sábado, 5 de novembro de 2016

DESCALÇA NA RELVA? Não, tem bichos, ficas doente

Hoje, já no fim da tarde ainda tive tempo para a minha corrida no Parque da Paz, um espaço enorme cheio de relvados e sombras por onde sabe bem andar.
A certa altura passei por um grupo familiar e a minha estonteante velocidade deu para perceber que uma gaiata pequenina vinha descalça ao colo do pai e pedia para que ele a pusesse no chão relvado. Ouvi o pai dizer que não se pode andar descalço, para ela não ser teimosa porque se quis descalçar e agora tinha que ir ao colo. Para convencer a criança, falava-lhe, cito "os bichos que estão no chão, da quantidade doenças que apanharia de andar na relva descalça" e mais que entretanto já não ouvi. Reparei ainda que a criança vinha a comer qualquer coisa que ia retirando de um pacote.
A cena deixou-me a pensar o que ajuda a cumprir o treino. Aquele pai altamente preocupado com os riscos gravíssimos de andar descalço num relvado bem tratado e, habitualmente, sem a visita dos cães, achava, aparentemente, natural a criança comer qualquer coisa hipercalórica certamente muito perto da hora de jantar.
Esta atitude ilustra, de novo, algo que entre nós está muito presente, um aparente discurso de preocupação que, embora se perceba, eu diria excessiva, com muitas das actividades que as crianças podem, eu diria devem, fazer e, ao mesmo tempo, somos frequentemente negligentes com aspectos verdadeiramente graves de que cito como exemplos o enorme número de acidentes domésticos com crianças ou a obesidade infantil que já é um problema sério de saúde pública.
Muitas vezes, estes pais que protegem tanto as crianças dos riscos de andar descalço, por exemplo, estão também entre os que descansam, no seu entendimento, quando as crianças estão "livres de riscos" no quarto, sós, trancadas num ecrã.
Deixem lá os putos andar descalços e rebolar na relva. E já agora juntem-se a eles. Faz bem a todos.

Nota – Este texto foi escrito em 2011. Recordei-o ao ler dois interessantes trabalhos no Observador. Um envolvendo uma entrevista ao pediatra Pedro Oom a propósito do seu novo livro, “Infectário”. O outro, também uma entrevista ao investigador Brett Finlay, co-autor do livro “Deixe-os Comer Terra”. Em ambas as entrevistas se sublinha a importância de repensar a nossa acção educativa muito marcada pela inibição de experiências e actividades importantes a vários níveis para o desenvolvimento e bem-estar das crianças.

1 comentário:

Unknown disse...

Efectivamente é inquietante. Excesso de protecção em alguns aspectos e negligência em outros.
O que entendíamos por brincar está a mudar. E um adulto brincar ao fazer de criança???