quarta-feira, 31 de agosto de 2011

PROFESSORES A MAIS (Take 2)

A publicação das listas de colocação de professores veio, sem surpresa, confirmar as expectativas dos docentes e as afirmações do Ministro, muitos professores ficaram por colocar. Para além das consequências graves de natureza pessoal que a situação de desemprego que muitos dos professores agora não colocados arriscam julgo oportunas algumas notas repescadas de um texto de há algumas semanas sobre este universo.
Em primeiro lugar, em qualquer circunstância e em particular devido às características do nosso sistema educativo, a questão do número de professores necessários ao funcionamento dos sistema é uma matéria bastante complexa.
Existem muitos professores deslocados de funções docentes, boa aparte em funções técnicas e administrativas que em muitos casos seriam dispensáveis pois fazem parte de estruturas do Ministério pesadas, burocráticas e ineficazes que, aliás, o ministro Nuno Crato achou que deveriam implodir. A ver vamos.
Por outro lado, os modelos de organização e funcionamento das escolas com uma série infindável de estruturas intermédias e com um excesso insuportável de burocratização retira muitas horas docentes ao trabalho dos professores que estão nas escolas.
Importa também não esquecer o enviesamento que por demissão da tutela se tem verificado na oferta relativa à formação de professores produzindo assimetrias donde decorrem a falta ou o excesso de recursos em diferentes áreas.
O processo em muitos casos justificado de enceramento de escolas e os insustentáveis (alguns) mega-agrupamentos tem também contribuído para a fazer decrescer os professores em funções pois, na maioria das vezes, assiste-se a um aumento de alunos por turma. Aliás o número de alunos por turma no 1º ciclo foi aumentado por decisão do MEC.
Finalmente e sem pretender ser exaustivo, também é de considerar a própria oscilação da demografia escolar, para além da pressão brutal para a redução de custos.
Este quadro promove, naturalmente, um problema de absorção de muitos docentes, já no sistema e que correm o risco de passar a horários zero, bem como na manutenção dos contratados ou ainda na entrada de novos docentes.
Face a este quadro considerar a hipótese de que e estando o MEC a estudar a situação, julgo que faria sentido que os recursos que já estão no sistema, não estou só a falar dos chamados horários zero, pelo menos esses, fossem aproveitados em trabalho de parceria pedagógica, que se permitisse a existência em escolas mais problemáticas de menos alunos por turma ou ainda que se utilizassem em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades.
Os estudos e as boas práticas mostram que a presença de dois professores na sala de aula são um excelente contributo para o sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos alunos.
Sendo exactamente estes os dois problemas que afectam os nossos alunos, na altura afirmei que talvez o investimento resultante da presença de dois docentes ou de mais apoios aos alunos e a outros professores, compense os custos posteriores com o insucesso, as medidas remediativas ou, no fim da linha, a exclusão, com todas as consequências conhecidas.
Creio que valia pena fazer contas e, como escrevi, nisso o Ministro Crato é especialista.

VOLUNTARIADO, VOLUNTARISMO OU HABILIDADE POLÍTICA

Ontem referi a natureza positiva da medida de flexibilizar a legislação, por vezes excessiva e desajustada em alguns aspectos, no sentido de poder aumentar a capacidade de resposta ao nível da creche, um dos grandes problemas de muitas famílias, quer pela insuficiência de equipamentos, quer pelos custos que implicam. Sublinhei a importância de que esta flexibilização não poderia, em caso algum, hipotecar a qualidade da resposta educativa numa idade absolutamente essencial na vida dos miúdos.
Hoje coloca-se o recurso ao voluntariado para corresponder ao aumento de crianças nas instituições.
Tenho o maior dos apreços pelo voluntariado, mas esta ideia preocupa-me. Para cuidar bem de crianças, não estou a referi-me a tomar conta de crianças, é exigida formação e preparação. A resposta educativa em termos institucionais não pode ficar entregue ao "tem jeito" e "gosta muito de crianças".
Não é de esperar que apareçam profissionais a inscreverem-se nestes programas de voluntariado e, nos tempos que correm, não vejo como as instituições possam garantir a formação dos "voluntaristas" que se apresentem para cuidar dos miúdos.
Acho que estamos em presença de uma habilidade política procurando o milagre de fazer omeletas sem ovos.
Independentemente dos voluntários e dos voluntaristas acho arriscado este passo. Ou existem pessoas com preparação profissional que, em regime de voluntariado, prestam algum trabalho social, ou entregar as crianças nas mãos de voluntaristas parece-me algo de pouco avisado.

A QUESTÃO CENTRAL EM EDUCAÇÃO É A QUALIDADE

Por diversas vezes o Ministro Nuno Crato tem afirmado que a avaliação dos professores não é o problema fundamental da educação.
Desta vez, estou de acordo. A questão central em educação é a qualidade do trabalho de alunos, professores e funcionários, para além das famílias, num outro plano.
A existência do MEC é justificada pela necessidade de organizar, apoiar, regular e estimular os grandes princípios e dispositivos de suporte a todo este trabalho. Do meu ponto de vista tem sido aqui que reside a questão central da educação, ou seja, o que temos assistido é à deriva das políticas educativas, traduzidas em medidas avulsas muitas vezes incompetentes, insustentáveis e incompreensíveis, tentativas de reforma em várias direcções, quase nunca avaliadas e tudo isto assente numa máquina pesadíssima, burocratizada e ineficaz cuja forma de funcionar alimenta a sua própria existência. Aliás, há uns meses atrás o Ministro defendia a implosão do Ministério.
Por outro lado, a educação, pelo impacto social e dimensão do seu universo, tem sido nas últimas décadas um espaço permanente de crispação decorrente da afirmação dos interesses partidários decorrentes dos contextos políticos produzidos pela partidocracia em cada momento histórico. Tal situação tem transportado para a escola um universo de ruído e crispação que, obviamente, é mais um enorme constrangimento, ao trabalho de qualidade dos alunos, professores e funcionários.
É evidente a necessidade de discutir as políticas educativas e, certamente, existirão diferentes entendimentos, é desejável e promotor do desenvolvimento. A questão é que, em muitas circunstâncias, não se discutem políticas educativas mas defendem-se interesse corporativos. Nesta matéria, provavelmente, todos teremos responsabilidades.
De facto, avaliação dos docentes não será a questão fundamental da educação. Mas a justiça, a equidade, a promoção do mérito, a defesa da qualidade na seu trabalho são aspectos essenciais e imprescindíveis.

O RAPAZ QUE NÃO GOSTAVA DE ESCREVER

Era uma vez um Rapaz. Tinha sete anos e andava na escola. O Rapaz não era muito bom aluno. Para dizer a verdade até era mau aluno. Lia com alguma dificuldade, atrapalhava-se muito nas contas e em outras coisas da escola, mas escrever era o seu maior problema. Dava muitos erros e não gostava nada, mas mesmo nada, de escrever. Fingia sempre que tinha alguma coisa para tentar fugir à escrita.
A professora já não sabia o que fazer. Achava que o Rapaz era inteligente, sabia muitas coisas que gostava de mostrar. Sabia conversar muito bem e, mais do que qualquer outro colega, inventava histórias muito bonitas e cheias de coisas imaginadas. Tendo, sem resultado, procurado ajuda dentro dos seus livros e da sua experiência, a professora resolveu, sem grande esperança, perguntar ao Rapaz por que motivo, com tantas histórias bonitas para contar, não queria escrever.
O Rapaz pensou um pouco e com um ar muito sério disse “Mas eu quero escrever, a sério, quer mesmo, a minha mão é que não”.
A professora pegou-lhe na mão que não gostava de escrever, escondeu-a no meio das suas e disse muito baixinho umas palavras que o Rapaz não percebeu. “Que disseste à minha mão?”, perguntou o Rapaz.
Um segredo. Para ela gostar de escrever”, disse a professora.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

OS TIMONEIROS E OS REMADORES

Uma vez as diferentes terras decidiram realizar provas de canoagem. Cada canoa tinha onze tripulantes.
Depois de várias provas verificava-se que a canoa que representava aquela terra onde acontecem coisas ficava quase sempre em último lugar. Tentando perceber a razão de tão magros resultados os responsáveis daquela terra criaram um grupo de trabalho para analisar a questão e, naturalmente, propor soluções.
Os estudos mostraram que, de uma forma geral, as canoas das outras terras tinham um timoneiro e dez remadores enquanto que a canoa da terra onde acontecem coisas tinha um director-geral, dois assessores, dois subdirectores-gerais, dois directores de serviço, três chefes de divisão e um remador.
Ao constatar tal cenário o grupo de trabalho logo viu a razão dos sucessivos maus resultados e promoveu as mudanças necessárias. Assim, a tripulação passou a contar com um director-geral, um assessor, dois subdirectores-gerais, dois directores de serviço, quatro chefes de divisão e procederam também à substituição do remador. Acontece que nas provas seguintes os resultados continuaram a ser péssimos e houve necessidade de se tomarem, finalmente, medidas drásticas. A toda a tripulação foi atribuído um aumento de vencimento e um prémio de produtividade à excepção do remador que foi despedido com justa causa após um processo que evidenciou inaptidão funcional.
Serve esta história para comentar a notícia do da redução das chefias na administração pública, no caso na Segurança Social, que só a crise e a imposição do governo no exterior, a chamada Troika, vieram desencadear. Há algumas semanas um trabalho sobre esta matéria publicado pelo I referia que, em termos genéricos, a administração pública apresenta um rácio de 1 dirigente para 45 trabalhadores, existindo serviços em que a relação é de um para cinco.
Curiosamente e como sabem, continua na na agenda a flexibilização do despedimento dos remadores

COM QUOTAS PARA A EXCELÊNCIA, SÓ PODERÁ HAVER UM MINISTRO EXCELENTE. Estamos tramados

Segundo o Público de hoje, o MEC terá recuado na intenção de isentar da avaliação os professores em final de carreira, a partir do 8º escalão. Do meu ponto de vista é uma boa decisão pois a proposta decorria do princípio base de que a avaliação tem como fim último e quase exclusivo, ordenar a progressão na carreira, o que me parece pouco. A avaliação é uma ferramenta de desenvolvimento profissional e de promoção da qualidade, pelo que deve estar sempre presente.
No entanto, ao manter as quotas continua no limite a entender que a avaliação se destina “apenas” a estruturar a progressão na carreira. Como de há muito defendo e insisto, numa perspectiva de defesa do mérito é impossível defender que administrativamente se estabeleça o número de profissionais excelentes num determinado grupo, ou seja, à luz de todos os critérios utilizados, um profissional é excelente mas, por razões administrativas não pode ser classificado como tal e ver reconhecida a sua competência.
Argumenta-se que as quotas estão previstas no SIADAP e, por isso, têm que ser respeitadas. Não percebo a argumentação, temos inúmeros exemplo de disposições legais incompetentes, desajustadas e que carecem de modificação. Aliás, a situação assim posta é preocupante pois se aplicarmos os 5% de excelência aos ministros, só um será Excelente. Estamos tramados.
O Ministro Nuno Crato há dias afirmava em defesa das quotas que "não podemos ser todos excelentes". É óbvio, é para isso que serve a avaliação, se for bem feita, rigorosa e competente será capaz de discriminar a excelência. Estranho é alguém ser reconhecidamente excelente mas não caber no número de excelentes estabelecidos e, assim, não aceder à classificação que o seu mérito exige.
Continuo a insistir na existência de um pecado original neste processo, a colagem "automática" da avaliação de desempenho à progressão na carreira. Não tem que ser assim. A progressão na carreira deve assentar em concursos abertos, transparentes e de entre os critérios a utilizar deverá, naturalmente, constar a avaliação de desempenho. Neste cenário, os docentes classificados com notas mais altas terão mais probabilidade de aceder a escalões superiores. Nesta perspectiva, qualquer profissional que à luz dos critérios utilizados, sejam eles quais forem, mereça a classificação de excelente, deve tê-la. É assim que se discrimina e promove o mérito.
Como muitas vezes tenho aqui afirmado não é possível dizer a alguém, "à luz de todos os critérios és, reconhecidamente, um professor excelente, mas já não cabes, não podes ter excelente, tem paciência fica para a próxima".
Finalmente, acredito que a defesa a quotas representa, no limite, a falta de confiança no sistema de avaliação.

