quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

AUSTERIDADE NA AUSTERIDADE. Por favor.

De forma curiosa nas referências do discurso político à "austeridade" tem vindo a notar-se uma inflexão interessante, centram-se agora na hipótese de termos mais "austeridade", ou não.
O Presidente da República, na austera gestão das suas intervenções, alerta para que "é impossível impor mais austeridade", enquanto o Primeiro-ministro defende que, "custe o que custar", tem que cumprir os objectivos do negócio com a troika e os objectivos da sua própria política "over troika", como tal, não pode assegurar que não seja necessária mais "austeridade", sendo ainda de esperar o aumento do desemprego, por exemplo.
Para além desta discussão, mais ou menos austeridade, o que nos preocupa seriamente são as condições de vida que muita gente está já a enfrentar, estamos a falar de pessoas, não de políticas, ou melhor estamos a falar do efeito das políticas na vida das pessoas.
Parece de relembrar que um estudo recente da insuspeita Comissão Europeia que analisou a distribuição dos efeitos dos programas de austeridade os países que experimentam maiores dificuldades, Portugal, Grécia, Espanha, Irlanda, Estónia e Reino Unido conclui que Portugal "é o único país com uma distribuição claramente regressiva", traduzindo, os pobres estão a pagar mais do que os ricos quando se aplica a austeridade. Pode ainda ler-se que nos escalões mais pobres, o orçamento de uma família com crianças sofreu um corte de 9%, ao passo que uma família rica nas mesmas condições perdeu 3% do rendimento disponível.
Portugal é ainda de acordo com o estudo o único país analisado em que "a percentagem do corte (devido às medidas de austeridade) é maior nos dois escalões mais pobres da sociedade do que nos restantes". A Grécia, que tem tido repetidos pacotes de austeridade, apresenta uma maior equidade nos sacrifícios implementados.
Este dado parece-me extremamente relevante nesta discussão sobre a eventual necessidade de mais "austeridade" e mostra, de acordo com a percepção comum, que não existe equidade na repartição dos sacrifícios.
Para além de contrariar o discurso oficial de que existe justiça social nas medidas de austeridade, o que a notícia tem de mas preocupante é a constatação de que as políticas assumidas, por escolha de quem decide, estão a aumentar as assimetrias sociais, a produzir mais exclusão e pobreza.
Eu sei, sabemos todos, que a questão da pobreza é um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que perto de dois milhões de portugueses conhecem, exigem uma recentração de prioridades e políticas que não se vislumbra e que este relatório da Comissão Europeia sublinha.
A liderança que transforma é uma liderança com responsabilidade social e com sentido ético.

O PRIMEIRO CIGARRO

A propósito de um texto que há umas horas coloquei no Atenta Inquietude sobre a questão dos consumos entre adolescentes e jovens, veio à memória o meu primeiro cigarro, melhor dizendo, o meu primeiro maço.
Naquela idade em que queremos crescer depressa, para fingir que crescemos adoptamos comportamentos dos mais crescidos, o cigarro era uma das opções de “aceleração” do crescimento.
Dado que o dinheiro não era muito, aproveitei a boleia do meu primo, apenas com uns meses a mais e que também queria ser crescido, para experimentarmos em conjunto.
A experiência, no que respeita aos recursos envolvidos até ficou barata, nós os dois fornecemos a mão-de-obra e a vontade e o meu primo surripiou da loja do pai um maço para o grande evento.
No dia aprazado, o meu primo aparece com um maço, se não me falha a memória, da marca Sintra que tinha uma novidade, filtro de cristais, isso lembro-me bem e dava um ar mais sofisticado à experiência. Tratava-se agora de escolher o palco. Optámos por nos sentarmos debaixo de um damasqueiro numa quinta perto das nossas casas, naquele tempo havia quintas na zona onde morava. E começámos.
Com muita tosse, caretas, falta de jeito, e, finalmente uma dor de cabeça e uma sensação de nauseado que não tinha jeito, quase despachámos o maço e, quase nos despachámos a nós, tal era o mal-estar.
Quando voltámos, meio enjoados e com um fardo enorme aos ombros, vínhamos a pensar que se calhar não sabíamos fumar, porque as pessoas que fumavam pareciam gostar e ficar bem e nós estávamos num estado lastimável.
Na verdade, crescer não é fácil, dá algumas dores e embaraços. Eu que sou um tipo persistente e queria mesmo crescer, aprendi a fumar, sempre tabaco sem filtro e depois o cachimbo, e assim continuei por muitos anos.
Um dia, achei que já não precisava de crescer mais e deixei de fumar. Às vezes ainda tenho saudades.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O CIBERTRÁFICO

O Público de hoje alerta para o aumento preocupante da utilização da net e das redes sociais como suporte à venda de drogas ou medicamentos ilegais, segundo o relatório de 2011 do Organismo Internacional de Controlo de Estupefacientes (OICE). Nada de surpreendente, poderíamos mesmo dizer, sinais dos tempos. Se as redes sociais podem assumir papéis significativos em movimentos sociais e políticos, porque não no tráfico de droga, uma das mais lucrativas actividades dos nossos dias.
Há alguns meses, o Instituto da Droga e da Toxicodependência referia um aumento significativo do consumo de drogas duras por parte dos adolescentes e uma tendência de abaixamento do número global de toxicodependentes. Embora seja de saudar este abaixamento global do número de consumidores é importante estar atento à utilização das drogas duras e das drogas “novas” pelo efeito devastador e, sobretudo, pelo facto do aumento estar a envolver os mais novos. É ainda de considerar o peso que as chamadas “smart drugs”, ao abrigo de algumas ambiguidades legais, também assumem nos consumos dos jovens.
Este quadro torna verdadeiramente necessária uma política de prevenção, tratamento e combate ao tráfico eficaz e, tanto quanto possível, com os recursos adequados.
Há algum tempo foi noticiado que em virtude dos limites orçamentais o Instituto da Droga e da Toxicodependência iria prescindir dos serviços de algumas centenas de técnicos, psicólogos e assistentes sociais, que integravam as unidades de tratamento de proximidade com resultados conhecidos. O IDT procederá ainda ao encerramento de unidades de atendimento ao nível concelhio em vários locais do país levando os especialistas a referir as consequências negativas de tal decisão.
Existem áreas de problemas que afectam as comunidades em que os custos da intervenção são claramente sustentados pelas consequências da não intervenção, ou seja, não intervir ou intervir mal é sempre bastante mais caro que a intervenção correcta em tempo oportuno. A toxicodependência e o consumo do álcool são exemplos dessas áreas.
Quadros de dependência não tratados desenvolvem-se habitualmente, embora possam verificar-se excepções, numa espiral de consumo que exigem cada vez mais meios e promove mais dependência. Este trajecto potencia comportamentos de delinquência, alimenta o tráfico, reflecte-se nas estruturas familiares e de vizinhança, inibe desempenho profissional, promove exclusão e “guetização”. Este cenário implica por sua vez custos sociais altíssimos, persistentes e difíceis de contabilizar.
Os consumos por parte dos adolescentes e jovens podem relacionar-se com alguma negligência paternal mas, na maioria dos casos, trata-se de pais, que sabem o que se passa, “apenas fingem” não perceber, desejando que o tempo “cure” porque se sentem tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão. De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles, justificando-se a criação de programas destinados a pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo.
Costumo dizer em muitas ocasiões que se cuidar é caro, façam as contas aos resultados do descuidar.

O TIO ALBERTO JOÃO É UM BRINCALHÃO

Num dia pouco dado a notícias relevantes, a “avaliação positiva” da troika é uma banalidade, os bons alunos têm em regra notas positivas e Passos Coelho é obviamente um bom aluno pelo que os Mestres de Bruxelas e Berlim lhe atribuíram boa nota, a grande e inesperada notícia chegou da Madeira.
O Dr. Alberto João gastou quase o dobro do que tinha previsto com os festejos carnavalescos. É mesmo verdade, podem fechar a boca, contra tudo o que é hábito e prática do Governo Regional, gastaram um bocadinho a mais. Como se o espanto não fosse suficiente, ao que parece, boa parte deste dinheiro foi gasto através de ajuste directo. Nisto é mesmo difícil acreditar, mas, diz o povo, no melhor pano cai a nódoa, nem estou em mim, ajuste directo em negócios na Madeira. Eu não acredito.
Do meu ponto de vista estas calúnias, só pode mesmo tratar-se de calúnias, devem ter origem na Alemanha, uma vez que, vá lá saber-se porquê, a Senhora Merkel terá desencadeado uma campanha ignominiosa e injusta contra o trabalho sério que a liderança do Dr. Alberto João tem desenvolvido na Madeira.
Evidentemente que não tendo nada a ver com isto, também ficámos a saber que Alberto João é o mandatário de Passos Coelho no processo de recandidatura à liderança do PSD.
É a política, estúpido. Além da economia, é claro.

