma parceria entre o CNE e a Fundação Manuel Francisco dos Santos.
A questão da retenção escolar em Portugal é objecto de muita discussão, diferenças de entendimentos e práticas e de alguns equívocos.
Dada a importância desta matéria e apesar das inúmeras vezes que aqui a tenho abordado, de novo algumas notas.
Como exemplo, recordo um trabalho de há meses na imprensa em que se evidenciava que com o mesmo quadro legal em matéria de avaliação escolar se verifica grande latitude no que respeita à transição ou retenção dos alunos em anos não terminais de ciclo no ensino básico. Existem escolas em que os alunos “passam” de ano com sete negativas o que noutras escolas não se verifica.
Sempre que se reflecte sobre estas questões insisto que a questão essencial me parece ser o efeito da retenção, a questão hoje em análise, e menos os critérios da retenção.
Recordo que no Relatório “Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed” divulgado pela OCDE no início deste ano se evidencia que o “chumbo”, a retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram. O estudo hoje divulgado sugere isso mesmo, mais uma vez.
O peso da retenção no nosso sistema escolar parece assentar na errada convicção de que a repetição só por si conduz ao sucesso e alimenta o que a OCDE já classificou de "cultura da retenção".
Confesso sempre alguma surpresa e dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção, cerca de 150 000 alunos por ano, algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber". A leitura das caixas de comentários da imprensa online a notícias sobre esta amtéria é elucidativa e merecia ser analisada.
Como me parece evidente não é dada disto. Como exemplo, a Noruega tem uma taxa de retenção próxima do 0% e não consta que os alunos noruegueses passem sem saber, são, aliás, dos alunos com melhores resultados nos estudos comparativos internacionais.
Insisto. A questão é saber se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram. Muitos estudos internacionais também mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso.
Nesta conformidade e do meu ponto de vista, a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional. Importa ainda que as políticas educativas sejam promotoras de condições de sucesso para alunos e professores.
O aumento do número de alunos por turma no Ensino Básico e no Secundário, a forma como foram definidas as metas curriculares, a cultura de competição e centrada exclusivamente em resultados, os cortes no número de docentes que poderiam desenvolver dispositivos de apoio, são apenas alguns exemplos do que não deve ser feito se, efectivamente, se quiser promover qualidade e sucesso.
Como é evidente este tipo de discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste.
Assim sendo, o essencial é promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social, replicando o velho "tal pai, tal filho". A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. Diferentes estudos mostram que em Portugal os bons alunos são os que mais trabalham em casa, TPCs e explicações, o que, evidentemente, não é alheio ao nível de escolaridade dos pais e ao estatuto económico.
É necessário também diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional mas não em idades precoces criando percursos irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.
É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.
É o que não tem acontecido em Portugal.
Ponto.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

RELVICES E MANHOSICES. AGORA O ENG. ROQUE

A história é breve e não é nova, o problema é quando se sabe. Um rapaz, o Sr. Eng. Roque, adjunto do primeiro-ministro certamente com base na excelência do seu currículo, afirmou e assumiu ser licenciado em Engenharia Electrónica pela Universidade de Coimbra. O pormenor irrelevante é que apenas terá realizado 4 cadeiras, agora designam-se por unidades curriculares.
Presumo que terá realizado o resto da formação universitária que o conduziu ao título de engenheiro na universidade de Verão do aparelhismo partidário e percebe-se então a sua escolha para assessorar o Primeiro-ministro.
Parece-me bem, um país não pode, não deve, desperdiçar os seus mais talentosos e preparados cidadãos. Nesta perspectiva, tenho até alguma dificuldade em compreender a sua demissão. Não desempenharia as funções que lhe estão atribuídas por ser engenheiro electrotécnico, com 4 cadeiras não o é, mas por outros talentos que não devem ser dispensados do serviço ao país.
Enfim, roquices, relvices e manhosices do Portugal dos Pequeninos em que ser doutor ou engenheiro é frequentemente visto como uma condição necessária e importante para usar colada ao nome e passar a fazer parte da identidade.

PAIS EM REDE

O Público faz hoje uma nova menção à colecção de livros “Meninos Especiais” que a Associação Pais em Rede tem vindo a divulgar desde há quatro anos contando a história de crianças com necessidades especiais.
O grande objectivo é partilhar experiências e divulgar situações que nos tornem a todos mais atentos, conhecedores e solidários relativamente às circunstâncias de vida das famílias e das crianças com necessidades educativas especiais. Um desafio da cidadania.
Uma referência ainda à Associação Pais em Rede, um movimento cívico que congrega fundamentalmente, mas não só, pais de pessoas, maiores ou menores, com necessidades especiais e que se bate pela inclusão educativa, social e comunitária de todas as pessoas.
È sempre importante sublinhar que, falando de educação, a educação de qualidade deve ser para TODOS e TODOS devem, tanto quanto possível, aprender, crescer e participar juntos nas comunidades educativas.
Não é moda, não é privilégio, é uma questão de direitos que não são de geometria variável.
Não é uma utopia, é algo de uma simplicidade e realismo absolutos e simples de enunciar, os miúdos devem estar juntos e participar nas actividades da comunidade da forma que conseguem, acomodando as diferenças entre si, entre todos.
É também e de facto uma questão ideológica como todas as dimensões da vivência humana, pois envolve valores, não é uma questão "meramente" técnica, científica ou pedagógica.
Uma outra ideia prende-se com o envolvimento dos pais nestas questões e muito para além da acção, muitas vezes difícil, com os seus próprios filhos. Neste sentido, a construção de redes que funcionam como suporte, apoio, partilha e voz é um contributo verdadeiramente importante.
Na verdade, precisamos urgentemente de construir ou reconstruir comunidades, não só de pais, que funcionem em rede.
Também não é uma utopia, é "só" entendermos que assim deve ser.
A leitura e divulgação dos livros bonitos da colecção “Meninos Especiais” pode ser mais um passo.