DE PEQUENINO É QUE ...

Como muitas vezes aqui tenho referido, a falta de respostas e recursos a preços acessíveis para o acolhimento a crianças dos 0 aos 3 anos é um dos grandes obstáculos a projectos familiares que incluam filhos, levando aos conhecidos e reconhecidos baixos níveis de natalidade entre nós, 30 % das mulheres portuguesas têm apenas um filho.
A alteração dos estilos de vida, a mobilidade e a litoralização do país, levam à dispersão da família alargada de modo a que os jovens casais dependem quase exclusivamente de respostas institucionais que, ou não existem, ou são demasiado caras. Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que é, naturalmente, um forte constrangimento um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos.
Neste quadro, parece francamente uma boa notícia o aumento que será hoje anunciado pelo governo de 20 000 lugares em creches e centros de dia. Parece-me ainda positivo que este aumento seja também conseguido através de um entendimento mais racional e desburocratizado dos normativos sobre equipamentos desde que, obviamente, estejam garantidos padrões adequados de qualidade, conforto e segurança. É conhecido por quem se move neste universo, a existência de exigências perfeitamente aberrantes num país como o nosso contidas nas normas relativas aos equipamentos socais que, muitas vezes, não são garante de qualidade mas sim um obstáculo, às vezes intransponível, à resposta necessária.
Sabemos todos como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...
Assim, o aumento significativo da resposta ao nível da creche é, seguramente, uma aposta no futuro e, por isso, merece registo.

CÃO TRISTE, DE MEDO

Não sei exactamente porquê mas tenho um enorme medo a cães, e o meu Faísca sabia disso, abusava como cão esperto que era. Nunca me sinto confortável ao pé de um, grande ou pequeno, com aspecto mansinho ou mais bravo.
Ontem à noite, no cumprimento da responsável e estimulante tarefa de levar o lixo ao contentor, vejo no meu percurso um cão, um cão grande. Ao vê-lo, ainda a uns metros, pensei logo em recuar mas, inspirado certamente pela coragem que está no património genético dos portugueses e que nos predispõe para os grandes feitos, segui o meu caminho. O cão grande, já perto, olhou para mim com um ar tão triste que até me doeu, passou apressado para o outro lado da estrada e correu assustado. De tão triste, não percebeu que me fez mais medo do que alguma vez eu lhe faria a ele.
Tenho a sensação de que a nossa vida contém cada vez mais episódios deste tipo. Gente triste, assustada, que foge de outra gente tão assustada quanto a primeira. Falta perceber se estamos tristes porque temos medo ou se, pelo contrário, temos medo porque estamos tristes. Por vezes ainda fica mais estranho, para combater o medo, maltratamos. Quase sempre os mais vulneráveis, os miúdos, por exemplo.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A IRREVERSIBILIDADE DE UM MAU COMEÇO

O JN de hoje aborda uma matéria, com chamada à primeira página, que já há alguns dias aqui referi e que me parece preocupante, as famílias de alunos com direito ao apoio social escolar devem proceder à aquisição dos manuais escolares e, posteriormente, aguardar o reembolso.
Apesar de alguma redução do número de alunos apoiados, devida aos cortes nos apoios sociais, existem largos milhares de alunos envolvidos nesta situação. É conhecida a significativa degradação das condições de vida de muitas famílias levando a um aumento exponencial, por exemplo, de pedidos de assistência alimentar.
Neste cenário, é quase certo que uma boa parte das famílias sentirão a maior das dificuldades para assegurar a compra dos manuais escolares acrescida dos incontornáveis e, muitas vezes, desnecessários, cadernos de exercícios, de actividades, etc., para além, é claro, da lista sem fim de outros materiais cujo preço total ultrapassa, em média, mais de 200 €. Algumas escolas desenvolvem iniciativas junto de fornecedores criando uma espécie de linha de crédito procurando minimizar as dificuldades das famílias mas, no entanto, o problema persiste e é grave.
Sabemos também que muito do trabalho em sala de aula assenta, do meu ponto de vista excessivamente, na utilização do manuais, costumo referir-me a um ensino demasiado "manualizado".
De todo este quadro resulta uma situação em que muitos alunos poderão começar as aulas sem os materiais que a escola entende como necessários às aprendizagens o que, obviamente, compromete o bom arranque do ano lectivo e, portanto, o sucesso desejado. O insucesso educativo continua a ter uma forte marca de classe, atingindo, sobretudo, os grupos mais vulneráveis.
A situação que parece vir a instalar-se será um bom contributo para a manutenção deste enunciado.
Em educação é muito difícil combater a irreversibilidade de um mau começo.

DESENCONTRADA MENTE

Desencontrada mente,
Inesperada mente,
Activa mente,
Alegre mente,
Inteligente mente,
Inoportuna mente,
Desalinhada mente,
Apressada mente,
Surpreendente mente,
Delicada mente,
Viva mente,
Simples mente,
Feliz mente,
A dos miúdos.

domingo, 28 de agosto de 2011

AFINAL ...

Não se admitirão "jobs for the boys". Afinal, aconteceram as nomeações para a aumentada administração da CGD, em anunciado emagrecimento, e em que está claramente em causa um conflito de interesses em alguns dos novos administradores.
Actuação do estado será transparente. Afinal, o negócio com o BIC sobre o BPN não foi propriamente um modelo de transparência.
A ser necessário um aumento de impostos incidirá sobre o consumo e não sobre o trabalho, disse o Primeiro-ministro. Afinal, cerca de metade do subsídio de Natal vai ser, por assim dizer, cativado pelo Estado. E o mais que adiante se verá.
Os gabinetes ministeriais terão de ser exemplos de contenção e austeridade, disse-se. Afinal, segundo o Público, em dois meses aconteceram 500 nomeações. Em alguns casos, a informação disponibilizada, designadamente no que se refere a vencimentos, mostra situações curiosíssimas com disparidades, no mínimo estranhas.
Acontece ainda que muitas das nomeações são de "especialistas", um processo que mais não passa de uma habilidade para fugir à impossibilidade de contratação por parte dos gabinetes e tem sido condenado pelo Tribunal de Contas. O número de nomeações é da mesma natureza dos governos de Sócrates, Santana Lopes e Durão Barroso.
Afinal, lembro-me que nem sequer as moscas, algumas moscas, são muito diferentes.

sábado, 27 de agosto de 2011

OS BRANDOS COSTUMES

O Presidente da República, desta vez sem recorrer ao Facebook, alerta para o perigo decorrente do excesso de sacrifícios exigidos ao “cidadão comum”. Não entendo bem este aviso pois é sabido que estão anunciados e previstos novos pacotes da chamada austeridade que, para não variar, complicam ainda mais as condiçoes de vida de milhões de portugueses.
A preocupação do Presidente fez-me lembrar que há algum tempo, uma entidade basicamente desconhecida para a esmagadora maioria de nós, a Aon Risk Solutions, nos colocava no lote dos países com algum risco de violência pública em consequência da crise e da austeridade. Esta entidade terá a mesma isenção que as famosas agências de rating pois é parte interessada na avaliação, ou seja, quanto maior for o risco, maiores serão os encargos com seguros e, portanto, a favor dos interesses das seguradoras que financiam a Aon Risk Solutions. Ao que parece, a avaliação de risco assentou nos exemplos de outros países, designadamente da Grécia.
Se conhecessem o nosso país, as nossas particularidades, veriam como o risco de violência pública é baixo como, aliás, veio afirmar o responsável pelo Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo.
De facto, somos reconhecidamente um país de brandos costumes, somos um povo discreto. Não abusamos da violência e quando o fazemos é no recato do lar ou, quando muito, no quintal.
A nossa violência, é uma violência de proximidade, violência doméstica em números muito elevados, umas tareias nos miúdos a ver se eles aprendem, uma sacholada ou tiro num vizinho por causa de uma partilha ou de uma pinga de água, pouco mais do que isso. Por vezes, lá trocamos uns sopapos ou coisa pior por causa de um desaguisado de trânsito, mas nada que possa configurar violência pública ou convulsão social graves.
Somos mesmo um povo tranquilo e de brandos costumes, algo que os estrangeiros, quase sempre, referem como característica nossa.
A questão é que, como dizia Camões, todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Um dia cansamo-nos de ser bons rapazes.

UMAS NOTAS NO FEMININO

Há uns minutos, num jornal televisivo vi a escritora Maria Teresa Horta, no seu jeito aguerrido, sustentar a continuidade de uma mentalidade machista na nossa sociedade apesar de alguma mudança nos últimos anos. Ilustrou o seu entendimento com várias situações como os números da violência doméstica, discriminação salarial, a presença das mulheres na política ou em lugares de chefia, etc.
No Público de hoje refere-se a situação das docentes que cumpriram interrupções por maternidade pelo que, na interpretação do MEC, não cumpriram o tempo mínimo de serviço na escola que lhes permita ser avaliadas. Tal entendimento tem implicações negativas na carreira destas professoras e é claramente um constrangimento a projectos de maternidade que ajudem a minimizar o inverno demográfico que vivemos.
Curiosamente, sempre no feminino, o CM titula em primeira página que uma mulher, armada, actuando só, já realizou dois assaltos a dependências bancárias.
Numa outra notícia de rodapé, no JN noticia-se que a dona de uma ourivesaria conseguiu evitar, afugentando o assaltante armado, um assalto à sua ourivesaria.
Finalmente, um caso de discriminação positiva, a referência a um estudo da Comissão Europeia informando que, em idade activa, morrem duas vezes mais homens que mulheres na Europa.
Assim se completam umas notas de um só género.