PASSANDO MAL ... NÃO SE APRENDE

Lamento, não quero perturbar o desassossegado sossego de ninguém, mas não posso deixar de retomar algumas notas a propósito do Relatório da UNICEF, Situação Mundial da Infância 2012: Crianças no Mundo Urbano”, hoje divulgado e que alerta para o risco de pobreza que afecta milhões de crianças em todo o mundo especialmente nos meios urbanos.
No que respeita à situação em Portugal, há algum tempo, um estudo do ISEG apontava para que cerca de 40% das crianças e adolescentes vivessem em situação de pobreza, sendo que esse quadro de privação afecta sobretudo os padrões e a qualidade da alimentação. O estudo sublinhava também, entre ouros indicadores, que o grupo etário 0-17 anos é o mais vulnerável ao risco de pobreza tendo ultrapassado o dos mais velhos.
As perspectivas para o futuro próximo não parecem particularmente animadoras. Sabemos que estamos num período económico recessivo, sem criação de riqueza e que devido aos baixos salários, continuamos um dos países mais assimétricos da Europa pelo que ter trabalho não chega para fugir ao risco de pobreza. Por outro lado, relembro um estudo de há uns meses realizado pelo I junto das autarquias dos distritos de Lisboa, Porto, Setúbal, Coimbra e Faro que revelou que quase metade dos alunos da educação pré-escolar e do 1º ciclo recebe apoios sociais sendo que em alguns concelhos a percentagem de crianças carenciadas atinge os 65%, número verdadeiramente impressionante. Acresce que em muitos concelhos a maioria das crianças apoiadas integram o escalão A dos apoios, o que se destina aos agregados com rendimentos mas baixos.
Sabemos de iniciativas como a de estabelecer a obrigatoriedade de providenciar pequeno-almoço às crianças nas escolas, a abertura das cantinas escolares no período de férias, o alargamento do número de cantinas sociais ou da resposta nas instituições de solidariedade social.
Estes indicadores sobre as dificuldades que afectam a população mais nova são algo de assustador. Esta realidade não pode deixar de colocar um fortíssimo risco no que respeita ao desenvolvimento e sucesso educativo destes miúdos e adolescentes e portanto, à construção de projectos de vida bem sucedidos. Como é óbvio, em situações limite como a carência alimentar, estaremos certamente em presença de outras dimensões de vulnerabilidade que concorrerão para futuros preocupantes.
É por questões desta natureza que a contenção das despesas do estado, imprescindível, como sabemos, deveria ser feita com critérios de natureza sectorial e não de uma forma cega e apressada, naturalmente mais fácil mas que, entre outras consequências, poderá empurrar milhares de crianças para situações de fragilidade e risco com implicações muito sérias.
Relembro a história que já aqui contei e que me aconteceu há uns anos em Inhambane, Moçambique, quando ao passar por uma escola para gaiatos pequenos o Velho Bata me dizer que se mandasse traria um camião de batata-doce para aquela escola. Perante a minha estranheza explicou que aqueles miúdos teriam de comer até se rir, “só aprende quem se ri”, rematou o Velho Bata.
Pois é Velho, putos com fome não aprendem e vão continuar pobres.

OS CAMINHOS DO ENSINO SUPERIOR

O Ensino Superior em Portugal atravessa um período complexo e a exigir reflexão profunda sobre os caminhos a percorrer. Num quadro de dificuldades e restrições orçamentais que atravessamos e a que o ensino superior não fica imune, mais imperiosa se torna essa reflexão. Há algum tempo, o Conselho de Reitores, tal como os presidentes dos Institutos Politécnicos, manifestavam a sua enorme preocupação com os riscos de degradação quer do ensino, quer da investigação que o abaixamento do financiamento implicará, como, aliás, notícias recentes sobre o Instituto Superior Técnico referiam.
Como de há muito afirmo e muitas vozes se ouvem nesse sentido, para além da importante questão imediata dos cortes orçamentais para 2012, a questão estrutural remete para o sobredimensionamento da rede de ensino superior em Portugal.
O Professor António Nóvoa, reitor da U. de Lisboa, tem vindo a afirmar a imperiosa necessidade de racionalizar a rede, "Portugal não deveria termais do que sete ou oito universidades públicas. E estou a ser benevolente" afirmou. Neste quadro assume relevância a notícia hoje divulgada no Público sobre o processo de fusão entre a Universidade Clássica de Lisboa e a Universidade Técnica.
O ensino superior em Portugal é, como muitíssimas outras áreas, vítima de equívocos e de decisões políticas nem sempre claras. Uma das grandes dificuldades que enfrenta prende-se com a demissão durante muito tempo de uma função reguladora da tutela que, sem ferir a autonomia universitária, deveria minimizar o completo enviesamento da oferta, pública e privada, que se verifica, um país com a nossa dimensão são suporta tantos estabelecimentos de ensino superior, sobretudo, se atentarmos na qualidade. As regiões e autarquias reclamam ensino superior com a maior das ligeirezas. Durante algum tempo a pressão vinda da procura e a incapacidade de resposta do subsistema de ensino superior público associada à demissão da tutela da sua função reguladora, promoveu o crescimento exponencial do ensino superior com situações que, frequentemente, parecem incompreensíveis à luz de um mínimo de racionalidade e qualidade. Portugal contará com cerca de 160 instituições de ensino superior, como indicador relativo temos um rácio de 17,4 estabelecimentos por milhão de habitantes, enquanto a Espanha apresenta 7,4 um dado extraordinário.
Nesta matéria, a qualidade e o redimensionamento da rede, espera-se que o processo em curso de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior se revele um forte incentivo, seja eficaz e não desenvolvido de uma forma cega. Existem cursos que apesar de alguma menor empregabilidade se inscrevem em áreas científicas de que não podemos prescindir com o fundamento exclusivo no mercado de emprego. Podemos dar como exemplo formações na área da filosofia ou nichos de investigação que são imprescindíveis num tecido universitário moderno. Será também importante que o processo permita desenvolver e incentive modelos de cooperação, universitário e politécnico, público e privado, que potencie sinergias, investimentos e massa crítica de que o processo de fusão entre a Clássica de Lisboa e a Técnica pode constituir um exemplo que se deseja bem sucedido.
O enviesamento da oferta de que acima falava, alimenta a formação em áreas menos necessárias e não promove a formação em áreas carenciadas. Tal facto, conjugado com o baixo nível de desenvolvimento do país e com uma opinião publicada pouco cuidadosa na informação, leva a que se tenha instalado o equívoco dos licenciados a mais e destinados ao desemprego, quando continuamos a ser um dos países da UE com menos licenciados, já o disse aqui muitas vezes.

AS TURMAS. Outro diálogo improvável

Então Maria, que tal vai o trabalho?
Cansativo para não variar, sabes como é, nesta altura e até à Páscoa não é fácil. Mas está correr bem, estou contente com isso, pelo menos que os miúdos aprendam, então o 8º B está mesmo bem.
Também ouvi o Mário, o colega de Matemática, referir isso.
É verdade. Bom, mas olha que nos fica caro, horas de preparação, sempre à procura do que os possa motivar, atenção a todos, muita conversa sobre as dificuldades, às vezes até o intervalo temos que usar, sempre a contactar com a família, é forte. Mas tu ontem estavas a queixar-te do 9º A, não era Júlia?
Nem me fales, não está a correr nada bem.
Porquê?
Olha, parece que foram escolhidos a dedo, não se interessam nem um bocadinho, famílias que não estão para se incomodar com a escola, miúdos sem hábitos de trabalho, mal preparados, não adianta nada do que fazemos. Nada dá resultado.
...
O Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, estava a ouvir aquelas colegas, com um sorriso nos lábios e a pensar como é tão curiosa, interessante e fácil a forma como nos "culpamos" pelos nossos sucessos e nos (des)"culpamos" pelas nossas dificuldades ou insucessos.
Acontece a todos.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O AMARELO NA BARRAGEM, UM ERRO DE "CASTING"

Desde sempre que a produção artística, seja em que área for, desencadeia reacções de natureza diferente, gosta-se, suporta-se, ama-se ou odeia-se. Nada de novo, sempre assim foi, sempre assim será.
Raras são as obras e os autores que, como diria Camões, se libertam da lei da morte e atingem a unanimidade. Talvez Camões seja mesmo um bom exemplo disso mesmo.
Vem esta introdução a propósito da reportagem do Público sobre o trabalho artístico de Cabrita Reis no paredão e muros de suporte da Barragem da Bemposta no Douro Internacional. A obra em tons de amarelo desperta, evidentemente, variadas apreciações que vão do extremo negativo ao extremo positivo.
Não vale a pena a discussão em torno do valor artístico e da valorização estética da obra, cada cabeça sua sentença, como diz o povo. A questão é de outra natureza e que a reportagem também foca, o contexto paisagístico em que está inserida.
A barragem foi construída em zona de paisagem protegida do Douro Internacional. Ceio que a definição de uma determinada região como paisagem protegida, significa isso mesmo, proteger a paisagem. Não que ela fique imutável, o homem não resiste facilmente, mas que seja protegida no sentido de manter a suas características distintivas e que são, obviamente, a razão da sua protecção.
Ao observarmos as fotografias da Barragem que estão acessíveis, parece claro que aquele amarelo será um manifesto erro de "casting", não porque seja feio ou bonito, apenas porque não é dali.
E não sendo dali, não devia estar lá. Para proteger a paisagem

O FUTURO DOS JORNAIS

O Público de hoje traz, através da opinião de Pacheco Pereira, para a agenda a questão recorrente do futuro dos jornais em papel. Pacheco Pereira sustenta que o futuro mais imediato passará por uma bi-direccionalidade do trabalho dos jornais. Uma redacção on-line dirigida para o imediatismo, a notícia na hora, e uma redacção dirigida para a edição em papel com outro nível de abordagem e tratamento dos assuntos, mais mediata e aprofundada.
Enquanto leitor creio que Pacheco Pereira em razão. Os jornais em papel têm do meu ponto de vista, uma função, não completamente substituída pela imprensa on-line desde que assuma critérios de qualidade e linhas editoriais transparentes. Aliás, numa entrevista ao Público de há algum tempo, um especialista, Tom Rosenstiel afirmava que se o jornalismo, (os jornais), deixar de ser rentável e, como tal, corra o risco de desaparecimento, as democracias poderão sofrer um "cataclismo cívico".
Creio que a cidadania de qualidade exige uma imprensa não só voltada para o imediatismo da espuma dos dias e, sou um optimista, acredito que apesar das mudanças em tecnologia e das incidências do mercado a que os jornalistas e os jornais deverão adaptar-se, os jornais em papel são como os dias, nunca acabam. Se forem jornais, bons jornais. Quando escrevo sobre estas matérias recordo-me sempre de jornais e jornalistas que me têm acompanhado ao longo da vida e que me fazem manter leitor diário de jornais em papel. É que, apesar de também consumir informação noutros suportes, não é a mesma coisa.
Sem a preocupação de ser exaustivo ou seguir qualquer ordem que não seja a memória, algumas referências que estão dentro da minha mochila.
Quando era miúdo aguardava com a maior das ansiedades que o meu pai chegasse do trabalho no Arsenal do Alfeite para trazer a Bola já lida por muitas mãos e onde se "aprendia" a ler com o Vítor Santos ou o Aurélio Márcio.
Lembro-me como a adolescência e juventude ficaram ligadas a títulos como o Comércio do Funchal com Vicente Jorge Silva, o Jornal do Fundão com o António Paulouro ou o Notícias da Amadora, janelas, frestas, por onde se espreitava a realidade um regime espesso e fechado teimava em esconder e censurar.
Recordo com saudade o Diário de Lisboa com o suplemento A Mosca com Luís Sttau Monteiro ou as ilustrações do Abel Manta ou o Diário Popular com o Baptista Bastos que ainda anda por aí. A circunspecção formal e competente do Diário de Notícias com Mário Mesquita e o outro Mário, o Bettencourt Resendes ou a inovação e agitação trazida pelo Independente de Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas. Não esqueço a abertura possível verificada com a "ala liberal" de Pinto Balsemão ou Sá Carneiro ligada ao Expresso que mexeu seriamente com o jornalismo em Portugal. Relembro o espaço que o Jornal de Letras veio ocupar com José Carlos Vasconcelos.
Finalmente, o registo do aparecimento do Público, um companheiro com quem me zango tantas vezes mas que continua a entrar diariamente cá em casa na versão papel.
Pois é, os jornais são como os dias, nunca acabam. Enquanto se fizer jornalismo, a sério.