O SUCESSO EDUCATIVO VISTO PELOS ALUNOS

No final da semana passada respondi a um convite de um Município para participar numa iniciativa em torno do sucesso educativo.
Como se sabe e para utilizar um termo em moda, o insucesso escolar, apesar dos progressos verificados, é matéria que ainda não foi objecto de reversão satisfatória.
O trabalho foi muito interessante e realço de forma particular a participação de alunos do básico e do secundário na discussão, quer de forma presencial, quer através de mensagens gravadas sobre o que entendem sobre tal questão, sucesso educativo.
De uma forma sintética sublinho algo que esteve muito presente na generalidade das intervenções de alunos.
Relacionam de forma frequente a ideia de sucesso educativo com a ideia de futuro, ou seja, do seu ponto de vista, o futuro passa pelo sucesso que também não entendem ser só ter “boas notas”.
Exprimem com frequência a dificuldade de entender porque e para quê estudam algumas das matérias que têm. Uma aluna dizia “são muitas matérias para uma pessoa só”.
Finalmente sublinham o discurso de pais e professores que entendem excessivamente centrado no rendimento escolar. Em muitos depoimentos surgiam expressões, temos que ser felizes, temos que fazer outras coisas.
Achei interessante e acho que ficámos todos com um caderno de encargos mais complexo do que já era.
Sim, é positivo que se entenda como o sucesso educativo é uma estrada para o futuro. Mais difícil é lidar com o facto de não perceberem o que se lhes pede como contributo para essa estrada. Teremos de repensar conteúdos (currículos)? Teremos de repensar formas de transmitir os conteúdos, sublinhando a sua funcionalidade? Teremos de repensar a extensão e organização dos conteúdos? Em que sentido?
Sim, é positivo que se perceba o sucesso educativo como uma estrada para o futuro. Mas como compatibilizar o sucesso e o esforço para o obter que parecem estar ao lado de uma ideia de felicidade que parece ser percebida para lá da escola e não com a escola?
Será que temos de repensar os tempos da escola e os conteúdos da escola? E o que é ser feliz? Percebemos que não é só estudar, mas é o quê?
Aceitam-se ideias. Conversar sobre estas coisas só nos traz mais dúvidas.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

DO AFECTO, DAS BIRRAS, DAS REGRAS E DOS LIMITES

Achei interessante a entrevista de Álvaro Bilbao no Observador onde falou de afecto, birras, regras e limites no âmbito da educação familiar.
Como tantas vezes tenho dito, as crianças não têm elogios ou mimos a mais, têm nãos de menos, os adultos sendo quase sempre capazes de dar os mimos e os elogios, muitas vezes mostram-se incapazes de dar os nãos, de estabelecer os limites e as regras que, como sempre digo, são tão necessárias às crianças como respirar e alimentar-se. São bens de primeira necessidade.
Esta dificuldade dos adultos em oferecer os nãos aos miúdos, decorre muitas vezes de alguma desconforto culpabilizante sentido com as circunstâncias e estilos de vida que inibem o tempo e a disponibilidade que desejariam ter para os filhos.
Ficando sem nãos, muitas crianças, a coberto do afecto ou dos elogios dos pais, transformam-se em pequenos ditadores que infernizam a vida de toda a gente, a começar por si próprios.
Mas não têm mimos, afecto, elogios a mais. Têm, repito, nãos a menos.

DA DIFERENÇA

Gostei de ler, "Se tem objecções à felicidade, não leia isto", de Maria João Lopes.
No fundo trata-se de revisitar Saint-Exupéry. "... aquele que é diferente de mim não me empobrece, enriquece-me" (...).
Parece simples, não é?
Não, não é simples. Os valores, os conceitos e, sobretudo, os pré-conceitos e mais do que tudo, os preconceitos criam enormes dificuldades.

DA SÉRIE REVERSÃO. AGORA O PESO DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Ao que parece, a partir de 2017/18 a nota de Educação Física volta a contar para o cálculo da média final no acesso ao ensino superior. O Secretário de Estado da Educação referiu ainda a introdução de ajustamentos curriculares na disciplina.
Estamos perante mais uma reversão como agora se chama.  
O desinvestimento na Educação Física foi nítido na anterior equipa do ME. O “primeiro sinal” foi a redução em 2012 da carga horária no 3º ciclo e no ensino secundário.
O “segundo sinal” foi o facto de ter sido decidido que a nota da disciplina de Educação Física deixasse de contar para o apuramento da média final do ensino secundário para efeitos de acesso ao ensino superior, embora usada para alunos que pretendam prosseguir estudos nesta área ou para cálculo da média de conclusão de estudos secundários.
A medida evidenciou desde logo um aspecto incompreensível, a atribuição de um estatuto de segunda a uma disciplina que como outras de carácter geral integram os currículos. Por outro lado, o efeito de desvalorização da disciplina contrariando orientações europeias, que começou com um decréscimo das horas desta disciplina definidas nas novas matrizes curriculares, num país caracterizado por um excesso de sedentarismo nos estilos de vida dos jovens, seria de considerar. Na verdade se um dos grandes problemas que afecta a qualidade de vida de adolescentes e jovens é, justamente, o sedentarismo, como compreender o desinvestimento na disciplina de Educação Física que tem vindo a acontecer.
Como exemplo, recordo um trabalho da Universidade de Coimbra divulgado em 2013 que sublinhava, mais uma vez, o impacto que o sedentarismo tem na saúde das crianças. Este estudo envolveu 17424 crianças entre os 3 e os 11 anos e mostrou a forte relação entre hábitos fortemente sedentários, ver televisão por exemplo, e obesidade infantil e óbvias consequências na saúde e bem-estar dos miúdos.
Um outro trabalho de 2012 da Faculdade de Motricidade Humana envolvendo cerca de 3000 alunos mostrava o efeito positivo da actividade física no rendimento escolar para além dos benefícios óbvios na saúde.
Também em 2012, um trabalho divulgado na Lancet referia que em Portugal, entre os adolescentes, dos 13 aos 15, quatro em cada cinco não são fisicamente activos.
Voltando à questão da Educação Física, a razão da decisão de retirar a nota do cálculo da média de acesso remetia para um potencial enviezamento que as notas de Educação Física poderão ter no acesso ao Ensino Superior, o velho exemplo do aluno que quer ser médico mas não tem "jeito para a ginástica". Eventualmente, poderá acontecer também falta de "jeito para a Filosofia ou para o Inglês" sem que se justifique retirar estas disciplinas do cálculo da média de acesso.
No entanto, do meu ponto de vista, esta questão só acontecia e acontece porque, digo-o de há muito, a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior se sobrepõem quando deveriam ser processos separados.
Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário. Neste cenário caberiam todas as modalidades que permitem a equivalência ao ensino secundário, como o ensino recorrente.
O acesso ao ensino superior é, deveria ser, um outro processo que se desenrolaria sob a responsabilidade do ensino superior.
Parece-me pois importante que a Educação Física recupere um estatuto de disciplina nobre e que, por outro lado, se considere a necessidade de repensar o dispositivo de acesso ao ensino superior.