O HOMEM DISCRETO

Era uma vez um Homem discreto, o mais discreto dos Homens. O seu grande desejo era, em qualquer circunstância, passar o mais despercebidamente que conseguisse.
Já em criança, ficava muito quieto numa sombra a ver se ninguém dava por ele. Enquanto jovem, vivia nos cantos da vida e aprendeu a esconder-se com um livro.
Quando chegou a Homem, sempre com o desejo de que não reparassem nele, escolheu o lado só da vida e arranjou um trabalho tão discreto quanto ele, atrás de um ecrã.
Um dia, já velho, esqueceu-se de acordar. Ninguém sentiu a sua falta.
Só ele, o Homem discreto, sentiu falta de si.
Mas já era tarde.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A DEPURALINA

Parece um bom sinal. O Governo decidiu restringir a criação de empresas municipais e aumentar o controlo sobre estas estruturas. Parece-me necessário ir mais longe mas será um passo positivo.
Lamento que só a situação de aperto que vivemos e a pressão do governo exterior, a “troika”, tenham sido capazes de nos obrigar a esta decisão.
De facto, parece sempre mais óbvio e fácil taxar o rendimento do trabalho e o consumo, não tardará mais um aumento em sede de IVA. No entanto, de há muito que a grande via para o equilíbrio deveria assentar no abaixamento da despesa, do desperdício que se criou para alimentar clientelas de natureza variada. Há muito por fazer e por onde provocar, como se costuma dizer, o emagrecimento do estado.
Existem milhares de institutos, fundações, entidades e organismos públicos cuja eficácia é mais do que duvidosa. Só pelo facto de existirem são um sorvedouro de dinheiros públicos. Salários elevados da administração e chefias, máquina administrativa, edifícios e manutenção, logística e funcionamento, veículos afectos, etc. constituem-se como um saco de desperdício sem fundo. Os serviços de consultoria e aquisição de serviços em "outsourcing" são uma praga de altíssimo custo.
Na gestão autárquica existem centenas de empresas municipais com competências ininteligíveis e eficácia não perceptível, também com custos imensos só por existirem.
Os modelos de funcionamento em muitos organismos públicos centrais e locais são um convite ao desperdício sem controlo.
Como é evidente este universo está estruturado desde sempre para servir as clientelas que sustentam a partidocracia, por isso, nenhum dos partidos ligados ao poder tem estado verdadeiramente interessado em mexer na estrutura que justamente suporta esse poder.
Talvez a pressão exterior, que nos deveria embaraçar mas a ética em política tem caído em desuso, obrigue a que finalmente se recorra seriamente à depuralina, a substância que, diz a publicidade, liberta os organismos dos conteúdos tóxicos e da gordura.

O RAPAZ QUE ERA PEIXE

Era uma vez um Rapaz que tinha, não se percebia bem, mas aí uns doze anos e andava numa escola. Parecia mais velho. Era um bocado diferente dos outros alunos. O aspecto dele não bem igual ao dos outros, às vezes não falava, parecia, com as mesmas palavras dos outros, não olhava para os adultos da mesma maneira que os outros, não fazia os trabalhos da escola da mesma forma que os outros. Às vezes nem os fazia, os de casa então, nunca. Mas a diferença maior era no modo como o Rapaz era gente. Era inquieto, sempre com perguntas, às vezes estúpidas para arreliar os professores, diziam eles. Era irrequieto, sempre em movimento como quem tem pressa sem saber para quê. Era falador quando devia estar calado e calava-se quando lhe pediam para falar. Era, parecia, desinteressado nas coisas das aulas, sempre com ar de não perceber porque teria de aprender aquilo. Era um cabeça no ar, diziam-lhe, o que até achava estranho pois em que sítio quereriam que tivesse a cabeça? No chão? Os professores tinham alguma dificuldade em perceber o Rapaz.
Um dia, a conversar com o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, os professores mais novos contaram-lhe o Rapaz. Depois de os ouvir e naquele jeito de falar baixinho o Professor Velho falou.
“O Rapaz é um peixe e o aquário dele ainda não é a escola. É assim tão agitado para ver se respira. Vejam lá de que aquário veio, tragam alguma água desse aquário e misturem-na com a água deste aquário, a escola”.
E lá foi nadando para o meio dos livros.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

POBREZA E VELHICE

Segundo os dados disponíveis do INE a taxa de risco de pobreza na velhice tem subido e a actual situação de crise potencia exponencialmente esse risco. No ano passado, de acordo com o Eurobarómetro sobre os impactos sociais da crise, os portugueses tinham como preocupação fundamental a pobreza, 91% dos inquiridos, e a velhice, 69% dos inquiridos.
Como é evidente o contexto de vida actual é ameaçador da qualidade de vida de boa parte da população idosa que já de há muito carrega um fardo pesado de carências severas suportadas por pensões e reformas, em alguns casos, insustentavelmente baixas..
Temos vindo a assistir a um acréscimo de dificuldades das organizações de solidariedade social no providenciar de apoios às dificuldades crescentes da população, sobretudo à mais idosa, e retorna a mendicidade ou o bater à porta das instituições, porventura de forma mais envergonhada e a atingir camadas diferentes.
Muitas vezes trata-se de gente que integra um grupo que designo por transparente, ou seja, os que preferimos não ver. São pessoas, geralmente, velhos ou desempregados, com olhos tão tristes e tão pesados que até dói enfrentar. Assumem uma postura tão despojada e embaraçada que nos deixam mais embaraçados. Muitos deles conseguem, ainda, evidenciar uma dignidade tão estranha que nos intimida e se torna difícil suportar. Este grupo, que, muitas vezes, “recusamos” ver e evitamos cruzar o seu caminho, daí chamar-lhe transparente, é, sobretudo, a face gritante do falhanço mais estrondoso do mundo actual, a pobreza.
E, como sabemos, não é fácil assumir e encarar os nossos falhanços, condição primeira para a mudança.

SÓ PRECISA DE UM MAS TEM QUE LEVAR DOZE

Passados dois anos sobre a legislação que passou a permitir a venda de alguns medicamentos em quantidades individualizadas, a chamada unidose, segundo o Público, a farmácia do Hospital de S. João, no Porto, foi até hoje a única que recebeu autorização para o fazer. Terá existido uma outra candidatura que não se concretizou.
Não conheço naturalmente, os meandros deste complexo universo do medicamento. Apenas sei, é público, que somos dos países que mais gastamos em fármacos e que esta despesa tem um peso importante no orçamento do SNS.
Tenho alguma dificuldade em perceber a razão da quase nula adesão ao princípio da unidose mas acredito dever-se à acção do lobby da Apifarma e da Associação Nacional de Farmácias.
Não entendo porque não são desencadeadas medidas que visem aumentar e incentivar o recurso à unidose. A manutenção desta situação, servindo naturalmente os interesses de fabricantes e distribuidores de medicamentos, é altamente penalizante para o consumidor que compra o que não precisa e para o estado que gasta milhões de euros em comparticipações para produtos que não vão ser utilizados.
Há uns meses atrás, a realização de um exame de rotina obrigou-me à toma de um, apenas um, comprimido. Dirigi-me à farmácia e, fui obrigado a isso, comprei uma embalagem de 12 com o óbvio desperdício do restante.
Apesar da pressão e das “desvantagens” e “riscos” referidos pela indústria, importa que se assuma a coragem de medidas políticas acertadas defensoras da economia, da eficácia e do combate ao desperdício. Cada vez mais a voz dos cidadãos tem que causar sobressaltos, não é só na vida política.

ENCONTRO DE TRABALHO

Era uma vez dois amigos, o Rapaz e a Rapariga, que se tinham conhecido no jardim-de-infância. Tendo seguido caminhos diferentes passou tempo sem se reencontrarem o que aconteceu naquele dia numa paragem de autocarros.
Tu és o Rapaz?
Sou e tu és a Rapariga, não és?
Sou. Há quanto tempo! Que andas a fazer?
Estou a trabalhar. Deram-me um contrato primeiro por nove anos e agora por mais três. Quero ver se me aguento, depois logo se vê. Há malta que não aguenta e sai.
Como é que é?
Tem dias. Há muita gente e por isso é animado. Não se trabalha sempre na mesma secção, mas faz-se quase sempre a mesma coisa em cada uma. O pessoal que está orientar, é como em tudo, uns sabem e são porreiros, outros nem por isso. Com estes o pessoal às vezes desatina um bocado. O pior é que é muito tempo. Raramente fazemos menos de 40 horas, há quem faça mais e ouvi dizer que vai aumentar e, quase todos os dias, ainda há trabalho para fazer em casa. O trabalho umas vezes é mais difícil, outras vezes mais fácil. Tenho que andar sempre com um saco de material às costas, o comer é manhoso, às vezes faltam condições e o pessoal que organiza o trabalho anda para lá todo agitado com uns problemas deles. Ainda não nos começaram a pagar. Dizem que só lá mais para a frente, se nos esforçarmos agora, é que a gente vai ver que ganha bem. Estou para ver. Bom, e tu?
É mais ou menos a mesma cena. Onde é que trabalhas?
Ando na Escola de Vale do Norte, e tu?
Ando na Escola de Vale do Sul.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

OS RICOS SAMARITANOS

Depois de algumas iniciativas em vários países, a mais mediatizada das quais foi o texto de Warren Buffet nos EUA, também em Portugal se tentou perceber a disponibilidade dos mais ricos para uma contribuição "especial" para minimizar as dificuldades dos país. Das respostas ouvidas, merece registo a afirmação de Américo Amorim, "Não me considero rico. Sou um trabalhador", tendo-se verificado nas opiniões alguma ambiguidade na disponibilidade para "ajudar".
Sobre esta matéria, algumas notas. Em Portugal verifica-se uma das maiores assimetrias da Europa entre a minoria mais favorecida e os mais pobres. Sabe-se que um dos efeitos perversos da crise tem sido o acentuar generalizado desta assimetria, cá e noutras paragens.
Como algmas vezes oiço alguém referir, falamos de pobreza, quando o nosso problema é com a riqueza, está mal distribuída e todos queremos ser ricos, muito ricos. É neste quadro que se acentua e promove a desregulação que leva ao enorme fosso entre os mais ricos e os mais pobres.
Por outro lado, é evidente o lado simbólico deste ataque de bom coração e de solidariedade dos muitos ricos, fica-lhes bem e entendem-no como responsabilidade social.
Do meu ponto de vista é também uma medida inteligente face aos seus interesses. Se a crise for ultrapassada sem sobressaltos, não se alterará o sistema que a produziu, o mesmo sistema que produz a sua mega riqueza pelo que a sua "ajuda" de agora é apenas um bom investimento na manutenção das condições de geração de riqueza tal como têm estado, mercados desregulados, paraísos fiscais, desigualdade fiscal, sistemas de justiça protectores dos interesses mais poderosos, etc. Parece-me bem pensado.
A questão central não é a disponibilidade de alguns muito ricos para, a título excepcional, pagar um imposto extra, é a vontade política para ajustar modelos de desenvolvimento e regulação dos mercados.
O que eu gostava de saber é se existe a disponibilidade dos mais ricos para estas alterações, de estrutura e não de conjuntura.