AS FONTES DE AUTORIDADE

Nas relações que estabelecemos, a forma como a autoridade, característica natural ou formal de muitas dessas relações, é afirmada ou percebida muitas vezes a partir de alguns equívocos que me deixam sempre curioso e dão origem a episódios interessantes. Vejamos alguns exemplos sem qualquer preocupação de ordenação.
Uma das formas mais frequentes de afirmar autoridade ou, pelo contrário, retirar autoridade a alguém é a referência ao "terreno". São múltiplos os enunciados, "não conhece o terreno", "não anda no terreno", "nós conhecemos o terreno", "se vier ao terreno percebe", etc. A referência ao "terreno" seja lá isso o que for, define conclusivamente onde está a autoridade.
Também é muito interessante habitual o uso da experiência, ou a variante idade, como afirmação definitiva de autoridade. Deste entendimento decorrem discursos como, "quando tiveres mais experiência já não vês assim", "ainda és muito novo, tens muito que aprender", "na tua idade também era assim mas evoluí", "já ando nisto há imenso tempo", etc. Está por provar que fazer durante largos anos o mesmo conjunto de asneiras confira autoridade mas que se acredita, acredita.
Acho particularmente interessante a valorização da prática como fonte de autoridade oposta à teoria de quem estudou. "Isso é na teoria, na prática não é assim", "na prática é que se aprende, não é nos livros", "é tudo teóricos não percebem nada", etc., são bons exemplos desta autoridade conquistada por quem pratica e não perde tempo a estudar.
Uma referencia final à mais usada e frequente fonte de autoridade, a indefinível autoridade moral. Com a maior das facilidades, uma experiência de vida, um convicção política, uma crença religiosa, um conjunto de opções em matéria de valores de diferente natureza, servem de sustento para as definitivas "eu tenho autoridade para ...", "estou à vontade para defender isto porque eu próprio ..." ou, na formulação mais livre, o recurso à fórmula "é assim ..." e encerra-se a conversa.
É sempre uma experiência interessante e divertida, às vezes, passar por situações onde as ideias e a sua troca são envolvidas nestas fontes de autoridade.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

SER VELHO OU SOFRER DE VELHICE

A propósito da abertura oficial do Ano Europeu do Envelhecimento Activo (!), a coordenadora nacional da iniciativa tece, no Público, algumas considerações sobre as condições de vida dos mais velhos, afirmando que o modelo de sociedade consumista relegou os “mais frágeis”, como os idosos, para segundo plano, causando situações de abandono que são “intoleráveis”.
De facto, a nossa população mais velha vive de uma forma genérica em condições muito precárias como também sabemos que a população mais jovem é a mais exposta ao risco de pobreza para além dos velhos.
Os mais velhos começam por ser desconsiderados pelo sistema de segurança social que com pensões miseráveis, transforma os velhos em pobres, dependentes e envolvidos numa luta diária pela sobrevivência. Continua com um sistema de saúde que deixa muitos milhares de velhos dependentes de medicação e apoio sem médico de família. Em muitas circunstâncias, as famílias, seja pelos valores, seja pelas suas próprias dificuldades, não se constituem como um porto de abrigo, sendo parte significativa do problema e não da solução, produzindo cada vez mais situações de solidão e isolamento entre os velhos, com consequências que têm feito manchetes, muitos velhos morrem de sozinhismo, de solidão. Estão em extinção as relações de vizinhança e a vivência comunitária, fontes privilegiadas de protecção dos mais velhos.
Segundo o INE e reportando-se a 2009 a taxa de risco de pobreza em Portugal continua alta, tendo subido na população idosa, 20.1 % deste grupo etário vive esta situação. Se considerarmos os efeitos conjugados das dificuldades económicas e dos cortes em políticas sociais de 2010 e 2011, esta taxa tenderá seguramente a subir.
É também pertinente relembrar que dados do Eurobarómetro sobre os impactos sociais da crise, mostravam em Junho de 2010 que os portugueses tinham como preocupação fundamental a pobreza, 91% dos inquiridos, e a velhice, 69% dos inquiridos. Dados agora recolhidos acentuariam certamente a preocupação.
Se olharmos para conjunto de dados que vão sendo disponibilizados, verifica-se que as condições estruturais se mantêm sem alterações, estamos na mesma posição de pobreza há vários anos e, por outro lado, as condições conjunturais, a crise, acentuam a preocupação com a pobreza e com a velhice o que define um cenário altamente inquietante em termos de confiança no futuro e na desejada e necessária qualidade de vida.
Lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.
Não é um fim bonito para nenhuma narrativa.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES. Curso de defesa pessoal

No Público encontramos algo de muito interessante e que constitui um exemplo significativo do clima que se instalou nas escolas reflectindo, evidentemente, o clima social dos tempos que vivemos. Uma empresa do Porto criou um curso de defesa pessoal para professores e noticia-se a primeira edição, estando previstas novas acções e extensivas a outros destinatários.
Apesar de com alguma frequência aqui referir esta questão, a violência escolar, não posso deixar de retomar algumas notas.
Os comportamentos agressivos em contexto escolar são tão antigos quanto a instituição escola, sendo certo que os estudos destes fenómenos são mais recentes e também mais objecto de referências fora dos contextos educativos dado o volume e a gravidade de algumas situações, bem como a divulgação dos estudos e a fortíssima mediatização dos episódios ocorridos.
Centrando-me mais nos comportamentos agressivos direccionados a professores, de há muito que considero que os discursos, quando não os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores incluindo parte do discurso de responsáveis da tutela, algum do discurso produzido pelos próprios representantes dos professores e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para uma desvalorização significativa da imagem social dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, designadamente de alunos e pais.
Esta fragilização, para além das alterações nos modelos que regulas as interacções sociais, tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais, sobretudo porque mina a atribuição de autoridade cuja reconstrução não passará, creio, pelo domínio de artes marciais ou, porque não, o uso de arma.
Um professor ganha tanta mais autoridade quanto mais competente e apoiado se sentir. É também importante reajustar a formação de professores. As escolas de formação de professores não podem “ensinar” só o que sabem ensinar, mas o que é necessário ser aprendido pelos novos professores e pelos professores em serviço. Problemas "novos" carecem também de abordagens "novas".
As escolas devem poder usar a sua autonomia para desenvolver dispositivos de apoio, por exemplo, a existência de outros técnicos e a utilização regular de dois professores em sala de aula. Não é necessário aumentar o número de professores, é imprescindível que os recursos sejam geridos de outra maneira.
Escolas organizadas, com cultura institucional sólida traduzida na adequação e consistência dos seus projectos educativos e com lideranças eficazes são mais organizadoras dos comportamentos de quem nelas habita, como qualquer outra organização.
Os discursos demagógicos e populistas, ainda que bem intencionados, não são um bom serviço à minimização destes incidentes que minam a qualidade cívica da nossa vida.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

OS TRABALHOS DAS MULHERES

O Governo vai determinar que as empresas públicas ou do sector empresarial do Estado, tenham mulheres na composição dos seus conselhos de administração e de fiscalização, embora não estipule quotas. A presença de mulheres em funções de topo não ultrapassará, actualmente, os 30%.
É importante e de sublinhar a preocupação do Governo com a igualdade de oportunidades e com a discriminação em função do género. Assim, justamente, aos “jobs for the boys” teremos de acrescentar os “jobs for the girls”.
No entanto, neste contexto, a condição da mulher na nossa sociedade, algumas notas retomadas de outras ocasiões.
 Um estudo da CGTP divulgado há algum tempo, elaborado a partir dos dados do INE, que as mulheres portuguesas recebem, em média, menos 18 % de salário que os homens, cerca de 181 €. Segundo o Relatório Society at a Glance 2011 da OCDE, Portugal é o quarto país dos 29 considerados com maior diferença entre homens e mulheres, no que se refere a trabalho não pago, sobretudo a tão portuguesa “lida da casa”, cozinhar, limpar, cuidar dos filhos, etc. Entre nós a diferença é de quase quatro horas.
No mesmo sentido, um trabalho também realizado pela CGTP com dados do INE e do Ministério do Trabalho, informava que as mulheres portuguesas trabalham em média 39 horas semanais e realizam mais 16 horas de trabalho não remunerado relacionado com a família e um trabalho internacional revelava que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa. Existem ainda indicadores sustentando que as mulheres portuguesas são, de entre as europeias, as que mais valorizam a carreira profissional e a família, a maternidade.
Para além dos baixos salários e da discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo, também a regulação da legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc. Pode também referir-se que apesar das alterações legislativas o uso partilhado da licença por nascimento de filhos ainda é significativamente baixo.
Importa, evidentemente, combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
É verdade que nas situações de topo a igualdade de oportunidades e não discriminação de género são importantes, mas noutros patamares e circunstâncias a situação é, creio, bem mais séria.