domingo, 23 de outubro de 2016

MUDANÇAS NA ÁREA DA DESIGNADA EDUCAÇÃO INCLUSIVA DE ALUNOS COM NEE

Lê-se no DN que o grupo de trabalho criado pelo ME com o objectivo de “apresentar um relatório com propostas de alteração ao Decreto -Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, alterado pela Lei n.º 21/2008, de 12 de maio, e respectivo enquadramento regulamentador, incluindo os mecanismos de financiamento e de apoio, com vista à implementação de medidas que promovam maior inclusão escolar dos alunos com necessidades educativas especiais” irá apresentar o seu trabalho em Novembro.
A informação disponibilizada na peça não é muito esclarecedora para além da intenção de reforçar a promoção de educação inclusiva adequando as respostas educativas às necessidades dos alunos, sempre que possível, junto dos seus colegas.
Como referi em Julho, este Grupo de Trabalho "Educação Inclusiva", como se autodesignou, teve a gentileza de me convidar para uma das suas sessões de trabalho da fase inicial. Com o conhecimento do Grupo divulguei na altura e aqui deixo umas notas sobre o sentido da minha participação. A sequência não obedece a critérios de importância ou ordem, apenas uma síntese telegráfica incompleta e em pontos por mais económica.
Em termos mais gerais.
. Sublinhar a importância e urgência da alteração do quadro legal, sobretudo o DL 3/2008.
. Aligeirar a presença de conteúdos “doutrinários” nos instrumentos legislativos. Os normativos dever ser “enxutos”, reguladores de medidas, recursos e procedimentos e estar, tanto quanto possível a salvo de “interpretações de doutrina”, os tão habituais, “cá para mim quer dizer" …)
. A resposta educativa à diversidade (educação inclusiva) não cabe num normativo específico e, por isso, importa pensar a coerência legislativa e não esquecer matérias como currículo, (a entretanto anunciada flexibilização do currículo parece-me positiva), organização e gestão de recursos, autonomia e organização das escolas, avaliação escolar, etc.
. Uma das maiores fragilidades do nosso sistema educativo é, do meu ponto de vista, a sua desregulação. Como tantas vezes afirmo, em matéria de trabalho com alunos com NEE e não só, convivem práticas e respostas de extraordinária qualidade com situações inaceitáveis. Parece-me imprescindível que se definam formas e dispositivos de regulação que não têm a ver com avaliação ou inspecção, são funções diferentes, mas com apoios e recursos verdadeiramente reguladoras do trabalho de professores e escolas. Existem muitíssimos profissionais nas escolas altamente competentes e experientes que podem integrar, por concurso por exemplo, estes dispositivos de regulação.
. Recursos técnicos e docentes suficientes e qualificados.
Em termos um pouco mais específicos entendo que o caminho passará:
. Por uma sólida e real autonomia das escolas como forma de melhorar a sua resposta a especificidades de contexto, incluindo as características dos alunos e dos recursos disponíveis
. Por repensar a existência de “conceitos” como “necessidades permanentes”, “elegibilidade” e uma infinidade de “instrumentos” como diferentes Planos (PEIs, PITs, CEIs, etc.). Talvez esteja errado, mas parece-me mais eficaz e económico que quando necessário tenhamos um Plano Educativo no qual consta o que é ajustado para UM determinado aluno, seja ao nível das aprendizagens, da transição para a vida activa ou dos conteúdos curriculares, é o seu Plano Educativo, ponto. Aliás, até tenho dificuldade em perceber alguns destes “conceitos” que, desculpem as boas práticas existentes, muitas vezes funcionam com ferramentas de exclusão.
. Repensar o modelo de Unidades de Ensino Estruturado, de Unidades de Apoio Especializado para a Educação de Alunos com Multideficiência ou Escolas de referência para alunos cegos ou com baixa visão. O espaço não permite desenvolver a justificação mas já aqui a tenho referido que sem regulação e devidamente organizados alguns destes espaços são espaços de exclusão.
. Repensar o modelo de avaliação centrado na CIF. Trata-se de um instrumento de classificação, útil e competente para outros objectivos que não a avaliação em educação.
. Reforçar a competência das escolas e dos professores na decisão sobre medidas de natureza educativa incrementando também um real envolvimento e participação das famílias.
. Repensar o modelo de apoios especializados prestados por entidades exteriores à escola. Sendo de natureza educativa, a sua gestão será da responsabilidade das escolas. Sendo de outra natureza devem ser integrados no Plano Educativo do aluno e desenvolvidos em moldes diferentes do actual modelo que gera situações de ineficiência.
. Na mesma linha devem ser repensados os modelos de parceria com outras entidades também no que respeita, por exemplo, à preparação e transição para a vida activa em que, mais uma vez, a responsabilidade de decisão é das escolas, inalienável dentro da escolaridade obrigatória.
. Simplificar tanto quanto possível as “medidas de apoio”. Em termos muitos simples temos alunos que precisam de algum tipo de apoio para percorrer de forma bem-sucedida um trajecto semelhante ao de todos os seus colegas, os alunos para os quais seja necessário algum ajustamento curricular que não comprometam o acesso às competências globais do ciclo de estudos e os alunos para os quais seja adequado uma adaptação mais significativa dos conteúdos curriculares.
Questões como alterações na avaliação ou na matrícula são de outra natureza, não são medidas de apoio educativo.
Foram ainda abordadas outras questões, a sessão foi longa.
Como também referi na altura, pareceu-me e registei, existir uma genuína preocupação com a qualidade da resposta educativa para TODAS as crianças e a intenção de caminhar nesse sentido.
É também verdade que ao longo de 40 anos de lida neste universo muitas vezes tenho visto excelentes intenções serem substituídas, por diferentes razões, por opções e políticas inadequadas.
Como diz o Velho Marrafa lá no Alentejo, “deixem lá ver”. Estamos mais perto de saber.