O RAPAZ TRANSPARENTE

Era uma vez um Rapaz. Tinha oito anos e andava numa escola, no segundo ano. Quase não se dava por ele. “Nem pareces deste tempo Rapaz!”, diziam as professoras. Sempre quieto, ninguém o ouvia gritar ou falar alto . Na verdade o Rapaz pouco falava. Se lhe perguntavam alguma coisa, de olhos no chão falava umas palavras pequenas e baixas que, às vezes, mal se percebiam.
Andava devagar e quase sempre era o último a acabar as tarefas. De tal maneira que às vezes até se esqueciam que ele estava na sala. No recreio da escola ele era gente da mesma maneira, a sua maneira, mais a um canto ou ao pé do tronco da árvore grande brincava só ou com uma Rapariga do segundo ano que também não falava muito, mas lá se entendiam, com os olhos e com as mãos. Como sabem os olhos e as mãos também falam.
Na escola havia uma Empregada com cara de avó, daquelas avós boas que gostam da gente e nos deixam fazer disparates, que todos os dias se metia com o Rapaz e também com a rapariga. “Não estejam sempre calados. Falem com os outros, mexam-se. Façam umas asneiras, mas não das grandes. Qualquer dia ficam transparentes, já nem vos vêem”.
A Empregada com cara de avó sabia da sua vida no meio dos putos que alguns, com o tempo, ficam transparentes. Pouca gente já consegue reparar neles.
Só Empregadas com cara de avó.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

O CABO DOS TRABALHOS

Quando eu era miúdo usava-se com frequência a expressão "o cabo dos trabalhos" para designar algum problema ou situação mais difícil de ultrapassar.
Lembrei-me desta frase a propósito da afirmação do Secretário de Estado-adjunto, Carlos Moedas, de que há ainda muito "trabalho por fazer". A tradução desta frase parece clara, as dificuldades e sacrifícios estão longe de desaparecer, antes pelo contrário, vão avolumar-se. Apesar dos sucessivos alertas de vários quadrantes, por exemplo do ex-bispo de Setúbal, sobre o impacto social e as reacções imprevisíveis dos cidadãos a novas medidas do que se convencionou chamar de "austeridade", o rumo parece ser a penalização mais óbvia dos rendimentos(?) do trabalho e a taxação do consumo.
No Público do passado Domingo mostrava-se o universo de habilidades fiscais e administrativas de que a quase totalidade das grandes empresas e grupos económicos se servem para contornar a fiscalidade em Portugal, o recurso a paraísos fiscais é esmagador nos números e afrontoso na ética e equidade, mas como disse na altura, o dinheiro não tem pátria, ética ou moral.
Hoje no I pode ver-se o que o jornal chamou "o monstro da Madeira" a enorme máquina administrativa e a quantidade de empresas públicas que custam milhões, muitos milhões, aos contribuintes sem eficácia e justificação, situação que tem, obviamente paralelo em todo o território nacional.
Por outro lado, as contas públicas hoje divulgadas não são particularmente animadoras, acentuando o clima recessivo em que mergulhámos pelo que não auguram nada de bom.
Definitivamente, isto vai ser o cabo dos trabalhos.

A HISTÓRIA DO GATO ARREDIO

Era uma vez um gato. Como todos os gatos era muito independente e este gostava ainda mais que os outros de se sentir independente. Pensava para consigo que não queria precisar de ninguém e não queria que ninguém precisasse dele. Assim, quando conhecia alguém de novo, gato ou pessoa, tentava não se aproximar muito para não correr o risco de ficar a gostar, ele dizia precisar. Também se esforçava, achava ele, para que quem de novo aparecesse não ficasse a gostar dele, precisar como ele pensava.
Um dia, daqueles dias frios e com chuva, o gato olhou para dentro de si e viu uma solidão muito grande, maior que ele, e de fora ninguém se aproximava para tentar entrar. Sentiu-se o gato mais infeliz do mundo.
Há muitas pessoas assim, com medo de gostar dos outros e com medo de deixar os outros gostar de si. Fazem da sua vida uma espécie de jogo infantil do “toca e foge”.
Um dia deixam de tocar e já não precisam de fugir. Ninguém vem atrás.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A DEFESA DAS QUOTAS PARECE INCOMPATÍVEL COM A DEFESA DO MÉRITO

Estando em discussão, de há muito, o modelo de avaliação dos professores, torna-se difícil não abordar tal matéria.
Como muitas tezes tenho afirmado e é notório no discurso de muitos dos envolvidos, uma das questões centrais é a questão das quotas, um número administrativamente determinado de pessoas classificadas com as notas mais altas.
Como de há muito defendo, numa perspectiva de defesa do mérito é impossível sustentar que administrativamente se estabelece o número de profissionais excelentes num determinado grupo, ou seja, à luz de todos os critérios utilizados, um profissional é excelente mas, por razões administrativas não pode ser classificado como tal e ver reconhecida a sua competência.
Argumenta-se que as quotas estão previstas no SIADAP e, por isso, têm que ser respeitadas. Não percebo a argumentação, temos inúmeros exemplo de disposições legais incompetentes, desajustadas e que carecem de modificação. Se bem se recordam, já esteve na lei a proibição da liberdade de opinião e a proibição de realização de greve, neste momento estão definidos como direitos, felizmente.
O Ministro Nuno Crato há dias afirmava em defesa das quotas que "não podemos ser todos excelentes". É óbvio, é para isso que serve a avaliação, se for bem feita, rigorosa e competente será capaz de discriminar a excelência. Estranho é alguém ser reconhecidamente excelente mas não caber no número de excelentes estabelecidos e, assim, não aceder à classificação que o seu mérito exige.
Toda esta questão radica numa espécie de pecado original deste processo que é a colagem "automática" da avaliação de desempenho à progressão na carreira. Não tem que ser assim. A progressão na carreira deve assentar em concursos abertos, transparentes e de entre os critérios a utilizar deverá, naturalmente, constar a avaliação de desempenho. Neste cenário, os docentes classificados com notas mais altas terão mais probabilidade de aceder a escalões superiores.
Nesta perspectiva, qualquer profissional que à luz dos critérios utilizados, sejam eles quais forem, mereça a classificação de excelente, deve tê-la. É assim que se discrimina e promove o mérito.
Como muitas vezes tenho aqui afirmado não é possível dizer a alguém, "à luz de todos os critérios és, reconhecidamente, um professor excelente, mas já não cabes, não podes ter excelente, tem paciência fica para a próxima".
Finalmente, acredito que a defesa da existência de quotas representa, no limite, a falta de confiança no sistema de avaliação.

O MIÚDO DOS DESATINOS

Era uma vez um rapaz, pequenino, daqueles que agora inventaram que só fazem o que querem, quando querem e onde querem. Como é natural, os pais, volta e meia, ficavam embaraçados com os desatinos do menino. Em casa ainda vá que não vá, estavam sós e ninguém reparava. Mas fora de casa o rapaz parecia que fazia de propósito arranjando confusão e fazendo disparates nas situações mais inconvenientes.
Um dia, estava a mãe a passear com o rapaz no jardim e ele, como de costume, corria atrás dos pombos, interrompia brincadeiras doutros miúdos, atirava pedras aos patos do lago e o mais que a sua imaginação sugeria. A mãe, envergonhada, assistia discretamente e, apesar da inutilidade, de vez em quando chamava-o. Um velho que passava, reparou na cena e dirigiu-se à mãe, “Menino traquinas o seu não é?”. “Nem me fale, não faço nada dele”. O velho ficou mais uns minutos a ler e a pensar o rapaz e disse à mãe que, querendo ela, no dia a seguir lhe daria algo que talvez ajudasse. A mãe, apesar de desconfiada, disse que viria.
Quando chegou, o velho deu-lhe uma caixa e disse-lhe para que, sempre que o rapaz fosse começar uma das suas travessuras, ela lhe desse a mão com muita força, lhe oferecesse uma daquelas coisas que estava na caixa e lhe contasse uma história, sempre de mão dada. Quando a mãe abriu a caixa apenas encontrou folhas de papel que tinham escrito com uma letra muito bonita, "Gosto muito de ti mas NÃO permito que faças isso".

domingo, 21 de agosto de 2011

TRINTA ANOS DE EXPERIÊNCIA OU TRINTA VEZES O PRIMEIRO ANO?

Como já referi no Atenta Inquietude, a proposta de que os professores em fim de carreira não sejam sujeitos a avaliação decorre, do meu ponto de vista, do pecado original dos modelos de avaliação dos docentes que têm vigorado e se propõe que vigorem, colar a avaliação à progressão na carreira. Daqui decorre que, se estes professores não precisam de progredir, não precisam de avaliação o que me parece insustentável face ao que se entende como papel central da avaliação, uma ferramenta de promoção da qualidade, no início, no meio ou no fim da carreira.
Por outro lado, esta proposta de isenção, como alguns têm referido, produz ainda uma espécie de elite, que substitui os insustentáveis "professores titulares", cerca de 40 000, perto de um terço dos docentes que, naturalmente, ficarão divididos, numa boa jogada do ponto de vista político. O Professor Nuno Crato aprende depressa.
Finalmente, a propósito da antiguidade ser entendida como qualidade, deixo um pequeníssimo registo do que eu costumo designar por micro-histórias da escola.
Era uma vez uma professora mais velha que, para impressionar os mais novos, dizia que já tinha trinta anos de experiência pelo que, obviamente, tinha razão, sempre. Um professor mais novo perguntou-lhe se tinha mesmo trinta anos de experiência ou trinta vezes o primeiro ano. A professora mais velha não percebeu.

sábado, 20 de agosto de 2011

RECORRE, A NOTA SOBE QUASE SEMPRE

Segundo dados do MEC, referidos no CM, dos cerca de 6 300 pedidos de reapreciação dos exames do ensino secundário, 66,02% subiram a nota, 13,28% desceram e 20,7% mantiveram a classificação inicial.
Este cenário, um pedido elevado de reapreciações e um resultado final desta natureza, dois terços dos exames sobem a classificação e apenas um em cada cinco a mantêm tem sido habitual nos últimos anos. Do meu ponto de vista, é uma situação estranha e que mina de forma severa a credibilidade e confiança no sistema de avaliação.
Sabe-se que a avaliação escolar contém uma incontornável dimensão de subjectividade, por isso, é necessário um trabalho muito consistente ao nível da qualidade dos exames, da solidez, clareza e coerência dos critérios de avaliação e, naturalmente, da competência dos avaliadores. Estes aspectos foram, aliás, objecto de muitas referências na imprensa durante a época de exames.
Como explicar tal número de recursos acolhidos? Como confiar na avaliação se muitos professores aconselham os alunos a recorrer pois a probabilidade de verem a nota alterada é grande?
É fundamental que se reflicta sobre esta situação e que os exames e a sua classificação mereçam a confiança de alunos e famílias.