PRECÁRIA DE VIDA

O DN coloca em primeira página que, dados de 2011, um em cada 40 jovens ganha menos de 900 €. Ficamos também a saber que 7,9% trabalha a recibo verde e 55 % tem uma relação laboral precária.
É também conhecido que o desemprego jovem atingiu recentemente o dramático valor de 35%, a terceira taxa mais alta da UE.
Na mesma linha, há poucas semanas noticiava-se o aumento de 6,7% do número de desempregados registados nos Centros de Emprego face a Novembro de 2010. Entre os mais jovens este aumento foi mais significativo, 10,5.
Segundo dados do INE de há meses, 314 000 jovens não estudam nem trabalham, a designada situação “nem nem”. Estes números, atendendo à dimensão do país são absolutamente dramáticos.
A precariedade nas relações laborais quase duplicou na última década. Portugal é o segundo país da Europa, a seguir à Polónia, com maior nível de contratos a prazo. Por outro lado, as políticas de emprego anunciadas incluem a maior flexibilização das relações laborais o que, naturalmente, é coerente com os ventos neo-liberais e o endeusamento do mercado que tudo permite, incluindo roubar a dignidade às pessoas e promover exclusão.
Deste cenário e dos números do desemprego, resulta que os mais novos à entrada no mercado de trabalho são os mais vulneráveis ao desemprego e à precariedade quando, apesar das dificuldades, acedem a algum emprego. Este quadro, curiosamente, afecta a mais qualificada jovem de sempre.
Esta situação complexa e de difícil ultrapassagem tem, obviamente, sérias repercussões nos projectos de vida das gerações que estão a bater à porta da vida activa. Entre outras, contar-se-ão, os indicadores mostram-no, o retardar da saída de casa dos pais por dificuldade no acesso a condições de aquisição ou aluguer de habitação própria ou o adiar de projectos de paternidade e maternidade que por sua vez se repercutem no inverno demográfico que atravessamos e que é uma forte preocupação no que respeita à sustentabilidade dos sistemas sociais.
As gerações mais novas que experimentam enormes dificuldades na entrada sustentada na vida activa, vão também, muito provavelmente, conhecer sérias dificuldades no fim da sua carreira profissional.
No entanto, um efeito muito significativo mas menos tangível desta precariedade no emprego, é a promoção de uma dimensão psicológica de precariedade face à própria vida no seu todo e que, com alguma frequência, os discursos das lideranças políticas acentuam. Dito de outra maneira, pode instalar-se, está a instalar-se, uma desesperança que desmotiva e faz desistir da luta por um projecto de vida de que se não vislumbra saída motivadora e que recompense. Podemos estar perante as gerações perdidas de que há algum tempo se falava.

UM HOMEM FELIZ

Era uma vez um homem, chamava-se Feliz. Não havia hora ou circunstância em que não tivesse um sorriso no rosto. Mostrava, invariavelmente, um ar de boa disposição. Tornou-se extremamente popular entre as pessoas.
Por vezes, quem o conhecia melhor julgava perceber uma sombra de tristeza no olhar. Mas era coisa que rapidamente desaparecia e não chegava para tirar o sorriso da cara do Feliz.
É certo que, de quando em quando, algumas pessoas se sentiam incomodadas com aquele ar de permanente felicidade que lhes lembrava, por oposição, os seus momentos de tristeza. Mas a tudo, o Feliz parecia imune e mantinha-se sempre com o seu imperturbável sorriso nos lábios.
Um dia deixou de aparecer sem que alguém soubesse o motivo. Uma das pessoas, sabendo onde ele morava, tentou saber notícias.
Um vizinho informou. Tinham assaltado o Feliz e roubaram-lhe as máscaras.
Desde então, recusa-se a sair de casa. Não sabe como encarar o mundo.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

DOIS PAIS, DUAS MÃES

O Parlamento chumbou sem surpresa a possibilidade legal de adopção por casais do mesmo sexo. Para além da hipocrisia e calculismo político-partidário de algumas posições das diferentes bancadas, algumas notas sobre a essência, a homoparentalidade.
A questão da adopção por parte de casais homossexuais é, na maior parte das vezes, dirimida mais em torno dos valores que da racionalidade da argumentação. Sem querer, nem sequer consigo, trazer nada de novo para a discussão, apenas umas notas.
As três grandes preocupações ou obstáculos mais frequentemente aduzidas para impedir a adopção por casais homossexuais são a eventual dificuldade da criança em lidar com a sua orientação sexual, a vulnerabilidade psicológica e problemas de comportamento e o risco de discriminação nos contextos escolares. Como foi afirmado há algum tempo numa conferência realizada em Lisboa sobre a homoparentalidade, uma revisão exaustiva de estudos sobre estas questões realizada pela Associação Americana de Psicologia não confirmou nenhuma destas preocupações o que também transparece em alguns testemunhos expressos num trabalho que o Público realizou na altura.
Neste sentido, podemos também lembrar que a maioria das pessoas homossexuais terão sido educadas em famílias heterossexuais, que existem crianças com sérios problemas emocionais e vulnerabilidade psicológica a viverem situações familiares heterossexuais e, finalmente, que existem múltiplos casos de crianças discriminadas em contexto escolar o que não nos faz retirar de lá as crianças mas, pelo contrário, combater a discriminação.
Do meu ponto de vista e de uma forma propositadamente simplista, a questão central é o que faz mal às crianças é serem maltratadas e os maus tratos não decorrem do tipo de famílias mas do tipo e competência dos pais. Quando as crianças são bem tratadas e crescem com adultos que gostam delas, as protegem e as ajudam a crescer elas encontram caminhos para lidar com dois pais ou com duas mães.
O que as crianças quase sempre não sabem como resolver é quando têm por perto adultos, heterossexuais, que não gostam delas, que as maltratam, negligenciam, abandonam, etc. Isso é que faz mal às crianças.
O resto é uma discussão não conclusiva, assente em valores de que não discuto a legitimidade, mas que não podem ser confundidos com um discurso de defesa das crianças de males que estão por provar.
É mais importante defendê-las dos males comprovados e que todos os dias desfilam aos nossos olhos.

MULTAS EM PROMOÇÃO

No Público lê-se que a receita advinda das multas de trânsito subiu em 2011 cerca de 80% relativamente a 2010, de 47,7 milhões de euros para 85,3 milhões. É obra.
Na verdade este resultado vem mostrar que temos áreas de excelência em termos de produtividade. No contexto europeu devemos ter umas das melhores performances na infracção às regras de trânsito o que, evidentemente, é um contributo importante para os cofres do estado.
No entanto, dadas as circunstâncias muito particulares que atravessamos e no nível já elevadíssimo das nossas contribuições, por assim dizer, para o estado creio que vale a pena pensar numa ideia da Câmara do Porto divulgada no final do ano passado no sentido de oferecer descontos a quem pagar multas nos primeiros dias a seguir à sua aplicação. Esta oferta incidiria apenas sobre alguns tipos de multa, de trânsito, apesar de ser inovadora, já estava prevista na regulamentação.
Esta excelente ideia inscreve-se na lógica bem presente nos nossos dias de seduzir o consumidor com campanhas e ofertas que, frequentemente, nos deixam intoxicados e com dificuldade em decidir tal o volume, a diversidade e as múltiplas áreas em que se desenvolvem.
Esta será uma estratégia a seguir com atenção. Na linha do que costuma acontecer seguir-se-á a criação pelos municípios de um Cartão Cliente de Autuado Municipal em que os pontos se acumularão proporcionando novos descontos. Este cartão juntar-se-á às dezenas de outros com que atafulhamos as carteiras. Poderá até acontecer que numa perspectiva de estímulo ao comércio tradicional se definam multas mais baixas épocas festivas.
Para os maiores utilizadores, os mais produtivos nas infracções, é sempre interessante e importante distinguir os bons clientes, poderia ser criado um Cartão Gold com vantagens acrescidas, por exemplo, abrangendo diferentes viaturas. Claro que para as empresas seria sempre possível a existência de um Cartão Frota que agilize e baixe os encargos com as multas, facilitando, assim, as cargas e descargas a qualquer hora do dia em ruas com imenso tráfego.
Com a relação que nós portugueses temos com o cumprimento das regras de trânsito, designadamente ao nível do estacionamento, e com a adesão que normalmente mostramos a campanhas e promoções, esta iniciativa estaria naturalmente destinada o sucesso.

O ESPECIAL ENSINO ESPECIAL DOS MIÚDOS ESPECIAIS

Um dia comprido apenas me deixou ler há minutos a edição em papel do Público de hoje, onde encontrei uma referência a um Relatório da Inspecção-Geral da Educação sobre a área designada como Ensino Especial e centrada no ano 2010/2011. Da avaliação realizada releva falta de formação específica para a resposta às necessidades dos miúdos com necessidades especiais, falta de técnicos, designadamente psicólogos, e indefinição ou ausência de estratégias relativas à educação deste grupo de alunos.
Lamentavelmente nada de novo e de diferente relativamente ao que aqui regularmente afirmo e que retomo.
As crianças com necessidades educativas especiais, as suas famílias e os professores e técnicos, especializados ou do ensino regular sabem, sobretudo sentem, um conjunto enorme de dificuldades para, no fundo, garantir não mais do que algo básico e garantido constitucionalmente, o direito à educação e tanto quanto possível, junto das crianças da mesma faixa etária. É assim que as comunidades estão organizadas, não representa nada de extraordinário e muito menos um privilégio.
Sei que com base num incompetente normativo que carece de urgente revisão, o lamentável Decreto-Lei 3/2008, temos milhares de crianças com necessidades de apoio educativo e que estão abandonadas e "entregadas" em vez de integradas, pese o empenho de muitos profissionais dedicados. Este cenário acontece muito por força do que o Relatório da IGE aponta, falta de formação, de recursos e de estratégias concertadas e consistentes de acolhimento das diferenças dos miúdos diferentes, mais diferentes.
Sei também que esta legislação inibe, em muitas circunstâncias, a prestação de apoios a crianças que deles necessitam, quer por via da gestão de recursos impondo taxas de prevalência de problemas fixadas administrativamente e sem qualquer correspondência com a realidade quer pelos modelos de organização de respostas que impõe.
Sei ainda que a prestação de serviços educativos, na área da psicologia por exemplo, em "outsourcing" é um serviço assente num enorme equívoco e que agora com os cortes orçamentais se perceberá melhor o logro criado junto das instituições privadas que intervinham na área da educação especial.
Como é evidente, sei finalmente que em situações de dificuldade económica, as minorias, são sempre mais vulneráveis, falta-lhes voz.
Como sempre afirmo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como cuidam das minorias.
Lamentavelmente, estamos num tempo em que desenvolvimento se confunde com mercados bem sucedidos.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

FORMAÇÃO CÍVICA. Sim porque ...