DOS DIAS DO ALENTEJO

O fim-de-semana está quase a terminar, aqui. Tempo de deixar o Alentejo.
A lida prevista foi cumprida, acabar a apanha das nozes e colher azeitona e retalhá-la. 
As nozes estão apanhadas, vão apanhando algum sol para secar e serão partidas ao pé da lareira nas noites frias que hão-de chegar.
As azeitonas ficaram na água que o Mestre Zé vai mudando e daqui a uns dias levam o sal, o que as conserva. Depois, bom, depois é deixar passar algum tempo para adoçarem e temperá-las. Ficam sempre muito boas.
Já caiu uma água bem chovida como se diz por aqui, a terra começa a mudar de cor, o pasto começa a rebentar e já se nota o verde. Vai sendo tempo de fabricar a terra.
São assim os dias do Alentejo, sempre curtos mesmo nos dias grandes.

sábado, 22 de outubro de 2016

BEST FRIENDS

Comove-me a preocupação de David Dinis, o novo director de um aparentemente novo Público, com o futuro de Passos Coelho. É bonito.
O seu esforço, ajuda e conselhos no sentido de o proteger e promover são um exemplo de generosidade e solidariedade desinteressadas.

DA SÉRIE "METE-ME ESPÉCIE". SABER E OPINIÃO EM EDUCAÇÃO

No seu artigo de ontem no Público, o Professor David Rodrigues começava por se referir à facilidade com que a generalidade das pessoas, independentemente da sua formação, se expressa de forma definitiva sobre educação sendo bastante mais prudente quando se trata de outras matérias.
Também no Atenta inquietude já escrevi algo sobre isto.
Na verdade, acontece-me muito frequentemente que em troca de opiniões com pessoas com formação de áreas diferenciadas que não as Ciências Sociais, designadamente Educação ou Psicologia, áreas que conheço melhor, sobre matérias do seu universo de formação ou intervenção, perceber que os meus interlocutores desvalorizam o que exprimo pois não lhe reconhecem “saber” ou “ciência”, apenas opinião.
Por outro lado, quando falo de assuntos da minha área de estudo de décadas, Psicologia e Educação, qualquer que seja a sua formação, muitos dos interlocutores afirmam com a maior das convicções opiniões sólidas e seguras sobre o que está em discussão e assumem com toda a segurança essas opiniões como “saber”.
Quando era mais novo ainda tentava argumentar com base no que a ciência nestas áreas vai produzindo mas, dada a falta de efeito, vou desistindo.
Na verdade, “mete-me espécie” que engenharia, biologia, economia, medicina, etc., etc., sejam áreas de “saber” e que educação ou psicologia sejam percebidas não como áreas de saber mas como áreas de opinião que, naturalmente, qualquer pessoa pode expressar e, assim, passar a ser “saber”.
Aliás, até já tenho visto referências às Ciências da Educação escritas com aspas e, frequentemente, com sentido pejorativo. Foi patente nos últimos anos a emergência de discursos diabolizando as “ciências da educação” identificando-as como o eixo mal responsável pelo que de mau vai acontecendo no mundo da educação. Elucidativo. Seria estranho, no mínimo, alguém afirmar que o que se sabe e estuda em engenharia num qualquer ramo é prejudicial … à engenharia
“Mete-me espécie” que o que eu afirmo dentro da minha área não seja percebido como saber, não seja percebido como ciência, seja uma opinião e, como tal, passível de discussão com base noutra opinião enquanto o discurso do meu interlocutor sobre a sua área de intervenção seja “saber” pelo que um leigo como eu não o pode abordar de forma séria.
Não é grave que se construa opinião sobre qualquer assunto da nossa vida. É desejável e estimulante para toda a gente que assim seja. O que me “mete espécie” é que se entenda que opinião é ciência ou, quando convém, que a ciência não é ciência é opinião e como tal deva ser tratada.
Ao fim de quarenta anos de lida já estou mais habituado mas lá que me “mete espécie” … mete.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

OBRIGADO SENHORES DA DBRS

DBRS mantém rating português acima de “lixo”

Obrigado senhores da DBRS, pelo menos para vós não somos lixo. É generosidade a mais e da qual não somos merecedores. É verdade que somos quase lixo, mas não somos lixo o que é muito importante.
Não é que não nos lixem na mesma, cambada de abutres.