O HOMEM QUE TINHA UMA VIDA CHATA

Era uma vez um Homem. Era cinzento, com um ar entre o triste e o zangado, assim uma daquelas pessoas a quem parece que a vida lhes deve sempre alguma coisa. Tinha um trabalho sem mais interesse do que a sua manutenção, uma mulher chata que depois do jantar, da novela e do ajeitar dos filhos, a frase mais estimulante que conseguia articular era qualquer coisa do tipo “amanhã não te esqueças do pão”.
Os filhos, rapaz e rapariga, usavam permanentemente uns auscultadores, barreira para a conversa, pequena que fosse. Os amigos, com quem já pouco se dava, pareciam que também não estavam muito interessados na sua companhia. A família, na sua maioria, era uma lembrança de quando era pequeno, até a pessoa de que ele mais gostava, a irmã, vivia longe.
Os seus dias cumpriam-se rigorosamente iguais, com as mesmas rotinas, o mesmo desencanto e a mesma desesperança de quem não acredita, em nada. Mesmo os fins-de-semana eram passados entre a cama e o sofá, sempre com a televisão por perto. Esta vida durou anos e nada se alterou. Na verdade, os filhos cresceram, partiram para cumprir a sua estrada, a mulher e ele próprio envelheceram, mas a vida, essa permaneceu como sempre. Um dia, recebeu a notícia de que já se podia reformar. Entrou em pânico.
Naquela terra os reformados tinham uma vida muito chata, mesmo cinzenta, e ele, ele não se sentia preparado para ter uma vida assim.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

OS LIMITES NO COMPORTAMENTO NÃO TÊM NADA DE "TEORICAMENTE ESTRANHO"

O Presidente da República interrompeu as suas férias para nos dizer que a proposta de fixar limites constitucionais ao défice orçamental, agora na agenda internacional, é “teoricamente estranha”, “reflecte uma enorme desconfiança dos decisores políticos em relação à sua própria capacidade de conduzir políticas orçamentais correctas”.
Eu sei, sou estúpido, é a economia. No entanto, dada a inimputabilidade que advém da estupidez, uma notas breves. Neste tempo em que a crise económica e as suas consequências mais graves, sobretudo o desemprego, cortes salariais e aumento de impostos se abatem sobre as classes menos favorecidas, aparecem de todo o lado as vozes a clamar pelos sacrifícios e a identificar as medidas redentoras. A crise resultou, parece, de modelos errados e desregulados de desenvolvimento, do endeusamento do mercado, da ganância especulativa dos mercados financeiros com a complacência negligente, cúmplice ou incompetente das diversas entidades de supervisão, nacionais ou internacionais.
Neste contexto, acho de um atrevimento despudorado as opiniões de economistas, ex-ministros das finanças, empresários de "visão" e outros iluminados que tendo sido parte do problema durante décadas, como o caso do Professor Cavaco Silva, vêm agora para a praça pública diariamente exigir sacrifícios e propor medidas que, obviamente, não os atingirão, sabendo sempre o que deve ser feito.
Quando Cavaco Silva refere a desconfiança dos decisores face à sua própria capacidade de decidir bem, podemos imaginar a desconfiança que nós sentimos face a essa mesma capacidade. É que a maioria de nós é justamente quem mais sofre com as consequências dessas decisões.
Neste cenário, estabelecer limites ao défice por via da constituição, não tem nada de “teoricamente estranho”, antes pelo contrário, é a coisa mais prática que se pode pensar. Estabelecemos as regras para as actividades dos miúdos, eles não podem fazer o que lhes passa pela cabeça, como são novinhos e inexperientes, cabe-nos a nós esse papel orientador. Também os políticos, economistas e outros decisores não podem deixar-se entregues a si próprios e às suas ideias.
O resultado está a vista. E, lamentavelmente, ainda não vimos tudo.

O PONTO FINAL

Era uma vez um Homem que vivia cansado das conversas e discussões intermináveis e estéreis dos políticos e opinantes profissionais que, em todos os telejornais e noutros programas, lhe entravam pela casa dentro. Sempre desabafava desalentado. “Gostava de ser capaz de fazer com que esta gente se calasse ou falasse doutra coisa”. E isto repetia-se todos os dias, as conversas inúteis e o desabafo.
Um dia, o Filho do Homem depois de mais uma queixa disse “Já sei como resolves isso”. “Como?”, pergunta o Homem esperançado. “Com isto” e entrega-lhe um papel pequeno. O Homem olha e só vê um ponto no meio do papel. O Filho acrescenta. “É só um ponto, mas é dos bons. É um ponto final, parágrafo. A minha professora diz que serve para parar uma frase e mudar de assunto”.
A partir daquele dia, sempre que as tais conversas começavam, o Homem e o Filho punham-lhe o ponto final, parágrafo e conversavam os dois.
Com a televisão apagada.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

OS FOGOS, COMO SEMPRE

Apesar de alguma aparente evolução, quando chegam os primeiros dias de calor a sério surgem os fogos, sempre.
Este ano, ao que parece os meios disponíveis diminuíram e as condições climatéricas têm sido genericamente favoráveis, não tem havido calor em excesso apesar de muitos dias ventosos. Todos os anos somos informados de melhorias nos dispositivos de prevenção e combate, no aumento de meios à disposição, etc. Entretanto, quando a comunicação social, de forma frequentemente desajeitada, começa a mostrar o "terreno", o "cenário dantesco", a ouvir "moradores que passaram uma noite em branco", a ouvir o "senhor comandante dos bombeiros", a referir os "meio aéreos, dois Canadairs e um Kamov", a ouvir os "responsáveis locais ou regionais da protecção civil", parece um filme sempre visto e sem surpresas. É evidente que temperaturas muito altas e vento são condições desfavoráveis e que a negligência e delinquência dão um contributo fortíssimo ao inferno que sobressalta cada Verão.
Sem nenhuma espécie de conhecimento destas matérias, para além do interesse e preocupação de um cidadão atento e preocupado com os custos enormes destes cenários de destruição, tenho alguma dificuldade, considerando a dimensão do nosso país, em compreender a inevitabilidade destes cenários. Os espanhóis têm por costume afirmar que os incêndios se combatem no inverno, nós combatemo-los no inferno.
Trata-se de um destino que não pode ser evitado? Trata-se de uma área de negócios, a fileira do fogo, que, pelos muitos milhões que envolve, importa manter e fazer funcionar sazonalmente? Trata-se "só" de incompetência na decisão política em termos de resposta e prevenção? Trata-se da falência de modelos de desenvolvimento facilitadores de desertificação e abandono, designadamente das área rurais?
Acresce que em Portugal passamos o ano todo a apagar fogos de diferentes naturezas e implicações.

TGV

O TGV voltou hoje em força à agenda depois de algum tempo em banho-maria e continua, como sempre, em estudo, inconclusivo. Uns são favoráveis, sempre foram. Outros são desfavoráveis, sempre foram. Alguns outros são favoráveis ou desfavoráveis conforme o tempo e a circunstância. Também tenho, naturalmente, a minha opinião sobre o TGV, não sou particularmente adepto desta ideia e da atitude que se instalou, TGV, Tudo a Grande Velocidade.
De facto, acho que vivemos a vida a uma velocidade que lhe retira qualidade.
O tempo, bem cada vez mais escasso e precioso, não chega para toda a “montanha” de coisas “super-importantes” e “fantásticas” que temos de fazer pelo que “passa a correr”.
Corremos para o trabalho e para casa, falta o tempo para os miúdos que correm para a escola e da escola para “imensas” actividades que fazem “super-bem” a “montes” de aspectos.
Tudo é urgente, tudo é para ontem. Com dúvidas sobre o amanhã, tudo tem que acontecer hoje.
Comemos à pressa, em pé, dormimos à pressa, falamos, quando falamos, à pressa, amamos à pressa. O problema, como se sabe, é que depressa e bem, não há quem.
É por isso, e porque cada dia dou mais valor ao tempo, que não simpatizo com o TGV, Tudo a Grande Velocidade.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A DESATENÇÃO NEGLIGENTE

Após mais um acidente com feridos jovens, a queda da arriba na praia em Peniche, o Provedor de Justiça vem sugerir que os pais responsáveis pelo negligente cumprimento de instruções de protecção, possam ser denunciados à Segurança Social ou às Comissões de Protecção de Menores.
Não imagino qual o acolhimento que tal sugestão do Provedor possa merecer, quer por parte das autoridades, quer, também, por parte dos cidadãos, mas parece-me importante o alerta para a negligência.
Somos de há muito um dos países europeus com mais alta taxa de acidentes domésticos envolvendo crianças. São conhecidos, por exemplo, os números altíssimos de quedas e afogamentos que todos os anos se verificam.
Curiosamente, nunca como se agora se produziram discursos em torno da preocupação com as crianças e com o seu bem-estar.
No entanto, sendo verdade que, se por um lado, protegemos as crianças de forma que, do meu ponto de vista, me parece excessiva face às suas necessidades de autonomia e desenvolvimento, por outro lado, continuamos a adoptar atitudes e comportamentos altamente negligentes e facilitadores de acidentes que, frequentemente, têm consequências trágicas. Parece-me também de recordar que a negligência não está só por detrás dos acidentes com resultados pesados e mediáticos. Esconde-se, também, por exemplo, no abandono dos miúdos, entregues a ecrãs, ou numa alimentação descuidada provocadora de problemas de saúde a prazo. Também encontramos negligência em algumas famílias na regulação e orientação dos comportamentos dos miúdos, deixando que eles cresçam sem regras e limites como se comprova com a forma como alguns miúdos se transformam em ditadores familiares pretendendo, naturalmente, estender o seu "reinado" a outros contextos, como a escola.
Não pretendo com estas notas tecer qualquer tipo de discurso fundamentalista ou negativo. Apenas me parece que é imprescindível estar atento aos miúdos, ao seu bem-estar, minimizando riscos e prevenindo a posterior lamentação inútil.