O Conselho Nacional de Educação sustenta em parecer emitido no âmbito da discussão pública sobre a revisão curricular, a necessidade de existência de um espaço curricular direccionado para a Formação Cívica o que contraria a intenção de Governo que pretende retirar este conteúdo da organização curricular.
Concordo com o Parecer do CNE porque: 

E como vos estava a dizer, quando se estabelecem as regras para organizar a vida das pessoas, define-se também o que deve acontecer quando as regras não são cumpridas. Já todos devem ter ouvido falar de multas. Quando alguém faz qualquer coisa que não deve, pode ter que pagar uma multa, uma quantidade de dinheiro, para compensar o que fez de mal e lembrar-se que não deve voltar a fazer.
Professora, o meu pai diz que as multas não são para pagar, que só as pessoas totós é que pagam multas.
Professora, o meu pai diz que quando o querem multar ele inventa umas histórias para os polícias desculparem a multa.
Professora, o meu pai diz que o dinheiro das multas é para os polícias e que por isso não paga as multas, os polícias que trabalhem como ele.
Professora, o meu pai diz que eles multam por tudo e por nada, por isso é demais, e não paga as multas.
Professora, o meu pai também diz que não paga multas, que não acontece nada porque são muitas e os polícias esquecem-se.
Professora, no outro dia quando fomos ver a minha avó e voltámos para o carro estava uma multa no vidro. O meu pai riu-se e rasgou-a, diz que não se importa com multas.
Bom chega, vamos voltar ao que estávamos a falar. Em muitos aspectos da nossa vida temos regras e leis que é preciso cumprir para que tudo corra bem. Tenho a certeza de que os vossos pais também vos dizem o mesmo.
Pois dizem.
Respondeu o grupo em simultâneo. 

OS CRIMES REVISTOS EM BAIXA

Estamos a 23 de Fevereiro de 2012. Em resposta aos recursos interpostos pelos envolvidos no chamado Processo Casa Pia, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou a nulidade do acórdão de condenação em parte dos crimes atribuídos pelo que, são entendidos como nulos, devendo, portanto, realizar-se novo julgamento.
Parece de recordar que o julgamento deste processo teve início em 25 de Novembro de 2004, repito, em 25 de Novembro de 2004.
É também seguro, estamos em Portugal, que a decisão final e o encerramento definitivo deste processo estarão longe. É certo que ainda só passaram oito anos.
Não conheço, mais do que o cidadão normal conhecerá, os meandros do processo que como é hábito se transformou num enleio, como se diz no Alentejo. No entanto, parece claro que se verificaram abusos sobre alunos da Casa Pia o que configura crime. Havendo crime temos vítimas e criminosos.
Nesse pressuposto, espera-se que de forma célere e eficaz cumpra a sua função.
O enredo a que estamos a assistir, independentemente da sua fundamentação jurídica, em Portugal a lei é um amontoado de alçapões e manhas muito úteis a quem deles se saiba servir, tem um efeito devastador sobre a percepção de justiça e a confiança no sistema.
Se os miúdos não têm queixado, armados em piegas, nada disto se verificava. Assim, ainda vão ser acusados de assédio.

OS NÓS E OS LAÇOS DA VIDA DOS MIÚDOS

No DN de hoje refere-se um estudo realizado pela Universidade do Minho cujos resultados apontam no sentido de que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.
A conclusão não questiona a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos.
Apesar de alguma evolução, ainda temos um número de crianças institucionalizadas, muitas das quais sem projectos de vida viáveis pese o empenho dos técnicos. Neste universo, acresce a dificuldade enorme de algumas crianças em ser adoptadas devido a situações como doença, deficiência, existência de irmãos ou uma idade já elevada. Assim, muitas crianças estarão mesmo condenadas a não ter uma família.
Como é óbvio, um processo de adopção é algo cuja qualidade não pode em momento algum ser hipotecada e o Plano Nacional de Adopção zela por isso no sentido de evitar, por exemplo, processos de "devolução" de crianças em processo de adopção, situação altamente penalizadora para todos os envolvidos e que não é tão rara como desejaríamos. No entanto, parece claro que o processo carece de agilização de modo a que os candidatos à adopção não desistam assustados com a morosidade que ainda se verifica.
Como repararão os mais atentos, sempre que aqui me refiro a este tipo de questões, julgo justificado umas notas sobre os contextos familiares das crianças.
Por estranho que possa parecer, existe uma outra realidade, menos perceptível em termos globais, mas conhecida por aqueles que lidam de mais perto com as crianças e que remete para a quantidade enorme de situações de crianças abandonadas e rejeitadas dentro das famílias, algumas destas famílias até com um funcionamento aparentemente normal.
Pode parecer surpreendente esta abordagem, mas muitas crianças vivem em famílias, diferentes tipos de família, que, por variadíssimas razões, as não desejam, as não amam, apenas as toleram, cuidam, pior ou melhor, sobretudo nos aspectos "logísticos". Em alguns casos, são mesmo crianças a que "não falta nada", dizem-nos. Na verdade falta-lhes o essencial, o abrigo de uma família ou, numa expressão bonita do Professor Emílio Salgueiro, o "encantamento fundador" que uma família pode proporcionar.
Quando penso nestas situações lembro-me sempre de uma expressão que ouvi já há algum tempo a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido o privilégio de manter com ele.
Dizia Laborinho Lúcio que "só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”. Na verdade, muitas crianças não chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas.
Existem mais crianças a viver narrativas desta natureza, abandonadas e ou rejeitadas dentro da família, do que se pode imaginar.

TRAZ OUTRO AMIGO TAMBÉM

Hoje, 23 de Fevereiro, completam-se 25 anos após a morte de José Afonso. Caberia o lugar comum de os Grandes não morrem, mas o Zeca não iria gostar, não se dava bem com estatutos e muito menos de Grande. Mas na verdade, o Zeca foi e continua Grande e os Grandes fazem sempre falta.
Ficámos com a música é certo, que, mais um lugar comum, quando se ouve é sempre a primeira vez. Mas ficámos sobretudo com a vida e com o exemplo, Grande, naturalmente.
Um homem de uma probidade e generosidade espantosas e com um voluntarismo generoso que contagiava. Diziam-no ingénuo, talvez fosse a ingenuidade que os puros carregam, também lhe chamam utopia. Se assim for, outra banalidade, o Zeca era a voz da utopia.
O Zeca, gosto de recordar, foi professor enquanto o deixaram. É que embora alguns não saibam, tenham esquecido ou queiram esquecer, já tivemos, mesmo, censura e prisão por delito de opinião.
O Zeca haveria de gostar de algumas coisas que por aí andam, há sempre gente solidária e generosa, mas espantar-se-ia com os vampiros que pairam nestes tempos. E como o "não deixam nada" se tornou dramaticamente actual.
E mesmo nesta turbulência manhosa em que este mundo se transformou, o Zeca continuaria a dizer "traz outro amigo também".



O INDIGNADO POVO

Isto é uma vergonha.
Tiram tudo.
Dizem que não há dinheiro, enchem-se com ele, como é que há-de haver dinheiro.
Miséria de país. Tudo a roubar e não deixam nada para os pobres.
A gente farta-se de pagar e é para isto.
Depois ainda falam que todos fazem sacrifícios. Eles não vêm para aqui.
Não adianta, são todos iguais, quando se apanham no poleiro, é isto.
Uma pessoa até se sente mal, nada anima.
Mas a eles não lhes falta nada, ao pobre falta tudo.
...
Desisti de registar.
A cena passa-se na sala de espera de um Centro de Saúde e os comentários têm como origem o facto de a televisão estar desligada, presumivelmente avariada.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

PESSOAS DESCARTÁVEIS

No Público lê-se algo em que custa acreditar. Na Bélgica, um trabalhador português trabalhava em regime de contratação ilegal numa obra. Foi acometido de doença cardíaca e o responsável da empresa entendeu por bem livrar-se do trabalhador, abandonando-o ainda vivo numa rua deserta onde veio a falecer e foi encontrado. O cuidadoso responsável tentou ainda comprar o silêncio da viúva. Sem comentários.
Há umas semanas atrás, o Sindicato da Construção de Portugal alertava na imprensa para a existência de "redes mafiosas" que contratam trabalhadores portugueses para trabalho no estrangeiro onde são sujeitos a condições de trabalho que configuram escravatura. Numa altura e que, por razões óbvias aumentam os fluxos de emigração esta questão é importante. Sublinha-se ainda que entre os países referidos no alerta do sindicato se incluíam França, Alemanha e Inglaterra. Ter-se-á esquecido de incluir a Bélgica no lote de países do primeiro mundo, que se reclama de farol dos direitos humanos e do desenvolvimento, que promovem escravatura ou algo muito próximo disso em pleno século XXI.
Estas situações, a que se podem juntar a recorrentes casos de escravatura para trabalho agrícola em Espanha ou o tráfico de pessoas, um dos mais florescentes e rentáveis em termos mundiais, alimentam-se da vulnerabilidade social, da pobreza e da exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate à pobreza e, caso evidente em Portugal, às escandalosas assimetrias na distribuição da riqueza.
As pessoas, muitas pessoas, apenas possuem como bem, a sua própria pessoa e o mercado aproveita tudo, por isso, compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a idade, e as necessidades de "consumo" exigirem.
O que parece ainda mais inquietante é o manto de silêncio e negligência que cai sobre este drama tornando transparentes as situações, não as vemos.

