domingo, 29 de março de 2009

DIREITOS DOS MIÚDOS? SÓ ATRAPALHAM

Há umas semanas atrás numa conversa informal com uma das mais interessantes figuras da sociedade portuguesa, o Dr. Laborinho Lúcio, chegávamos à conclusão que falar de ideologia nos tempos que correm é quase obsceno. Por razões de tempo só hoje consigo referir-me a uma entrevista inserta no Público no dia 25 de Março a um pediatra francês já reformado, Aldo Naouri, e que me deixou bastante preocupado. Esta entrevista é a prova de que não podemos deixar de ter posições ideológicas mesmo que em contra corrente, pois é uma das peças mais reaccionárias e fascistóides que nos últimos tempos vi escrita sobre educação mas que encontra certamente eco nos discursos ignorantes dos que entendem que os valores e a educação se instalam com um polícia dentro de casa. Vejamos algumas pérolas e umas notas que o espaço não deixa alongar.
Defendo uma educação sem relações democráticas, eles (as crianças) não têm direitos porque não são o centro do mundo”. Realmente, esta coisa dos direitos dos miúdos só atrapalham, já não os podemos pôr a trabalhar desde pequenos para aprenderem o que custa a vida, não lhes podemos bater quando e como queremos, etc.
Os pais dão a ordem, a criança executa. Claro que pode ser explicada mas só depois”. “Quando o pai explica uma ordem a relação vertical torna-se horizontal”. É o modelo educativo de Kim Il-sung. Relações bem verticais e nada de explicar ordens, manda quem pode, obedece quem deve.
(Mesmo quando erram ou são injustos), “Os pais nunca devem pedir desculpa, nunca temos de nos justificar”. Claro que esta ideia da infalibilidade e a arrogância de não admitir erros ou injustiças é positiva para as crianças. Nós também aceitamos que as autoridades cometam os crimes que a nós estão vedados porque, claro, eles são autoridades.
Os pais são permissivos porque a ideia da democracia e dos direitos está muito espalhada”. Eu a pensar que a permissividade dos pais tinha a ver com as suas (in)competências parentais e afinal, voltamos ao autor preferido do Dr. Naouri, Kim Il-sung, a culpa é da democracia e dos direitos. Também acho, os putos da Coreia do Norte e os seus pais são felizes sem democracia e sem direitos que só dão cabo das famílias.
Ao criar as crianças de um modo ditatorial e autoritário, vão aprender a reprimir-se e no futuro serão democratas”. Eis a formulação que nos enche de esperança quando olhamos para a China, Coreia do Norte, Irão, etc. As próximas gerações serão um baluarte de democracia, educação ditatorial e autoritária não lhes faltam.
Para finalizar uma referência aos costumes pois o Dr. Naouri também acha que os “filhos de divorciados também se divorciam mais e as crianças de famílias monoparentais vivem sós”. O Papa também acha que o preservativo aumenta a SIDA. Alguma direita portuguesa vai, certamente, sentir-se inspirada neste discurso, tal como disse de início, estamos a falar de ideologias.
Como alternativa, e para não argumentar com os milhares de pais que fazem excelente trabalho com os seus filhos sem hipotecarem direitos e valores democráticos, deixo-vos com alguns excertos da conversa ontem divulgada pela Lusa com um psicólogo de educação espanhol, Guillermo Ballenato, “Para educar não existem varinhas de condão nem receitas, mas o afecto, o diálogo, a autoridade, o respeito e a transmissão dos valores humanos são chaves fundamentais para uma educação equilibrada”, “A autoridade é necessária, mas tem de ser aplicada com competência e equilíbrio, porque na verdade, defende, um pai ou uma mãe que grita ou castiga não tem mais autoridade por isso”e, finalmente, “uma criança que não é educada no respeito das regras será provavelmente no futuro um jovem e um adulto inadaptado, conflituoso, isolado e socialmente rejeitado".
Peço-vos desculpa pelo espaço, mas não vale tudo e os putos merecem, mesmo que o Dr. Naouri não entenda isso, os direitos dos miúdos.

2 comentários:

Anónimo disse...

Boa noite.
Acabei de ler este artigo, postado noutro sitio, e assustou-me a reacção das pessoas que leram e comentaram, pois concordam. A sensação com que fico é que hoje existe uma grande confusão entre a educação de há poucas décadas e os muitos exemplos a que hoje assistimos fruto de práticas parentais que de facto não querem repetir a mesma educação repressiva que tiveram, e acabam por ter práticas menos adequadas, pela falta de referências. Mas não podemos cair neste exagero...de contrário nada aprendemos, e o tempo não volta atrás, felizmente.
Gostei deste post.

Maria Antónia

Zé Morgado disse...

Lamentavelmente, este discurso sobre repressão e autoridade é um discurso que vai colando. Sinais dos tempos