CORRIGIR AS NOTAS DOS ALUNOS DAS ESCOLAS "SIMPÁTICAS"

Ao que se lê no JN, por proposta do grupo de trabalho nomeado pelo Governo para analisar o processo de acesso ao ensino superior, os alunos que tenham frequentado escolas que reconhecida e reiteradamente tenham “inflacionado” as notas da avaliação interna com o objectivo de subir a média de candidatura poderão ver as suas notas corrigidas automaticamente.
Não conheço o resto das propostas e percebo a necessidade de se reverter, está na moda a ideia de reversão, a simpatia e generosidade de algumas escolas, aliás, genericamente conhecidas.
Sabe-se que também que no caso das escolas “simpáticas”, as que inflacionam as notas, predominam as escolas privadas, mas curiosamente, é bom lembrá-lo, no caso das escolas em que os alunos obtêm melhores resultados nos exames que nas avaliações internas predominam as públicas, ou seja, o “facilitismo” das escolas públicas que alguns apregoam não será tão claro.
De registar ainda que considerando as escolas que mais promovem progressão nos alunos entre o 9º e o 12º também predominam as escolas públicas.
Retomando as notas inflacionadas, de facto, a disponibilização dos dados relativos ao secundário no Infoescolas, uma boa medida do MEC, confirmou a situação que já o CNE e um estudo da Universidade do Porto tinham colocado e é do conhecimento das comunidades. Recordo que foi aberto um inquérito a alguns estabelecimentos de que desconheço os resultados.
Sabe-se também que em muitas zonas as escolas, privadas sobretudo, mas também algumas públicas são "escolhidas" pelas famílias também em função deste conhecimento.
Deve ser a isto que se chama liberdade da educação. Aliás, curiosamente, segundo os dados do estudo da Universidade do Porto é justamente nos colégios sem contrato de associação, os que recebem “apenas” os alunos que entendem, que as notas internas são mais “inflacionadas”, por assim dizer.
Os responsáveis pelas escolas em que o “fenómeno” é mais evidente tentam explicá-lo de formas diferentes e em alguns aspectos até bastante curiosas, projecto pedagógico ou educativo da instituição, entendimento diferenciado sobre o próprio papel da avaliação interna, etc. No mesmo sentido, o Director da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, sempre criativo, apresenta há meses uma justificação em torno de "estratégias pedagógicas" que é uma peça de antologia.
Ainda no domínio do que se passa no âmbito das avaliações internas seria interessante verificar o que se passa em muitos estabelecimentos privados nas disciplinas não sujeitas a exame nacional.
No entanto, do meu ponto de vista, afirmo-o de há muito, a questão central radica numa questão central, a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados.
Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário. Neste cenário caberiam também as outras modalidades que permitem a equivalência ao ensino secundário, como é o caso do ensino artístico especializado ou recorrente em que também se verificam algumas "especificidades", por assim dizer.
O acesso ao ensino superior é um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela.
A situação existente, não permite qualquer intervenção consistente do ensino superior na admissão dos seus alunos, a não ser a pouco frequente definição de requisitos em alguns cursos, o que até torna estranha a passividade aparente por parte das universidades e politécnicos, instituições sempre tão ciosas da sua autonomia. Parece-me claro que o ensino superior fazendo o discurso da necessidade de intervir na selecção de quem o frequenta não está interessado na dimensão logística e processual envolvida.
Os resultados escolares do ensino secundário deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países.
Sediar no ensino superior o processo de admissão minimizaria muitos dos problemas conhecidos decorrentes do facto da média de conclusão do ensino secundário ser o único critério utilizado para ordenar os alunos no acesso e eliminaria o “peso” das notas inflacionadas em diversas circunstâncias. A investigação da Universidade do Porto mostrou como um ou dois valores a mais podem “valer” a entrada na universidade ou no curso que se quer.
Enquanto não se verificar a separação da conclusão do secundário da entrada no superior corremos o risco de lidar com situações desta natureza embora a transparência as possa minimizar.
Aguardo com alguma expectativa a divulgação do conjunto das propostas do grupo de trabalho sobre esta matéria

"DEIXAR UM BEBÉ SOZINHO A CHORAR DURANTE A NOITE É COMO ABANDONÁ-LO"

Gostei de ler um trabalho no Observador, "Deixar um bebé sozinho a chorar durante a noite é como abandoná-lo”.
Parece-me um bom contributo realtivamente aos riscos de algumas "modas" e visões relativamente ao sono dos mais novos que passa, por exemplo, por programas de "treino do sono" ou, como o título sugere, deixar que os bebés chorem sós durante a noite como forma de promover a sua autonomia e resiliência.
Merece atenção e divulgação.

BRINCAR NA RUA

Umas notas na Visão sobre a importância de brincar na rua.
(...)
"No imperdível “O MUNDO, o mundo é a rua da tua infância”, Juan José Millás recorda-nos como a rua, a nossa rua, foi o princípio do nosso mundo e nos marca. Quantas histórias e experiências muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos."
(...)