CRIANÇAS DESAPARECIDAS

O processo trágico do desaparecimento do Rui Pedro, ocorrido há 13 anos, na altura a criança tinha 11 anos, vai dar hoje mais um passo. Será conhecida a sentença do arguido acusado do rapto da criança e que reclama inocência.
Independentemente da sentença, e de terminar por aqui, ou não, o processo criminal, a tragédia não tem fim, a criança continua desaparecida. Não sendo a primeira vez que o faço, retomo algumas notas dirigidas às experiências pelas quais, lamentavelmente, muitos miúdos passam ou estão em risco de passar.
Tem sido feito um esforço nacional e internacional no sentido de aumentar a eficácia na abordagem a situações desta natureza bem como, a maior atenção aos factores de risco de que a título de exemplo se cita a net e as redes sociais que não podendo, obviamente, ser diabolizadas, apresentam alguns riscos que não devem ser negligenciados.
Embora se saiba que muitos dos casos reportados de desaparecimento de crianças e adolescentes acabem por ter, por assim dizer, um final feliz, o desaparecimento é temporário, reactivo a incidentes ou a resultados escolares alguns transformam-se em tragédias sem fim como o caso do Rui Pedro desaparecido há 13 anos.
Uma situação desta natureza é uma tragédia absolutamente devastadora numa família. Nós pais, não estamos "programados" para sobreviver aos nossos filhos, é quase "contra-natura". Se a este cenário acresce a ausência física de um corpo que, por um lado, testemunhe a tragédia da morte mas, simultaneamente, permita o desenvolvimento de um processo de luto, a elaboração da perda como referem os especialistas, que, tanto quanto possível, sustente alguma reparação e equilíbrio psicológico e afectivo na vida familiar a situação é de uma violência inimaginável.
No entanto e neste contexto, creio que vale a pena não esquecer a existência de muitas crianças que estão desaparecidas mas à vista, situações que por desatenção e menos carga dramática passam mais despercebidas.
Na verdade, existem muitíssimas crianças e jovens que vivem à beira de pais e professores para os quais passam completamente despercebidas, são as que eu chamo de crianças transparentes, olhamos para elas, através delas, como se não existissem. Não estando desaparecidas, estão abandonadas. Algumas delas não possuem ferramentas interiores para lidar com tal abandono e desaparecem, mantendo-se à nossa vista, no primeiro buraco que a vida lhes proporcionar, um ecrã, outros companheiros tão abandonados quanto eles, o consumo de algo que lhes faça companhia ou adrenalina de quem nada tem para perder.
Em boa parte das situações, por estes ninguém procura.
E eles perdem-se de vez.

UMA HISTÓRIA NUNCA ACABA

Um dia o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, viu entrar o Manel, um rapaz lá da escola. Estranhou a hora e ficou a olhar.
O Manel foi buscar um livro à estante das histórias e sentou-se a ler. O Professor Velho observava, o Manel parecia ler um bocado, parava, ficava como que a pensar, às vezes ria-se, voltava à leitura, voltava a parar um bocado a pensar e assim esteve bastante tempo.
Quando estava para sair, o Professor Velho interrogou-o sobre a sua forma de estar na biblioteca. O miúdo, surpreendido com a questão, pensou, ouviu-se um bocado e explicou.
Sabes Velho, as pessoas que escrevem histórias nunca escrevem a história toda. Por isso, eu leio a parte que está escrita e fico a pensar no resto da história que a pessoa não contou. Às vezes, são partes engraçadas e então dá-me vontade de rir.
Tens razão Manel, quem conta uma história nunca a conta todinha, para que, quem a ouve ou a lê também possa entrar na história. Olha lá, mas porque é que estiveste este tempo todo na biblioteca a esta hora? Devias estar na aula.
Estive de castigo, Velho. A Professora diz que estou sempre distraído.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

EXPURGAR OS SAUDÁVEIS

O Ministério da Saúde vai lançar uma interessante experiência em alguns Centros de Saúde. Todos os utentes que não recorrerem ao Centro de Saúde, ao seu médico de família, durante três anos, recebem uma certidão de óbito administrativa, ou seja, são expurgados (palavra simpática esta) e são substituídos na lista do médico de família por outro utente que adoeça mais vezes, embora mantenham a possibilidade de, se um dia decidirem adoecer, voltarem à lista.
É evidente que se sabe que em muitos serviços, não só na área da saúde, as bases de dados são pouco fiáveis numa demonstração de ineficiência nunca responsabilizada.
No entanto, a "limpeza", por assim dizer, não precisava de ter estas características.
A medida recorda-me a tentação do governo anterior torcer os números, por exemplo na certificação escolar no âmbito do Programas Novas Oportunidades, para fazer crescer os dados relativos à qualificação escolar.
Na prática, eu, que felizmente sou um tipo saudável, se não tiver uma doençazita durante três anos, sou expurgado, saio da lista do médico de família, e quando precisar de cuidados terei mais dificuldade na medida em que a lista de utentes do médico de família foi engrossando à custa dos cidadãos que não adoecem. Ao que parece, também temos que ser produtivos nas doenças, temos que regularmente mostrar alguma.
O resultado é engraçado, algumas das milhares de pessoas que não têm médico de família passarão, graças este expediente, a constar na lista da gente que já tem médico de família e a estatística lá se vai compondo.
Não estranho que tomem medidas deste tipo. O que me chateia verdadeiramente é acharem que somos parvos, é uma questão de auto-estima.

BAILE DE MÁSCARAS

Amanhã, apesar de em alguns locais se realizarem algumas iniciativas carnavalescas, voltamos ao nosso verdadeiro Carnaval, a luta do dia a dia. Assentará a poeira de um Carnaval este ano animado pela excelente contribuição de Passos Coelho e a sua genial rábula, "Ponto sim, Ponto não". Talvez não concordem comigo, mas voltamos ao quotidiano e real Baile de Máscaras. Vejamos alguns exemplos.
Muitos de nós temos uma forma de estar na profissão assente num enorme movimento e uma baixa realização, o que eu chamo agitação improdutiva. No entanto, esperamos que nos vejam com uma máscara de incansáveis produtivos.
Muitos de nós falamos, falamos e não dizemos nada. No entanto, esperamos que nos vejam com uma máscara de carismáticos eloquentes.
Muitos de nós adoptamos comportamentos autoritários. No entanto, esperamos que nos vejam com uma máscara de bom líder.
Muitos de nós produzimos discursos populistas. No entanto, esperamos que nos vejam com uma máscara de populares.
Muitos de nós adoptamos comportamentos de indiferença. No entanto, esperamos que nos vejam com uma máscara de atentos e tolerantes.
Muitos de nós somos arrogantes. No entanto, esperamos que nos vejam com uma máscara de confiantes e assertivos.
Muitos de nós somos dados a habilidades e manhas. No entanto, esperamos que nos vejam com uma máscara de criativos e flexíveis.
Muitos de nós somos teimosos. No entanto, esperamos que nos vejam com uma máscara de persistentes.
Muitos de nós somos incapazes de mudar algo em nós. No entanto, esperamos que nos vejam com uma máscara de coerentes.
Muitos de nós assumimos comportamentos de subserviência. No entanto, esperamos que nos vejam com uma máscara de boa pessoa e conciliadora.
Durante o Carnaval temos a oportunidade de trocar de máscaras. Esperamos que nos vejam com uma máscara de pessoa feliz e divertida.
Amanhã voltamos à condição real, a luta pela sobrevivência, para muitos, cada vez mais, uma tarefa árdua.

COISAS MIUDINHAS

Um dos termos que me soa mais simpático na língua portuguesa é "miudinho" ou, na variante feminina, "miudinha".
É um tema um bocado estranho para um texto, mas poderá caber num texto miudinho, por assim dizer.
Gosto do nervoso miudinho que nos inquieta na espera de alguém ou algo de que gostamos.
É embaraçante a chuva miudinha, também chamada de "molha tolos" que, não deixando ninguém enxuto, logo ...
Gosto de tropeçar com coisa miudinhas que carrego na minha mochila e que, por vezes de forma estranha e inesperada, surgem na memória.
Gosto das letras miudinhas, manuscritas, que usávamos nos bilhetes que trocávamos antes de se inventarem os telemóveis e computadores.
Tem graça o andar das pessoas num passo miudinho de quem quer passar ao de leve pelo caminho.
Fazem falta, embora me exasperem um pouco, as pessoas miudinhas, centradas nos pormenores e exigentes na perfeição do fazer e do olhar.
São por demais generosas as pessoas atentas às coisas miudinhas de que nós gostamos.
Eu disse, estas coisas miudinhas só podiam dar um texto miudinho.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

TELEGRAMAS SOBRE O TROIKISMO

1 - Não percebo porque se continua a chamar acordo ou programa de ajuda a um negócio que o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, o BCE e o FMI fizeram com Portugal, cobrando juros enormes em prazos curtíssimos.
2 - Os negociantes ficam nervosos com o incumprimento do negócio, claro, se não pagarmos podem ver o dinheiro a arder. No caso da Grécia estuda-se o perdão de parte da dívida. Acontece que os emprestadores, as instituições que "ajudam", não são de instituições de solidariedade social, querem ganhar, e vão ganhar, "custe o que custar".
3 - O cumprimento, "custe o que custar", é uma peça fundamental para que os emprestadores não sintam o dinheiro ameaçado.
4 - As implicações pesadíssimas na vida das pessoas são algo que não preocupará demasiado os emprestadores, desde que, é claro, o dinheiro pareça garantido.
5 - O alargamento de prazo ou outros ajustamentos menores ao acordo não são, do meu ponto de visa, questões centrais. Muito menos o ajustamento de mais um ano para consolidar as contas públicas como propõe o PS.
6 - A questão central são as políticas levadas a cabo pelo governo que com o aplauso dos emprestadores, claro, provocam pobreza e exclusão que afecta 2,7 milhões de portugueses.
7 - Discutir prazos e ajustamentos menores nas condições representa, como não podia deixar de ser, uma tentativa de conquistar alguma simpatia política sem discutir o essencial. Não é de estranhar, dada a cumplicidade com o acordo para o negócio.
8 - Contrariamente ao que teve de acontecer em Itália, a substituição de políticos eleitos, por mais que não simpatize com Berlusconi, em Portugal a troika está muito bem representada no governo. Não precisará, como a Alemanha já sugeriu para a Grécia, de um capataz que tome conta do país já que os gregos não parecem capazes de encontrar um governo que o faça.
9 - Tudo isto ... é a economia, estúpido.
10 - Tudo isto ... é farinha do mesmo saco. Viva o Carnaval, com ou sem tolerância. De ponto, é claro.