OS CUSTOS DE UM ENSINO "UNIVERSAL, OBRIGATÓRIO E GRATUITO"

A APEL divulgou que o aumento dos manuais escolares para o ensino básico será de 1,13%, abaixo, portanto, da inflação, sendo que os manuais do secundário não terão aumento. Há dias foi divulgado, sem desmentido, que o Ministério terá determinado que as escolas informassem os pais de alunos carenciados para proceder à aquisição dos manuais escolares e aguardar o posterior reembolso.
Algumas notas sobre a questão dos manuais escolares e que já aqui abordámos. A Constituição da República estabelece no Artigo 74º que “Compete ao Estado assegurar o Ensino Básico universal, obrigatório e gratuito”.
Segundo a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros os manuais obrigatórios representam um encargo superior a 80 milhões de euros para as famílias de 1,4 milhões de alunos, são conhecidos os ajustamentos nas regras e destinatários dos apoios sociais escolares, temos cerca de dois milhões de portugueses em risco de pobreza e um terço das famílias a viver mesmo encostadas a esse limiar. Acresce ainda que ao custo com os manuais se deve acrescentar o encargo com material escolar e livros de apoio sempre “sugeridos” pelas escolas e que determinam, de acordo com o INE, que as famílias portuguesas gastem mais que a média europeia em educação. Basta atentar na agressividade do mercado nesta altura em que se aproxima o início do ano lectivo.
A questão dos manuais escolares é complexa. Depois da abolição do execrável livro único de natureza totalitária e da proliferação de manuais aos milhares parece ter-se entrado numa fase de alguma estabilidade, (apesar das mudanças, necessárias, nos programas) e, sobretudo, da necessária qualidade, ainda que insuficientemente regulada.
No entanto, do meu ponto de vista, importa questionar não só o papel dos manuais mas, fundamentalmente, da quantidade enorme de outros materiais que os acompanham e que contribuem de forma muito significativa para o aumento da factura dos custos familiares com a educação potenciando injustiça e desigualdade de oportunidades. De facto, para além de imenso material de outra natureza, temos em cada área programática ou disciplina uma enorme gama de cadernos de fichas, cadernos de exercícios, cadernos de actividades, materiais de exploração, etc. etc. que submergem os alunos e oneram as bolsas familiares, até porque muitos destes materiais não são incluídos nos apoios sociais escolares. Em muitas salas de aula verifica-se a tentação de substituir a “ensinagem”, o acto de ensinar, pela “manualização” ou “cadernização” do trabalho dos alunos, ou seja, a acção do professor é, sobretudo, orientar o preenchimento dos diferentes dispositivos que os alunos carregam nas mochilas.
Esta questão, que não me parece suficientemente reflectida nas suas implicações acaba por baixar a qualidade das aprendizagens e apesar de se promover algum controlo da qualidade dos manuais, o mesmo não se verifica com os chamados materiais de apoio o que envolve custos pesados de natureza diversa.

AS FÉRIAS DO CAJÓ

O meu amigo Cajó, o mecânico do Punto kitado, adorou as férias que, como sempre, passou na tenda que a sogra, a D. Gorete, tem alugada o ano inteiro no parque de campismo da Costa. É uma tenda grande com dois quartos e um avançado onde está o assador e a mesinha da televisão. As tendas estão um bocado em cima umas das outras, tanto que a D. Júlia, da tenda ao lado, vê a novela da tarde no aparelho da sogra do Cajó sentada no avançado da sua tenda. É tudo gente fixe, está-se bem.
O Cajó carregou o Punto à maneira, até lhe pôs umas barras que tinha lá na oficina para levar as cadeiras de plástico para a família e os colchões enrolados. Embora o tempo estivesse um bocado manhoso, o Cajó teve sorte com a semaninha passada na Costa.
De manhã, depois da bica, ia com a Odete e os miúdos até à praia, mas pouco tempo, que o Cajó não é menino de estar a torrar ao sol. Entretinha-se com as vistas que a praia por acaso até é muito bem frequentada, se estava maré para isso apanhava umas cadelinhas e lá pelo meio dia deixava a Odete e os miúdos e vinha adiantar o almoço. No assador tratava das sardinhas que o sogro, o Sr. Abel, tinha ido buscar à praça. O Cajó fazia questão de as assar, ele é que tem o toque que elas precisam. Bom, era um cheirinho a sardinhas naquele parque que até chegava à praia. Com uma saladinha à maneira uma garrafinha de branco bem fresquinha graças ao frigorífico pequenino muito jeitoso que a D. Gorete tinha comprado para ter no parque, estavam 5 estrelas.
Depois da sardinhada ia com O Sr. Abel tomar a bica e meio uísque ao bar do parque e ficavam na palheta com o pessoal que já conhecia dos outros anos. Entretanto, a Odete e a sogra ficavam no avançado a ver televisão e os miúdos iam brincar com os outros ou jogar playstation. Ao fim da tarde, o Cajó ia com a malta dar uns toques para o campo de futebol de salão que há lá no parque, o desporto faz bem e até abre o apetite. Para o jantar, a família abria umas conservas ou ia buscar um franguinho assado ao café do Passarinho, ali bem perto do parque que era bem bom, em conta e marchava com uma saladinha e umas "bejecas". É preciso poupar e até dizem que as conservas são boas para a saúde. À noite ia até ao bar do parque jogar uma suecada e aí estava um dia perfeito. Todas noites, quando voltava para a tenda com o Sr. Abel, o Cajó lhe dizia, “isto é que são umas férias, a porra é que prá semana já tou na oficina a vergar a mola”.
Só havia uma coisinha que chateava o Cajó. Na tenda da D. Gorete tinha que dormir com a Odete e os miúdos, a Micas e o Tólicas, no mesmo espaço e de dia estava sempre gente à volta, de maneira que, estão a ver, sente falta da Odete. É pá, mas não se pode ter tudo, pensava o Cajó antes de adormecer a sonhar com as sardinhas do almoço servidas por aquela miúda “podre de boa” que entra na novela que a D. Gorete e a Odete não perdem.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

O CIDADÃO ADOECE E PAGA, O DINHEIRO FOGE E O PAÍS CAI

A 1ª página do CM de hoje fornece um retrato fiel de boa parte da nossa realidade. Vejamos os títulos em destaque.
"117 000 trabalhadores em baixa médica", os números referem-se a Junho e, segundo o jornal durante um só mês 24 000 pessoas entraram em baixa médica, cerca de 800 por dia, sendo que até entre a população desempregada se recorre ao "atestadozinho" para manter o ameaçado subsídio.
A segunda referência da 1º página remete para um cálculo de cerca de 9 milhões de euros por dia a deslocaram-se para paraísos fiscais entre Janeiro e Junho. O receio das mudanças fiscais tem acelerado esta fuga de capitais. Estes movimentos entre Janeiro e Maio são superiores ao valor do imposto extraordinário entretanto estabelecido.
A terceira nota é relativa ao desabamento da arriba em Peniche, felizmente sem danos muito severos. A arriba estava na lista das mais perigosas, aguarda consolidação e as pessoas, apesar dos avisos colocados, estavam à sua beira naquela atitude que nos é tão cara, "os gajos não sabem, isto não cai".
Este quadro é de facto revelador. Os trabalhadores a adoecer e a pagar, o dinheiro a voar e o país a cair com a gente por baixo.
A que parece, o prognóstico é reservado.

AFINAL SER GORDO, PODE NÃO SER MAU, POR ASSIM DIZER. Obrigado

É certo que estamos em plena "silly season", no auge das férias, para mais num feriado, mas a leitura da imprensa diária continua um exercício deprimente. No entanto, de longe a longe lá vem algo que nos deixa melhor com o mundo.
No CM, cita-se um estudo realizado pela Universidade de York, Canadá, segundo o qual as pessoas com excesso de peso que levam uma vida saudável podem viver tanto como as magras e estão até menos propensas a desenvolver problemas cardiovasculares. Mais se dizia, "Os resultados questionam a ideia de que todos os obesos necessitam de perder peso", desde que se assuma um estilo de vida saudável que inclua alguma actividade física e uma dieta equilibrada com muita fruta e verdura.
Devo confessar que a notícia me dispôs bem. Alivia-me o desespero de não ver alterada a colocação dos ponteiros da balança mesmo após umas horas semanais de corrida e uma alimentação sem grandes erros (só mesmo, muito, muito, muito, muito, raramente).
Alivia-me a culpa e o desconforto da percepção de que o espelho me chama suicida inconsciente.
Agora já posso encarar com confiança na normal longevidade aqueles olhares superiores que alguns fundamentalistas me deitavam, pelo facto de usar camisas com mais riscas do que a generalidade das pessoas.
E até vou ser capaz de atirar com ar negligente uma piada sobre os magros que correm mais riscos de problemas cardiovasculares.
Estou a pensar seriamente em lançar na comunidade dos gordos, saudáveis, uma petição no sentido de pressionar o Instituto Karolinska para a atribuição do prémio Nobel da Medicina a este genial trabalho.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O (DES)EMPENHO DOS PROFESSORES

Das declarações de Nuno Crato que a imprensa de hoje veicula, para além da referência a que o modelo de avaliação de docentes está em aberto e, portanto sujeito a alterações, relevam afirmações como "mais que computadores ou quadros interactivos, o que mais falta faz nas escolas é empenho”, “haver mais disciplina e respeito pelos professores”, tanto da parte dos alunos como dos educadores.
Neste contexto, aparece-me importante reafirmar a centralidade a acção do professor, o seu empenho, bem como dos outros actores e importância da relação de "respeito" da comunidade para com os professores.
Socorrendo-me algumas notas de textos anteriores e começo por citar, o que faço com frequência, uma afirmação de 2000 do Council for Exceptional Children, "o factor individual mais contributivo para a qualidade da educação é a existência de um professor qualificado e empenhado".
Neste quadro, parece-me sempre importante sublinhar algo que de tão óbvio por vezes se esquece, a importância essencial e a responsabilidade que o trabalho dos professores assume na construção do futuro. Tudo passa pela escola e pela educação. Assim sendo, as mudanças na educação só podem ocorrer e ser bem sucedidas com o envolvimento dos professores.
No entanto, alguns dos discursos que de forma ligeira e muitas vezes ignorante ocupam tempo de antena na imprensa parecem esquecer a importância deste trabalho e das circunstâncias em que se desenvolve.
É difícil ser professor em algumas escolas que décadas de incompetência na gestão urbanística e consequente guetização social produziram.
A alteração de valores, padrões e estilos e vida das famílias fizeram derivar para a escola, para os professores, parte do papel que compete à família e nem sempre existem meios ou competência para estas novas solicitações.
Milhares de professores cumprem a sua carreira de poiso, em poiso, sem poiso e sem condições. E não nos esqueçamos também da imprescindível necessidade de que o seu trabalho seja avaliado através de dispositivos sólidos, eficazes e justos de forma a proteger a própria classe, os miúdos e as famílias.
A deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, tem criado instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Do meu ponto de vista alguns dos discursos dos representantes dos professores são parte deste problema.
Os professores são injustiçados na apreciações de muita gente que no minuto a seguir à afirmação de uma qualquer ignorante barbaridade, vai, numa espécie de exercício sadomasoquista, entregar os filhos nas mãos daqueles que destrata, depreendendo-se assim que, ou quer mal aos filhos ou desconhece os professores e os seus problemas.
É imprescindível que a educação e os problemas dos professores não sejam objecto de luta política baixa e desrespeitadora dos interesses dos miúdos, mesmo por parte dos que se assumem como seus representantes.
Os miúdos, pequenos e maiores, vêem e relacionam-se com os professores de uma forma muito influenciada pela visão e discurso dos adultos.
Sim, o empenho dos professores é determinante, mas, na esmagadora maioria dos casos não será o maior problema.