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A PROPÓSITO DO DIA MUNDIAL DE COMBATE AO BULLYING

O calendário das consciências determina para hoje o Dia Mundial do Combate ao Bullying. Algumas notas.
Diferentes estudos sugerem que em Portugal cerca de um terço dos adolescentes entre os 13 e os 15 anos já se terá envolvido em episódios de bullying verificando-se com particular preocupação a subida significativa de cyberbullying.
Sabe-se também que a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos que são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o emergente cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores ou funcionários.
Este cenário determinaria, só por si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.
Recordo um estudo com uma escala significativa divulgado na Lancet Psychiatry evidenciando que o bullying assume impactos negativos mais significativos no bem-estar psicológico dos adolescentes aos 18 anos que maus tratos de adultos sofridos na infância. Mostra ainda que crianças maltratadas na infância são vítimas potenciais de bullying em adolescentes.
Estima-se que nos últimos três anos o fenómeno tenha provocado pelo menos 12 suicídios nos Estados Unidos.
Recordo ainda que foi anunciado em 2013 que a Direcção-geral de Saúde iria promover em várias escolas do país um projecto de prevenção do suicídio dirigido a adolescentes matéria de que não conheço o desenvolvimento. Felizmente, a taxa de suicídio adolescente em Portugal não é muito alta, embora um só caso já seja uma tragédia. No entanto, os comportamentos de natureza autodestrutiva são bem mais prevalentes do que se pensa. Em algumas circunstâncias, mais tarde estes comportamentos podem culminar em suicídio.
Neste contexto e dada a gravidade e frequência com que ocorrem estes episódios é imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.
Neste universo importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso disso.
O volume de episódios mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e alunos possam obter informação e apoio. Lamentavelmente, este serviço é exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das insuficiências na formação de técnicos e de professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento. A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes, designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, é, a par de ajustamentos nos modelos de organização e funcionamento das escolas e de uma séria reestruturação curricular, uma tarefa urgente.
Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa, ou na escola, espaço onde passam um tempo enorme.
Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser grave.

A CRECHE PARA CÃES. QUO VADIS PÚBLICO?

O Público mudou, está a mudar. Como já tenho dito resisti a José Manuel Fernandes mas não tenho a certeza se resistirei a David Dinis.
Tenho com o jornal, no qual tenho colaborado com alguma regularidade e com orgulho, uma relação algo estranha que passa por ser assinante da versão digital e manter o hábito adquirido desde o primeiro número de o comprar também em papel. Hábito esquisito que vislumbro perder.
Vários editoriais e algumas opções na mudança que tem estado em curso não me parecem interessantes.
Hoje fiquei perplexo. 
Que se noticie a abertura em Lisboa da sua primeira creche destinada a cães ainda posso entender, o mundo é um lugar estranho e é verdade que os cachorros precisam de atenção adequada. O meu saudoso Faísca também a teve, connosco, claro.
Mas ... esta notícia, a abertura da primeira creche para cães em Lisboa está colocada na secção ... "Educação".
"Mete-me espécie", quo vadis Público?

TAL MÃE, TAL FILHO. TERÁ DE SER ASSIM?

Um novo estudo realizado pela Direcção-Geral de Estatísticas de Educação, agora sobre o 2º ciclo, “Desigualdades Socioeconómicas e Resultados Escolares – 2.º ciclo do ensino público geral”, ontem conhecido vem sublinhar mais uma vez a forte relação entre variáveis de natureza social e económica, nível de escolaridade das mães por exemplo, e o sucesso escolar dos filhos.
A percentagem de sucesso no 2º ciclo de alunos com mães com licenciatura ou bacharelato é de 80%, entre os alunos com mães com o equivalente ao 4ºano é de 26%. Se extremarmos as habilitações, sem habilitações face a mestrado a doutoramento, temos um intervalo de 85 para 83%.
Estes resultados não são propriamente surpreendentes tal como no estudo anterior que considerava o 3ºciclo. A capacidade preditora da variável escolaridade dos pais, em particular a das mães no nosso caso, relativamente ao percurso escolar dos filhos é ainda muito significativa e comprovada em múltiplos estudos em diferentes paragens. A análise dos resultados escolares em exames nacionais cruzando com a habilitação escolar dos pais mostra isso mesmo.
Recordo também uma análise da OCDE, cruzando os resultados escolares dos alunos de diferentes países no Estudo comparativo PISA relativos a 2012 com as profissões dos pais, mostra que em Portugal, mais do que noutros países, os filhos de pais mais qualificados têm melhores resultados.
Na verdade, desde sempre que os estudos, designadamente no âmbito da sociologia da educação, associam a carreira escolar e o estatuto profissional dos filhos ao nível de escolaridade e estatuto económico dos pais.
Também sabemos que isto é tanto mais evidente quanto maiores são os níveis de desigualdade. Em Portugal verifica-se um dos maiores fossos entre ricos e pobres da União Europeia pelo que a relação entre os níveis escolar e salarial dos pais e os dos filhos é ainda mais forte. O trabalho agora apresentado vem, mais uma vez, confirmar a realidade que conhecemos, a enorme dificuldade da escola de promover mobilidade social, ou seja, o nível de escolaridade dos pais marca de forma excessiva o nível atingido pelos filhos. A situação sempre assim foi, ainda me lembro de quando era pequeno, haver quem se admirasse do meu pai, um serralheiro, ter decidido que eu continuaria a estudar.
Acresce que as circunstâncias conjunturais, uma política educativa  durante os últimos anos que parecia ter como desígnio a selecção através sucessivos crivos que não garantem equidade nas oportunidades, dificilmente sustentam que a educação e a qualificação promovam a desejada mobilidade social ascendente.
Deste quadro, resulta uma complexa situação que poderemos de forma simplista colocar nestes termos, a escola ao acabar por reproduzir a desigualdade social à entrada, compromete o papel fundamental que lhe cabe na promoção da mobilidade social, ou seja, a escola que deveria ser parte da solução, na prática, corre o risco de continuar a ser parte do problema. No entanto e apesar disto, creio que muito poderá e deverá ser feito no sentido da promoção efectiva da chamada e distante equidade e igualdade de oportunidades. Aliás, tal como no Estudo se demonstra, felizmente, temos muito boas experiências que mostram que a escola pode, deve, de facto, fazer a diferença.
Do meu ponto de vista, tantas vezes aqui afirmado, a questão central será a qualidade na escola pública. Esta qualidade deverá assentar em três eixos fundamentais, a qualidade considerando resultados, processos, autonomia e gestão optimizada de recursos, segundo eixo, qualidade para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de exclusão e a desigualdade de entrada e, terceiro eixo, diferenciação de metodologias, diferenciação progressiva e não prematura dos percursos de educação e formação. Esta diferenciação de percursos deve passar, temos registado progressos nesta área, por uma oferta bastante mais variada ao nível do secundário possibilitando a muitas jovens completar este nível de ensino com competências profissionais, isto é que é fundamental. Também ao nível do ensino superior, com o trabalho no âmbito do ensino politécnico se criam condições para processos de qualificação mais curtos e mais diversificados.
No actual cenário, quando se entende e espera que a educação e qualificação possam ter um papel decisivo na minimização de assimetrias, as políticas, os custos e a dificuldade de acesso podem, pelo contrário, alimentar essas assimetrias e manter a narrativa, "tal pai, tal filho", pai (mãe) letrado, filho letrado e pai (mãe) pouco letrado, filho pouco letrado.
Assim sendo, urge a definição de uma política educativa para o médio prazo, estabelecida com base no interesse de todos, com definição clara de metas, recursos, processos e avaliação. A continuar na deriva a que nas última décadas nos entregamos, daqui a algum tempo um novo estudo de dentro ou de fora virá dizer exactamente o mesmo.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