(IN)SEGURANÇA

Na primeira página do Público de ontem o título principal era, "Pedidos de licença de uso e porte de arma sobem 20% em 2011". Na primeira página do DN de hoje o destaque é, "Noventa roubos a casas e carros por dia em Lisboa e Porto". Na primeira página do I de hoje também como grande título lê-se, "Passos Coelho tem segurança reforçada há um mês". Relembro que há poucos dias também Cavaco Silva cancelou uma visita a uma escola por alegados e não confirmados riscos de insegurança, no caso, uma manifestação de alunos.
Estas três referências de primeira página a questões de segurança, colocadas de seguida em grande destaque em jornais considerados de referência, indiciam um sério sinal de um clima que de mansinho pode estar a instalar-se entre nós e que poderá ter efeitos devastadores.
Não é estranho que o mundo de dificuldades que em Portugal muitos milhares de pessoas atravessam, possa sustentar um aumento exponencial da delinquência como a peça do DN sublinha relativamente ao ano de 2011. As dificuldades progressivas em encontrar rendimentos que garantam o sustento, mesmo na chamada economia paralela. poderão induzir em muitas pessoas comportamentos que, em escalada, minarão a coesão social e a percepção de segurança, bases imprescindíveis na nossa vida diária.
A questão é como nós comunidade lidamos com estas questões.
Clamarão uns pelo aumento da repressão e punição por parte das autoridades policiais em contenção de recursos, em efervescência interna, e por parte de um sistema de justiça ineficaz e lento que alimenta a ideia de impunidade.
Maior atenção às desigualdades e exclusão decorrentes das medidas de austeridade e da crise, dirão outros, defendendo políticas preventivas e mais eficazes nos apoios sociais.
Maior exigência nas decisões, comportamentos, discursos das lideranças e no funcionamento do estado, de modo a não alimentar a ideia, ajustada, de uma repartição desigual de sacrifícios e dificuldades, referirão ainda outros.
Não existem, evidentemente, abordagens e soluções milagrosas, mas creio que estas questões merecem uma muito inquieta atenção.

O MIGUEL FAZ-SE

Hoje durante a tarde e porque o bairro ainda vai mantendo algumas relações de vizinhança, a conversa corria de quintal para quintal, perdão, de jardim para jardim. Quando eu era pequeno é que o espaço à volta das casas se chamava quintal, hoje é jardim, mais fino é claro.
O Miguel, gaiato com nove anos, dizia estar à espera do pai para irem brincar para uma zona relvada, o único "equipamento" que o bairro possui, e a conversa acabou por registar a falta de um parque infantil.
Alguém sugeriu então, que na próxima reunião com a Junta de Freguesia se falasse na necessidade de um Parque Infantil e o melhor seria mesmo o Miguel ir à reunião para expressar essa imperiosa necessidade.
O Miguel pensou um pouco e afirmou com ar sério.
"Sim, posso ir lá dizer em nome dos miúdos do Bairro que precisamos de um parque infantil. E se eles fizerem, o Parque depois fica com o meu nome".
O Miguel faz-se. Só falta mesmo inaugurar o Parque Infantil Miguel Vizinho.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

OS RESPIGADORES E AS RESPIGADORAS

Ao que parece, conta-se no Público, os municípios estão a sofrer a concorrência ilegal dos catadores ou farrapeiros, na recolha de papel e cartão para reciclar, uma actividade em relativo desaparecimento até há algum tempo em Portugal. Era coisa de outras paragens, mais pobres.
Na verdade, as agruras que a vida de muita gente atravessa fazem com que famílias inteiras se dediquem a esta actividade, aliás, frequente há alguns anos. Estes catadores retiram os materiais que estão depositados nos contentores municipais ou fazem mesmo a recolha directa junto de estabelecimentos, o que também é compensador para estes. Este negócio começa a reflectir-se negativamente nos rendimentos das autarquias.
O cenário que se descreve relativamente ao papel e cartão, vem juntar-se à coreografia da fome protagonizada por personagens de um filme negro que deambulam junto dos caixotes do lixo dos supermercados, catando os restos e sobras de alimentos que, no espaço da UE, representam metade do que se consome, segundo números oficiais divulgados por Bruxelas recentemente que sublinhavam a existência de 79 milhões de pessoas em risco de pobreza e exclusão, 2,7 dos quais em Portugal.
Esta referência aos catadores de papel, recordou-me o notável e lindíssimo “Os Respigadores e a Respigadora”, de Agnès Varda, sendo que não é uma obra de arte, é uma acusação pesadíssima.

UM DIA CANSAMO-NOS DE SER BONS RAPAZES

Em pouco tempo temos alguns episódios que, apesar de frequentes noutras paragens, são relativamente raros entre nós embora também não inéditos. O Presidente da República foi vaiado em Guimarães, cancelou uma visita à Escola António Arroio por razões de segurança, incompreensivelmente temeroso de uma manifestação de estudantes e hoje o Primeiro-ministro foi vaiado e insultado em Gouveia. Curiosamente, o Público noticia hoje que aumentou 20% o número de cidadãos que pede pela primeira vez licença para uso de arma, estando também alta a abertura de armeiros.
Estas notícias não são simpáticas mas, como o povo diz, são "fruta da época". As sucessivas e pesadíssimas medidas, chamadas de austeridade, conjugadas com as dificuldades decorrentes da própria situação económica estão a colocar a resistência de muitas pessoas nos limites ou para além dos limites, como o próprio Cavaco Silva já referiu. O desemprego, noticia-se hoje está a um nível recorde, 14%, e prevê-se o seu crescimento o que representa uma fortíssima ameaça à dignidade das pessoas e potencia o risco de insegurança.
Por outro lado, e do meu ponto de vista de forma muito grave, muitas afirmações de gente politicamente responsável têm sido profundamente infelizes, para ser simpático, mas na verdade insultuosas e inaceitáveis face aos problemas que colocam 2,7 milhões de portugueses à beira da pobreza e exclusão. Os exemplos são muitos, o caminho é empobrecer, emigrar é um saída, não se queixem, não estão bem mudem-se, etc., quando, simultaneamente, o estado e muitas figuras continuam a promover gastos e a usufruir de mordomias e rendimentos que não se compreendem e aceitam.
Tudo isto gera um caldo de cultura em que se corre o risco de diluir os brandos costumes com que nos costumam identificar. Como o povo diz, quem semeia ventos, colhe tempestades".
Não sei se poderemos afirmar que se estará a assistir a uma lenta mas firme mudança passando de um elogiado comportamento resignado, a uma fase de comportamento indignado e, eventualmente a uma fase de comportamento activamente revoltado, mas algo parece estar a alterar-se. De facto, somos reconhecidamente um país de brandos costumes, dizem. Não abusamos da violência e quando o fazemos é no recato do lar, quando muito, no quintal ou num desaguisado de trânsito, nada que possa configurar violência pública ou convulsão social graves. A nossa violência, é uma violência de proximidade.
Somos mesmo um povo tranquilo e de brandos costumes, uma das apreciações que os estrangeiros quase sempre referem como característica dos portugueses.
A questão é que, como dizia Camões, todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Um dia cansamo-nos de ser bons rapazes.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

A TERRA ESTÁ TRISTE

Está triste a terra no Meu Alentejo. Ainda hoje na vila, o Mestre Francisco me dizia depois da salvação, aqui ainda se dá a salvação quando nos cruzamos na rua, “já viu como estão tristes esses campos”. É verdade, vão tristes os campos.
A terra está sem o sustento, sem água, a erva não medra, o gado não tem que comer. Se a chuva não vier, o Borda d’Água não é animador, a coisa vai ficar pior.
A tristeza dos campos do Alentejo é como o Alentejo e os alentejanos, contida, funda e presente.
Parece que a natureza se juntou aos homens no roubar do sustento. Ontem, o céu mostrava umas nuvens que pareciam anunciar uma mudança de rumo no tempo. Hoje tudo limpou e a desesperança voltou.
Estão tristes os campos do Meu Alentejo.
E eu fico triste a olhar para eles.
Que não nos falte o sustento, a água.

