quarta-feira, 30 de abril de 2008

O "CHUMBO ESCOLAR", PARTE 2

O trabalho hoje divulgado pelo Público sobre os “chumbos” escolares, trazendo de novo a pertinente abordagem ao impacto financeiro do “chumbo”, reforça o que de há muito se sabe e que aqui já abordámos. Os estudos internacionais mostram que Portugal tem ao mesmo tempo, surpreendentemente para alguns, níveis altíssimos de insucesso e níveis altíssimos de “chumbos”. No mesmo sentido parece importante sublinhar que os países com mais altas taxas de sucesso escolar não prevêem na organização dos seus sistemas a figura "chumbo", sobretudo para alunos mais novos. É interessante recordar que o Público, há uns meses atrás, ouviu um elemento da Embaixada da Finlândia sobre as eventuais razões para o seu baixíssimo insucesso. O elemento ouvido referiu como bases do sucesso, “diagnóstico precoce de problemas e dispositivos de apoio a todos os alunos”, “orientação e aconselhamento a todos os alunos ao longo do ensino básico” assegurando “bem-estar físico, psicológico e social”.
Os estudos internacionais também mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é, para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso. Os franceses utilizam a fórmula “qui redouble, redoublera” quando se referem a esta questão. Não se prova, portanto, a ideia de que reprovar mais, produz mais sucesso, sobretudo quando chumbar é apenas uma medida administrativa.
A grande questão é pois, se não “chumbamos”, ou mesmo chumbando que fazer no sentido de contrariar a “fatalidade” das estatísticas. Por comparação ainda com o que se passa na Finlândia, em Portugal, frequentemente, não se procede ao “diagnóstico de dificuldades”, estabelece-se a impressão de que “se não aprende é porque não tem capacidades ou a família não funciona” pois não existem, na maioria das escolas, recursos qualificados e organizados de apoio educativo para este diagnóstico e consequente intervenção. Daí os planos de recuperação que a legislação prevê, serem, frequentemente, um enunciado de lugares comuns do tipo “dever ser assíduo” ou “deve fazer os trabalhos de casa”. Depois vem o “chumbo”, a seguir “mais do mesmo”, novo “chumbo”, e o aluno entra na estatística do insucesso e/ou abandono. Por curiosidade, em 2006, (a situação não se alterou) e segundo relatório do ME, existiam 519 serviços de psicologia e orientação no subsistema oficial. Este número significa 640 técnicos, um serviço por cada 26 escolas, um técnico por cada 2317 alunos. Elucidativo e animador, o apoio e orientação disponíveis para os alunos.

O RAPAZ QUE NÃO SABIA LER

Era uma vez um Jovem. Não era um jovem como os outros. Tinha, diziam, uma deficiência mental. O Jovem em todo o tempo que andou na escola nunca aprendeu a ler, ou nunca lhe ensinaram, ou ainda, nunca terá perdido o medo de aprender. Talvez seja melhor aceitar que tem uma deficiência pois, como toda a gente sabe, os deficientes não aprendem a ler. O Jovem gostava muito de fazer bonecos com material que encontrava como cartão e embalagens de plástico. E fazia coisas bem giras, eu vi algumas, mas o que ele adorava mesmo era estar com os miúdos de um ATL a ensinar-lhes a fazer os seus bonecos. Aí era um Professor. Um dia o Jovem ia a passear com uma Professora e quando passavam ao pé de uma biblioteca o Jovem disse que às vezes ia lá mas não sabia ler. “Vês as ilustrações dos livros”, comentou a Professora.
“Professora, eu não sei ler mas sei imaginar”, disse o Jovem que fazia bonecos espantosos, ensinava os pequenos e não sabia ler.