EDUCAÇÃO POUCO AUXILIADA

Parece poder dizer-se que o corrente ano lectivo começou com alguma tranquilidade no que respeita à colocação de docentes. O que deveria ser uma regra, um ano lectivo começar com as escolas apetrechadas do respectivo corpo docente, é quase uma excepção e como tal motivo de regozijo e satisfação.
No entanto, no que que respeita aos auxiliares de educação, desculpem, recuso-me a designar este grupo profissional por assistentes operacionais, a situação tem estado longe da normalidade sendo recorrentes queixas de directores e escolas e mesmo dificuldades sérias de funcionamento. O anunciado aumento de 300 auxiliares parece claramente insuficiente.
Acresce que nos últimos anos as necessidades das escolas, elaboradas de acordo com rácios já desajustados face às mudanças na organização do sistema, são colmatadas através do recurso a desempregados inscritos nos Centros de Emprego, o chamado Contrato Emprego-Inserção, que chegam tarde às escolas, a maioria sem formação para o trabalho que envolva crianças dependendo o seu trabalho do jeito e dos apoios de colegas.
Ao fim de cada ano, independentemente da qualidade do seu desempenho e da vontade das direcções escolares estas pessoas vão embora e não podem voltar a trabalhar no ano seguinte no local em que estiveram.
Esta medida indefensável só pode ser entendida à luz das múltiplas habilidades para disfarçar o desemprego sem, verdadeiramente, criar emprego.
Julgo oportuno voltar a sublinhar o importante papel educativo dos auxiliares de educação para além das funções de outra natureza que também desempenham. Tal importância exige a adequação do seu efectivo, formação e reconhecimento. No caso mais particular de alunos com necessidades educativas especiais, em algumas situações os assistentes operacionais serão mesmo uma figura central no seu bem-estar educativo, ou seja, são mesmo auxiliares de acção educativa.
A excessiva concentração de alunos em centros educativos ou escolas de maiores dimensões não tem sido acompanhada pelo ajustamento adequado do número de auxiliares de educação. Aliás, é justamente, também por isto, poupança nos recursos humanos, que a reorganização da rede, ainda que necessária, tem sido feita com sobressaltos e com a criação de problemas.
Na verdade, os auxiliares educativos cumprem um papel fundamental, nem sempre valorizado, nas comunidades educativas e por várias razões.
Quase sempre, os auxiliares de educação são elementos da comunidade próxima das escolas o que lhes permite o desempenho informal de mediação entre famílias e escola, ter uma informação que pode ser útil nos processos educativos e uma proximidade com os alunos que pode ser capitalizada importando que a sua acção seja orientada, tenha alguma formação e que se sintam úteis, valorizados e respeitados.
Há poucos dias estive nos Açores onde tive a oportunidade desenvolver algum trabalho com auxiliares de educação de três agrupamentos e foi muito estimulante perceber o envolvimento e o empenho genericamente demonstrado no sentido de contribuírem para o bem-estar dos alunos, desde o jardim-de-infância ao ensino secundário.
Os estudos mostram também que é nos recreios e noutros espaços fora da sala de aula que se regista um número muito significativo de episódios de bullying e de outros comportamentos socialmente desadequados. Neste contexto, a existência de recursos suficientes para que a supervisão e vigilância destes espaços seja presente e eficaz. Recordo que com muita frequência temos a coexistir nos mesmos espaços educativos alunos com idades bem diferentes o que pode constituir um factor de risco que a proximidade de auxiliares de educação minimizará.
Considerando tudo isto é imprescindível à qualidade dos processos educativos a presença em número suficiente de auxiliares de educação que se mantenham nas escolas com estabilidade e que sejam orientados e valorizados na sua importante acção educativa.