DESPUDOR

O despudor com que o discurso político branqueia responsabilidades é, do meu ponto de vista, um dos grandes contributos para a degradação da imagem e da confiança nos agentes políticos.
Marques Mendes, agora promovido a comentador-mor e incluído no grupo restrito dos que são ouvidos sobre tudo e entendem que devem opinar sobre tudo, os senadores como lhes chamam numa saloiice pateta, acha que o rumo de Passos Coelho lhe pode custar as eleições mas assim tem de ser.
Embora a ele próprio, Marques Mendes, o “revoltem” algumas medidas, imagine-se o cidadão que não vive com a almofada económica de Marques Mendes, a austeridade é inevitável face ao estado em que os outros, sempre os outros, deixaram o país. É claro que os outros, na altura certa, justificaram parte do que fizeram e decidiram com o estado em que os outros, de novo os outros, deixaram o país. Não há pachorra para este despudor.
O PSD e o PS, a solo ou em entendimentos de circunstância, governaram o país nas últimas décadas, é da sua responsabilidade o estado do país para além, naturalmente, do que resulta da conjuntura internacional. Vale a pena recordar o longo consulado de Cavaco Silva que transformou o dinheiro a chover da Europa em betão e alcatrão, desenvolvimento, diziam.
Sejamos sérios, os modelos de desenvolvimento que nos impuseram são da responsabilidade de quem tem assumido o poder.
O que o PSD tem estado a fazer, que Marques Mendes afirma ter de ser realizado também pelo PS se estivesse no governo, decorre de modelos de desenvolvimento económico de que ética e responsabilidade social são valores arredados, estão submetidos à ditadura dos mercados que, naturalmente não servem a maioria das pessoas, servem-se da maioria das pessoas como produtos, activos, descartáveis.
É evidente que não espero do Dr. Marques Mendes um discurso que contrarie o que nos trouxe a este estado, ele também foi responsável.
Sendo parte do problema, não pode, naturalmente, ser parte da solução.

OS MIÚDOS CALADOS

A Professora Deolinda andava com umas dúvidas sérias. Ela achava que os seus alunos trabalhavam melhor e sentiam-se também melhor quando, por períodos grandes, falavam nas aulas. Tinha lido umas coisas sobre estas matérias, organizava debates e muitos trabalhos realizados em grupo e com grandes discussões entre os alunos. Esta ideia não ia muito ao encontro da sua experiência de pequena e de muita da formação que lhe deram.
Por outro lado, parte significativa dos seus colegas criticavam porque, diziam, fomentava maus hábitos nos alunos e levava a que os alunos deles lhes levantassem problemas porque queriam falar. Além disso, na comunicação social, apareciam uns opinadores a afirmar que, na escola, o trabalho dos meninos é ouvir o professor e estudar. É assim que se aprende, dizem essas pessoas. Tudo isto causava na Professora Deolinda dúvidas sobre o que estava fazer.
Um dia, na biblioteca, encontrou o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, e, em jeito de desabafo, comentou as sua inquietações e a dificuldade em explicar a ideia que acreditava ser certa. O Professor Velho riu-se e falou daquele jeito dele, baixinho e sempre com um sorriso.
Deolinda, que ouvimos nós da maioria dos pais quando percebem os seus filhos muito tempo quietos e calados?
Ora Velho não brinques. Os pais costumam dizer que, ou estão doentes, ou estão a fazer asneira, ou já fizeram asneira.
Pergunta aos teus colegas se querem os alunos doentes ou a fazer asneira.
Lembras-te de cada coisa. Mas é mesmo, eles precisam de falar para se entenderem e nos entenderem.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

FECUNDIDADE REVISTA EM BAIXA. Os filhos estão muito caros

O Presidente da República patrocinou hoje uma jornada de reflexão sobre a baixa natalidade em Portugal, problema que tem vindo a acentuar-se e que as políticas, desadequadas e dispersas, não têm conseguido reverter. O ano de 2011 foi o ano com menos nascimentos. A renovação de gerações exige 2,1 filhos por mulher sendo que desde 1982 que em Portugal não se atinge tal valor. Temos 1,37 como índice sintético de fecundidade o segundo mais baixo do mundo, atrás da Bósnia.
É ainda de registar que em 2010, um pouco mais de 10% dos nascimentos são crianças de mães estrangeiras, quando curiosamente temos discursos de governantes que nos aconselham, sobretudo aos mais novos, a emigrar e assim, lá longe, construir um projecto de vida.
Por outro lado, embora a maternidade faça parte dos projectos de vida das mulheres portuguesas, apenas 10% das que têm mais de 49 anos não têm filhos e 30% têm apenas um. Estes indicadores comprometem, obviamente, a renovação geracional, potenciando o envelhecimento populacional e o desequilíbrio demográfico. Contrariamente ao que se verifica noutros países que têm as respectivas taxas a subir, em Portugal o declínio a partir de 2003 tem sido constante.
É ainda interessante sublinhar que trabalhos recentes evidenciam que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família, a maternidade contrariando, assim, a tese de D. Manuel Monteiro de Castro, um novo cardeal português que defende que o Governo deveria apoiar mais as famílias, para que a mulher pudesse ficar em casa e “aplicar-se naquilo em que a sua função é essencial, a educação dos filhos”, lê-se no Público.
Também é sabido de outros estudos que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa.
Como parece claro, este cenário, menos filhos quando se desejava fortemente compatibilizar maternidade e carreira, exige, já o tenho referido, a urgência do repensar das políticas de apoio à família. Os salários baixos são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Por outro lado, Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é mais um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
Toda esta situação torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida. Combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas. Aliás, é ainda curioso sublinhar o impacto que nesta questão pode ter a política do governo de aumentar o tempo de trabalho o que, naturalmente, retira tempo à família.
Só com uma abordagem global e multi-direccionada me parece possível promover a recuperação demográfica indispensável.

OS DESFILES FELIZES DOS MENINOS E DOS PROFESSORES FELIZES

Hoje é dia de desfiles de Carnaval para as escolas portuguesas. Devo dizer, como registo de interesses, que não sou particular adepto da quadra, o que, eventualmente poderá contaminar estas notas. É certo que o Carnaval deste ano tem como peça de grande sucesso o genial “sketch” inventado por Passos Coelho com o nome “A tolerância de ponto”.
Ao olhar para os participantes, à excepção de uma residual minoria de alunos e professores que se sente obrigada a participar, os desfiles organizados pelas escolas são autênticos passaportes para a felicidade mesmo que transitória, o que em tempos de crise e de grandes dificuldades não é coisa de somenos.
Já me cruzei hoje com dois desses desfiles e é enternecedor o ar feliz que os cowboys, as bruxas, os super-homens, os homens aranha, os polícias, os dráculas, as fadas, as enfermeiras, as borboletas e flores, etc. etc., compõem no passeio pelas ruas.. Parece mesmo que estão felizes, até emociona.
É também enternecedora a imagem dos professores, muitos também carregando as suas máscaras, compondo um ar risonho, contente com que, depois do desgaste de vários dias a preparar os fatos, acompanham as criancinhas numa visita ao meio, o Estudo do Meio ainda integra o currículo, até o Ministro Crato se lembrar que essa coisa de estudar o meio não serve para nada, é melhor estar a fazer contas na escola, sem máquina calculadora, é claro.
Os desfiles acabam por ser contagiados pelo clima de empatia e boa-disposição que se vive nas escolas, os meninos armazenados muitas horas por dia, os papás a temer pelo desemprego e sem lá aparecer na escola e os professores com uma estabilidade profissional e com um clima nunca antes sentido face à genial política do MEC. Até os professores contratados parecem contentes.
Não consegui verificar, mas é natural que durante os desfiles alguns professores relatores estejam atentos às performances dançantes dos professores, às coreografias, às cantigas, aos fatos que os meninos carregam. Sendo que as aulas podem ser observadas e avaliadas, os professores que querem ser excelentes e bons, se couberem nas quotas, bem entendido, poderão ser também observados nos desfiles. Tão bonito.
E os fotógrafos das autarquias sempre em cima do desfile, para aquelas fotos que colocadas no Boletim Municipal, farão as delícias do Vereador responsável e do Presidente, relembrando que a Autarquia apoia, sempre mas sempre, a Educação. Lindo.
Estão a ver porque raio não simpatizo com o Carnaval?

ELE TEM QUALQUER COISA DE DIFERENTE

Vinha um e dizia, ele tem qualquer coisa de diferente.
Vinha outro e dizia, ele tem qualquer coisa de diferente.
Vinha mais alguém e dizia, ele tem qualquer coisa de diferente.
Vinha outro alguém e dizia, ele tem qualquer coisa de diferente.
Vinha um mais velho e dizia, ele tem qualquer coisa de diferente.
Vinha um mais novo e dizia, ele tem qualquer coisa de diferente.
Toda a gente dizia, ele tem qualquer coisa de diferente.

Ele também sentia que tinha qualquer coisa de diferente. Só não percebia porque é que isso era um problema muito grande. Olhava para os outros miúdos e também não os achava iguais. Todos tinham qualquer coisa de diferente.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

QUEM SEMEIA VENTOS, COLHE TEMPESTADES

A imprensa de hoje dá conta do cancelamento de uma visita do Presidente da República à Escola António Arroio devido a um "impedimento" que algumas fontes relacionam com questões de segurança decorrentes de manifestações de alunos. No mesmo universo, a segurança. hoje também se refere que devido a ameaças os Ministros Vítor Gaspar e Álvaro Pereira passam a dispor de protecção policial.
Estas notícias não são simpáticas mas, como o povo diz, são "fruta da época". As sucessivas e pesadíssimas medidas, chamadas de austeridade, conjugadas com as dificuldades decorrentes da própria situação económica estão a colocar a resistência de muitas pessoas nos limites ou para além dos limites, como o próprio Cavaco Silva já referiu. O desemprego, noticia-se hoje está a um nível recorde, 14%, e prevê-se o seu crescimento o que representa uma fortíssima ameaça à dignidade das pessoas.
Por outro lado, e do meu ponto de vista de forma muito grave, muitas afirmações de gente politicamente responsável têm sido profundamente infelizes, para ser simpático, mas na verdade insultuosas e inaceitáveis face aos problemas que colocam 2,7 milhões de portugueses à beira da pobreza e exclusão. Os exemplos são muitos, o caminho é empobrecer, emigrar é um saída, não se queixem, não estão bem mudem-se, etc., quando, simultaneamente, o estado e muitas figuras continuam a promover gastos e a usufruir de mordomias e rendimentos que não se compreendem e aceitam.
Tudo isto gera um caldo de cultura em que se corre o risco de diluir os brandos costumes com que nos costumam identificar.
Como o povo diz, "quem semeia ventos, colhe tempestades".