A HISTÓRIA DO CÃO QUE NÃO QUERIA TER UM DONO

Era uma vez um cão que não queria ter dono. Também não queria ser um cão vadio, perdido. Queria ser apenas um cão sem dono. Ele imaginava que se tivesse um dono haveria de ter uma trela e, assim, não poderia andar por onde gostava. Também achava que, tendo um dono, teria uma casa pequena, sem porta, onde mal se mexia em vez de encontrar abrigos diferentes ou visitar casas de pessoas diferentes. Se tivesse um dono teria, provavelmente, horários apertados e bem definidos para comer, dar uma volta (à trela, claro), alçar a perna e até, quem sabe, cruzar-se com uma eventual namorada a quem o dono certamente não permitiria dedicar mais do que um olhar.
Se tivesse um dono, provavelmente comeria sempre comida de cão enlatada, toda com o mesmo sabor, e tomaria um banho forçado e à vontade do dono, claro. Se o dono não tivesse filhos não poderia brincar com putos. Teria que fazer apenas as brincadeiras permitidas pelo dono. E teria que aprender umas habilidades parvas como sentar-se, deitar-se, dar a pata, etc. para o dono mostrar aos amigos como o seu cão é inteligente. Ah, também não poderia dar uma corrida atrás dos gatos. Não, definitivamente ele não queria ter um dono.
De repente, o som do despertador acordou o homem, tirou-o do seu sonho. Levantou-se, cumpriu todas as suas rotinas em casa e foi à sua rotina, perdão, à sua vida. De cão.

domingo, 14 de agosto de 2011

IRREQUIETOS, CANSADOS OU COM SONO?

O Público de hoje aborda a questão dos padrões de sono nos adolescentes. Segundo trabalhos coordenados pelas Professoras Teresa Paiva e Helena Rebelo Pinto mais de metade dos adolescentes inquiridos apresentam quadros de sonolência excessiva e evidenciam hábitos de sono pouco saudáveis. Esta constatação vai no mesmo sentido de outros trabalhos com crianças mais novas. A falta de qualidade do sono e do tempo necessário acaba, naturalmente, por comprometer a qualidade de vida das crianças e adolescentes.
Várias investigações sugerem que parte das alterações verificadas nos padrões e hábito relativos ao sono remetem para questões ligadas a stress familiar e sublinham o aumento das queixas relativas a sonolência e alterações comportamentais durante o dia.
É certo que as situações de stress familiar serão importantes mas parece-me necessário não esquecer alguns aspectos relacionados com os estilos de vida. Durante o dia, as crianças e adolescentes passam boa parte do seu tempo saltitando de actividade para actividade, passam tempos infindos na escola e, muitos deles, são pressionados para resultados de excelência. Segundo alguns estudos, perto de 50% das criança até aos 15 anos terão computador ou televisor no quarto, além do telemóvel.
Acontece que durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou telemóvel. Com é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida. Creio que, com alguma frequência, os comportamentos dos miúdos, sobretudo nos mais novos, que são de uma forma aligeirada remetidos para o saco sem fundo da hiperactividade e problemas de atenção, estarão associados aos seus hábitos e padrões de sono.
Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, eles próprios com níveis baixos de alfabetização informática. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais de forma a que a utilização imprescindível e útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

sábado, 13 de agosto de 2011

ÉS EXCELENTE, MAS JÁ NÃO CABES, TEM PACIÊNCIA (take 2)

Da proposta de avaliação dos professores ontem entregue pelo MEC aos seus representantes, apenas conheço o que a imprensa de hoje veiculou. Parece-me positivo o alargamento dos ciclos de avaliação, a utilização de avaliação externa, embora não para todos os docentes pelo que importará perceber como será operada e a maior responsabilização do Conselho Pedagógico. Um aspecto contemplado e que me parece discutível remete para o facto de os professores em final de carreira, a partir do 8º escalão, não estarem sujeitos a avaliação.
Esta decisão decorre, creio, do princípio base de que a avaliação tem como fim último e quase exclusivo, ordenar a progressão na carreira, o que me parece pouco. A avaliação é uma ferramenta de desenvolvimento profissional e de promoção da qualidade, pelo que deve estar sempre presente.
Este mesmo princípio, a avaliação destina-se “apenas” a estruturar a progressão na carreira, leva à questão central e que se mantém, a incontornável matéria das quotas.
A tutela, desde há muito, com o assentimento dos representantes dos professores, colou, erradamente, do meu ponto de vista, a avaliação à progressão na carreira. Já disse e repito, que a progressão na carreira me parece mais ajustada se for realizada através de concursos com critérios transparentes, entre os quais, obviamente, estará de forma valorizada a avaliação de desempenho ou seja, quando vários professores concorrerem a patamares acima na carreira, os que melhor desempenho tiverem, terão, naturalmente, mais probabilidades de progredirem.
Por outro lado, tenho a maior dificuldade em perceber como se pode promover o mérito se, simultaneamente, se definem quotas para a excelência. Mais uma vez vejamos. Se um qualquer profissional, à luz dos critérios, sejam quais forem, que avaliam a qualidade do seu desempenho, merecer uma avaliação de excelente, tem, necessariamente, de obter esse patamar, dizer-lhe que é excelente mas já não cabe na quota de excelência é atacar o mérito e incentivar a desmotivação.
Há uns anos, ouvi o anterior Primeiro-ministro defender a existência de quotas com o argumento de que um exército não pode ter só generais. É claro e é disparate mas colhe em algumas franjas. Um general e um soldado não têm as mesmas funções e, portanto, não são se imagina a mesma necessidade de efectivos. Um professor em início de carreira é tão professor como um colega em fim de carreira que pode desempenhar exactamente as mesmas funções, não tem nada a ver com quotas.
Do meu ponto de vista, a insistência, a acontecer, na manutenção de quotas é manter um terrível equívoco que se pode traduzir, simplificando, no enunciado, “és excelente, tem paciência, mas já não cabes”.
Não entendo.

SE EU SOUBESSE O QUE SEI HOJE

Era uma vez um rapaz que à frequente pergunta "Então que tal vai a vida?”, respondia invariavelmente, “Se eu soubesse o que sei hoje”.
Havia também um homem que à frequente pergunta “Então que tal vai a vida?”, respondia invariavelmente “Se eu soubesse o que sei hoje”. ,
Havia ainda uma mulher que à frequente pergunta “Então que tal vai a vida?”, respondia invariavelmente, “Se eu soubesse o que sei hoje”.
Havia também um velho que à frequente pergunta “Então que tal vai a vida?”, respondia invariavelmente, “Se eu soubesse o que sei hoje”.
Havia, finalmente, uma pessoa que sem ninguém lhe perguntar alguma coisa repetia constantemente, “Se eu soubesse o que sei hoje”. E quando ouviu, como todos os dias, o toque de aviso do encerramento do cemitério voltou a pensar, “Se eu soubesse o que sei hoje”.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A DIMENSÃO DAS TURMAS

O Ministério da Educacão e da Ciência decidiu que o número máximo de alunos por turma no 1º ciclo do ensino Básico passe de 24 para 26 alunos. Antes de algumas notas parece-me de relembrar que há uns meses circulava uma petição e foram apresentados na AR projectos de diploma do BE e do PCP, no sentido de se estabelecer que na constituição das turmas do pré-escolar e 1º ciclo, o número máximo de alunos passe de 24 para 19 e no 2º, 3º ciclo e ensino secundário diminua de 28 para 22. O MEC contrapõe e aumenta o número de alunos no 1º ciclo.
Por princípio, turmas menores, dentro de parâmetros razoáveis, favorecem a qualidade do trabalho dos professores e dos alunos com naturais consequências nos resultados escolares e no comportamento. No entanto, é também necessário considerar as diferenças de contexto, isto é, a população servida por cada escola, as característica da escola, a constituição do corpo docente, etc. Parece ainda de sublinhar que a qualidade e sucesso do trabalho de professores e alunos depende de múltiplos factores, sendo que a dimensão do grupo é apenas um, ou seja, mesmo que se reduzam turmas consideradas demasiado grandes, se não se verificarem alterações ao nível de prática e processos de organização e funcionamento da sala de aula, o impacto na qualidade e nos resultados será, certamente, baixo como, aliás, muitos estudos e a experiência mostram.
Acresce que é no 1º ciclo que se constrói um percurso de sucesso, como o povo diz, de pequenino é que ... ou, noutra versão o que nasce torto, tarde ou nunca ... e, portanto, importaria garantir, tanto quanto possível as condições de sucesso para quem inicia o seu trajecto educativo. Desse ponto de vista, o aumento da dimensão das turmas não é uma boa medida.
Como consequência das alterações na rede e na mobilidade de docentes resultarão muitos professores com horários zero, são recursos que já estão no sistema. Faria sentido que fossem aproveitados em trabalho de parceria pedagógica, na diminuição de alunos por turma ou na prestação de apoio a alunos que evidenciem dificuldades.
Sendo o sucesso nas aprendizagens e os problemas de comportamento duas áreas muito problemáticas, talvez o investimento resultante da presença de dois docentes, de turmas mais pequenas ou de mais apoios aos alunos compense os custos posteriores com o insucesso, as medidas remediativas ou, no fim da linha, a exclusão, com todas as consequências conhecidas.
É só fazer contas. E nisso o Ministro Nuno Crato é especialista.