QUERIDA FAMÍLIA, AMIGOS, CONHECIDOS E PROTECTORES

Segundo o relatório semestral da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa o Ministério Público, ontem divulgado, registou perto de 500 casos de abuso sexual de menores quando no mesmo espaço de tempo em 2015 eram 128. Até Setembro foram registadas 700 situações contra 900 em todo o ano de 2015. Uma realidade inquietante.
De acordo com a responsável por esta área de investigação “Tem havido muito mais participações. Vêm sobretudo da família das vítimas mas também das escolas e comissões de menores."
Na verdade continua com uma regularidade impressionante a revelação de casos de abusos sexuais sobre crianças e adolescentes, a maioria em situações envolvendo familiares, amigos ou conhecidos da crianças ou famílias e também instituições que lidam com as menores.
Esta circunstância decorre de um aspecto que me parece fundamental não esquecer nunca e que os dados agora divulgados também sustentam. A maioria dos abusos sexuais sobre crianças ocorre nos contextos familiares e envolve família e amigos, não em instituições que, provavelmente na sequência do caso Casa Pia, até se terão tornado mais atentas e eficazes na prevenção de abusos, embora continuem, evidentemente, a acontecer como tem sido divulgado. Os indicadores sugerem que entre 70 a 80% das situações de abuso a responsabilidade é de alguém que a criança conhece e em quem confia.
Apesar das mudanças verificadas em termos legais e processuais, a fragilidade ainda verificada na criação de uma verdadeira cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam expostos a sistemas de valores familiares que toleram e mascaram abusos com base num sentimento de posse e usufruto quase medieval.
Muitas crianças em situação de abuso no universo familiar ou por pessoas conhecidas ainda sentem a culpa da denúncia das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o facto de que pessoas que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade eventual das suas queixas bem como das consequências para si próprias, uma vez que se sentem quase sempre abandonadas e sem interlocutores em que possam confiar ou ainda o medo das consequências da denúncia.
A este cenário acrescem os riscos que as novas tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais casos em que a internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro, para além da eficiência do sistema de justiça, continua a ser absolutamente necessário que as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da saúde e da educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de que algo de menos positivo se passa  com eles.
Esta atitude de permanente, informada e intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do meu ponto de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos sobre as crianças e o enorme sofrimento provocado.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

OUTRA HISTÓRIA DA INCLUSÃO, ESTA COM MANUAIS

Recebi a mensagem transcrita em baixo que com a devida autorização divulgo. Trata-se de mais uma história da inclusão e aborda algo na agenda, os manuais escolares. Parece-me bem elucidativa das dificuldades de alunos, famílias e professores, em cumprir um direito básico, o direito à educação em condições de equidade por parte de todos os alunos, incluindo evidentemente, os alunos com necessidades educativas especiais.
É também claro que existe uma outra agenda de interesses que dificulta ainda mais o cumprimento desse direito.

Sou pai do …, um jovem com paralisia cerebral, com 14 anos, com grande dificuldade motora, a frequentar o currículo comum no ensino básico, beneficiando de algumas medidas do Decreto-Lei n.º3/2008 - apoio pedagógico personalizado, adequações curriculares em algumas disciplinas (EV, ET, EM e EF), adequações no processo de avaliação e tecnologias de apoio.
Ao longo do seu percurso escolar, o grande auxilio de aprendizagem do … foi o Computador, algo que minimiza bastante a minha preocupação na recuperação do ... uma vez que o presente e o futuro está virado para a informatização.
Como o … não consegue escrever com lápis/esferográfica e tem muita dificuldade no manuseamento de livros, quando o … iniciou o primeiro ano do ensino básico, fiz questão de lhe disponibilizar um portátil e logo surgiu um grande problema - não lhe era fornecido qualquer manual em formato digital para ele poder trabalhar. Então a solução que arranjei, foi eu digitar as folhas do manual, transferir a imagem para o word e colocar caixas de texto nas respostas para o …, na aula, poder responder e fazer as ditas fichas à semelhança dos restantes colegas de turma (para perceber melhor envio uns exemplos em anexo).
Neste momento, o meu filho já frequenta o 6º ano e o problema mantém-se, ou seja, não existem manuais digitais apropriados para crianças com as suas necessidades educativas trabalharem no computador, e dando-lhes a possibilidade de realizarem as mesmas tarefas que são propostas pelos professores aos colegas de turma.
Durante o quarto ano do ensino básico e agora no segundo ciclo, tive a felicidade de o meu filho estar a ser acompanhado por excelentes profissionais que se esforçam diariamente para que o meu filho tenha todos os recursos disponíveis.
No final do ano lectivo anterior, a …, professora e directora de turma do meu filho, efectuou o pedido ao ministério da educação de manuais em formato digital. Efectivamente, chegaram os tais manuais, mas infelizmente estão muito aquém das necessidades destas crianças; são simples manuais na versão PDF e muitos destes vêm protegidos. 
A directora de turma já enviou, neste ano letivo, uma mensagem à DGE a expor as dificuldades que estão a ser sentidas com os recursos disponibilizados, e a resposta foi que "os manuais são cedidos pelas próprias editoras escolares em suporte CD ou no caso do Grupo Porto Editora através de links de acesso à plataforma Escola Virtual". Informou ainda a DGE que, a este propósito, contactou o Grupo Porto Editora, solicitando a disponibilização de manuais escolares em formato digital sem estarem encriptados e que a resposta foi que atualmente só tinham esta forma de cederem os manuais escolares por questões que se prendem com "a necessidade de protegerem conteúdos, que são também propriedade dos respetivos autores e com os quais têm compromissos assumidos em termos da sua disponibilização"; que a plataforma Escola Virtual permite a anotação dos conteúdos (notas do estilo "post-it" e que estão a trabalhar esta situação para incluírem a mesma numa futura versão.
Iniciei esta luta com as Editoras há seis anos e, confesso que a certa altura desisti (1.º ciclo, uma professora e poucas áreas disciplinares). Agora que ele está no 2.º ciclo, o número de disciplinas aumentou significativamente e, saber que a utilização de recursos digitais poder ser um facilitador dos processos de ensino e aprendizagem do meu filho e saber que ainda faltam sete anos até que ele termine o ensino secundário, obrigam-me a continuar a lutar. 
A minha grande revolta e grande questão é: Como é que nos dias de hoje não existem manuais escolares digitais, em formato livro, onde se possa escrever de uma forma natural, sublinhar o que o professor achar mais importante na sua aula, etc. etc.?
(…) Tenho tido grandes batalhas neste assunto, todas elas sem sucesso, e estou a ficar sem recursos para solucionar este grande problema que advém dos interesses das editoras/autores.”

Alguém pode ajudar?