A HISTÓRIA DA BIRRA

Era uma vez um miúdo, o Francisco, com três anos e pouco. Vivia com o pai Daniel, a mãe Maria, a irmã Joana e a avó Jacinta, muito velha e que às vezes inventava histórias esquisitas. Como muitas famílias naquela terra, saíam muito cedo de casa e voltavam já tarde. O Francisco para o Jardim de Infância, a Joana para a escola e tempos livres, chamam-lhe escola a tempo inteiro, o pai e a mãe para o trabalho e a avó para o centro de dia dos reformados. Quando chegavam a casa, o pai Daniel lia o jornal na sala, a mãe Maria dava banho ao Francisco e fazia o jantar, a irmã Joana fazia os trabalhos de casa e a avó dormia sentada no sofá e, no meio do sono, inventava histórias. Para despachar o , davam-lhe jantar primeiro e depois ele entretinha-se a brincar, só, enquanto o resto da família jantava a olhar para a televisão por causa de uma telenovela ou, tão somente, pelo hábito.
Um certo dia, o Francisco resolveu fazer uma birra das grandes para comer a sopa do jantar. A mãe Maria depois de cantar todas as cantigas que sabia, desesperou e chamou o pai Daniel que para entreter o Francisco fazia macaquices, veio também a irmã Joana que trouxe a playstation dela para o Francisco ver. Até a avó Jacinta se levantou do sofá e contava histórias antigas. E começaram a ser assim muito animadas as horas de jantar do Francisco, todos os dias.
Só ele sabia que com a birra conseguia que a família estivesse junta à volta dele. Sentia-se bem assim.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O ENCERRAMENTO DE ESCOLAS DO 1º CICLO. Sim, mas ...

Porque o encerramento de escolas continua na agenda e me parece justificar-se, aqui se retomam algumas notas de há algum tempo.
Durante décadas de Estado Novo, tivemos um país ruralizado e subdesenvolvido. Em termos educativos e com escolaridade obrigatória a ideia foi “levar uma escola onde houvesse uma criança”. Tal entendimento minimizava a mobilidade e a abertura sempre evitadas. No entanto, como é sabido, os movimentos migratórios e emigratórios explodiram e o interior entrou em processo de desertificação o que, em conjunto com a decisão de política educativa referida acima, criou um universo de milhares de escolas, sobretudo no 1º ciclo, pouquíssimos alunos. Como se torna evidente e nem discutindo os custos de funcionamento e manutenção de um sistema que admite escolas com 2, 3 ou 5 alunos, deve colocar-se a questão se tal sistema favorece a função e papel social e formativo da escola. Creio que não e a experiência e os estudos revelam isso mesmo. Parece pois ajustada a decisão de em muitas comunidades proceder a uma reorganização da rede de que hoje se escreveu mais um capítulo.
É também verdade que muitas vezes se afirma que a “morte da escola é a morte da aldeia”. No entanto, creio que será, pelo menos de considerar, que os modelos de desenvolvimento económico e social possam começar a matar as aldeias e, em consequência, liquidam os equipamentos sociais, e não afirmar sem dúvidas o contrário.
Neste cenário, a decisão de encerrar escolas não deve ser vista exclusivamente do ponto de vista administrativo e económico, não pode assentar em critérios cegos e generalizados esquecendo particularidades contextuais e, sobretudo, não servir como tudo parece servir em educação, para o jogo político.
Neste processo de reorganização da rede, de construção dos centros escolares e da constituição dos mega agrupamentos, a equipa anterior do ME estabeleceu como média os 1700 alunos e como limite os 3000. Estes números são completamente comprometedores da qualidade e, portanto, inaceitáveis e desejamos que não sejam considerados, a concentração excessiva de alunos não ocorre sem riscos.
De há muito que se sabe que um dos factores mais contributivos para o insucesso, absentismo e problemas de disciplina é o efectivo de escola. Não é certamente por acaso, ou por desperdício de recursos, que os melhores sistemas educativos, lá vem a Finlândia outra vez, e agora os Estados Unidos na luta pela requalificação da sua educação optam por estabelecimentos educativos que não ultrapassam a dimensão média de 500 alunos. Sabe-se, insisto, de há muito que o efectivo de escola está mais associado aos problemas que o efectivo de turma, ou seja, simplificando, é pior ter escolas muito grandes que turmas muito grandes.
As escolas muito grandes, com a presença de alunos com idades muito díspares, são autênticos barris de pólvora e contextos educativos que dificilmente promoverão sucesso e qualidade apesar do esforço de professores alunos, pais e funcionários.
Não conheço nenhuma justificação de natureza educativa que sustente a existência vantajosa de escolas grandes. A razão para a sua criação só pode, pois, advir da vontade de controlo político do sistema, menos escolas envolvem menos directores ou de questões economicistas que a prazo se revelarão com custos altíssimos pela ineficácia e problemas que se levantarão.
O bem-estar educativo dos miúdos é demasiado importante.

OS CRIMES DE VIOLAÇÃO E O SISTEMA DE JUSTIÇA

O número de casos registados de violação em 2010 foi de 424, o mais alto de sempre e que traduz a tendência de subida deste tipo de crime. É anda reconhecido que apesar do aumento registos, ocorrerão muitas outras situações que por diversas razões, a mais frequente será o pudor e a exposição a que muitas vezes as questões processuais obrigam, não serão objecto de queixa.
Por outro lado, parece-me também de salientar a forma como em algumas circunstâncias o próprio sistema de justiça lida com este crime e que pode induzir na vítima uma percepção de fragilidade pessoal ou da impunidade do agressor, são frequentes os casos de reincidência de indivíduos condenados por violação mas não sujeitos a penas de prisão e que o sistema já reconhece como predadores.
Está ainda na memória, foi há pouco tempo, o caso do médico psiquiatra do Porto acusado por uma paciente sua, grávida e com um quadro de depressão, de abuso sexual. Em tribunal de primeira instância os comportamentos são dados como provados e o cidadão condenado mas numa decisão absolutamente terrorista, em recurso, o tribunal da relação pronunciou-se pela absolvição do cidadão porque os actos, que continuaram dados como provados não são susceptíveis de se considerar violentos.
D facto, não terão existido agressões físicas muito sérias, a senhora não terá levado uns murros e, muito menos, facadas e tiros. Na verdade, a senhora em situação psicológica vulnerável, estava em acompanhamento clínico devido a depressão, foi só empurrada e pressionada com alguma assertividade, por assim dizer, a práticas que não queria e que certamente não fazem parte da abordagem terapêutica, o chamado acto médico.
Os doutos juízes da relação não vislumbraram sinal de ilícito e decidiram-se pela absolvição. Estes juízes, do alto da sua impunidade irresponsável, desconhecem o que são princípios éticos e valores que não podem ser hipotecados e branqueados por actos administrativos arbitrários e terroristas ainda que mascarados por uma linguagem indecifrável.
Em quem pode o cidadão confiar se o médico viola mas não bateu e o juiz o absolve porque só violou, não bateu?
Também por aqui se percebe porque razão muitas vítimas de violação não apresentam queixa.

OS MIÚDOS DESAPARECIDOS QUE ESTÃO À VISTA

O Relatório do SOS - Criança, uma iniciativa no âmbito do Instituto de Apoio à Criança, sinalizou 41 crianças desaparecidas durante o ano de 2010. Os motivos do desaparecimento bem como tempo de demora na recuperação foram extremamente diversificados.
Para além da devida atenção a esta séria questão que emerge recorrentemente em contextos de conflito familiar e que, felizmente, na quase totalidade acabam com o encontro da criança ou adolescente, aproveito para relembrar a situação que também afecta muitas crianças e jovens, as que estão desaparecidas mas, paradoxalmente, estão à vista. Eu explico, existem muitíssimas crianças e jovens que vivem à beira de pais e professores para os quais passam completamente despercebidas, são as que eu chamo de crianças transparentes, olhamos para elas, através delas, como se não existissem. Não estando desaparecidas, estão abandonadas. Algumas delas não possuem ferramentas interiores para lidar com tal abandono e desaparecem, mantendo-se à nossa vista, no primeiro buraco que a vida lhes proporcionar, um ecrã, outros companheiros tão abandonados quanto eles, abandonados, o consumo de algo que lhes faça companhia ou adrenalina de quem nada tem para perder.
Em boa parte das situações, por estes ninguém procura.
E eles perdem-se de vez.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O MAL-ESTAR COMO SEMENTE

Embora a escrita que vou deixando no Atenta Inquietude sempre remeta para a realidade nacional, a recente tragédia de Oslo e agora a turbulência que se vive em Inglaterra, levam-me a algumas notas que reconstruo a partir de um texto que há dias intitulei "Incubação do mal".
Na altura, para além do sentimento de dor e perda, creio que perplexidade será o que melhor caracterizaria a sociedade norueguesa nestes dias e estava patente nos testemunhos ouvidos na imprensa. Porquê? Porquê na Noruega, comunidade aberta, tolerante e segura? Porquê um norueguês e não um terrorista associado a redes conhecidas? Porquê? Porquê?
A dificuldade de responder a estas questões é da mesma ordem da dificuldade de encontrar meios seguros de evitar tragédias deste tipo. O episódio, com contornos semelhantes ao protagonizado por Timothy McVeigh que em Oklaoma, em 1995, causou 180 mortos e mais de 600 feridos, assumido por uma só pessoa, inteligente, socialmente integrada, numa sociedade aberta é, de facto, muito difícil de prevenir.
Agora a situação em Inglaterra traz como fenómeno "novo" que deixa toda a gente perplexa e sem saber muito bem como reagir ou intervir, o envolvimento de crianças e adolescentes em comportamentos surpreendentes pelo grau de destruição e pela ausência de controlo. Os comportamentos observados assemelham-se grotescamente a um videojogo violento com personagens reais.
A questão que me leva a estas notas é mais no sentido de tentarmos perceber um processo que designo como "incubação do mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas mas que, devagarinho, insidiosamente, começam interiormente a ganhar contornos que identificam os alvos, por vezes difusos, sentidos com os causadores desse mal-estar.
A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva possa drenar esse mal estar, nessa altura já ódio e agressividade, ou, a outra via, aumenta exponencialmente o risco de um pico que pode ser um tiroteio num liceu, a bomba meticulosamente e obsessivamente preparada ou o ataque a uma concentração de jovens de um partido que representa o "mal" ou a vinda para a rua numa espiral de violência cheia de "adrenalina", em nome de coisa nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói valores e gente.
Por mais policiada que seja uma sociedade é extraordinariamente difícil prevenir processos desta natureza em que o mal se vai incubando e em que as ferramentas de acção são acessíveis.
Como bem têm afirmado as autoridades norueguesas, a questão não é abdicar da abertura e da tolerância que caracteriza a sua, nossa, sociedade elevando o policiamento das comunidades a níveis asfixiantes. A questão, este tipo de questões, a iniciativa individual de natureza terrorista, ou os movimentos grupais descontrolados e reactivos, passará sobretudo por uma permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.
Na Noruega, na Inglaterra, nos Estados Unidos ou em Portugal.