terça-feira, 29 de abril de 2008

OLHEM PELO NOSSO CORAÇÃO

Sob a égide da Fundação Portuguesa de Cardiologia iniciam-se hoje as actividades integradas no mês do coração. Reflectindo sobre o período que atravessamos, para além dos habituais e fundamentais conselhos e chamadas de atenção, creio ser útil considerar outras precauções.
Recomenda-se ao Ministério da Educação o uso moderado de iniciativas legislativas que alterem o quadro de funcionamento das escolas e dos professores. Como é sabido, aumenta o stress, importante factor de risco cardíaco.
Seria desejável que o Dr. Pedro Santana Lopes nos proporcionasse alguma estabilidade nos seus discursos e trajecto, evitando sobretudo as habituais estratégias de vitimização pelo impacto emocional que pode assumir em corações mais frágeis.
Com a vida já atribulada que nos envolve, o risco de perturbações advindas do convívio diário com o Dr. Alberto João no continente é grande. Fique pois na Madeira, Dr. Alberto João.
Sugiro também que a Agência de Cunha Vaz pudesse desencadear junto da comunidade delinquente uma campanha de prevenção que a levasse a substituir o “carjacking” por outro tipo de actividades mais tranquilas como, os falsos peditórios, por exemplo. Também a mesma agência, com a sua extraordinária eficácia, poderia sensibilizar os adolescentes a utilizar os telemóveis exclusivamente para falar com os pais em caso de necessidade, o que nos pouparia os espectáculos de forte risco a que temos assistido.
Também me parece importante, agora que estamos a entrar no verão, que o Dr. Portas fechasse de vez o segundo botão da camisa. Existem muitos corações que batem excessivamente depressa com aquela visão. É um risco.
Aperta-se-me o coração só de pensar nestas coisas.

O RAPAZ EMBIRRANTE

Era uma vez um Rapaz. Lá na escola onde andava não se dava bem com os colegas. Até se dava mesmo mal. Passava o tempo a meter-se com eles, a atrapalhar o que estavam a fazer ou as brincadeiras do recreio. Entrava pelas conversas adentro. Era, como se costuma dizer, um rapaz embirrante, daqueles que aborrecem. Como era de esperar o Rapaz quase sempre acabava por ficar na outra margem dos grupos. Os professores iam tentando que as relações entre o rapaz e os colegas fossem melhores mas não conseguiam grandes resultados e, invariavelmente, chegavam à conclusão que, sendo o Rapaz tão embirrante, ninguém poderia gostar dele e, com aquele feitio, também não poderiam obrigar os colegas a tal. Uma vez comentaram esta situação com o Professor Velho, aquele que já não dava aulas e falava baixinho com os livros na biblioteca. O Professor Velho ouviu e pensou alto.
Os colegas não gostam do Rapaz porque perceberam que o Rapaz não gosta dele. Espreitem, com cuidado, para dentro do Rapaz e procurem perceber porque é que ele não gosta de si. As pessoas só gostam dos outros quando gostam de si.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

POR UMA CULTURA DE PROTECÇÃO DA CRIANÇA

O Instituto de Apoio à Criança desencadeou uma iniciativa no sentido de introduzir mudanças na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Risco. Um aspecto substantivo das alterações propostas pelo IAC e sustentadas por especialistas, prende-se com a clarificação do conceito jurídico de “Supremo interesse da criança” sublinhando a importância que deve ser dada às “relações biológicas profundas” num contexto ainda marcado pela importância dos laços biológicos. Num país em que o “supremo interesse da criança” coexiste com milhares de crianças e jovens privadas das condições mínimas de bem-estar biológico, afectivo e educativo, qualquer tentativa de clarificação e aumento de eficácia dos procedimentos de protecção é de saudar. Por outro lado, sabemos que existem, o trabalho jornalístico mostra-o, decisões jurídicas de regulamentação do poder paternal que, do ponto de vista da criança, são terroristas e, também por isso, importa criar os mecanismos legais que minimizem o risco de ocorrência destas situações. No entanto, continuo a afirmar que, para além de afinarmos os dispositivos jurídicos de apoio às crianças e jovens em risco, de optimizar os dispositivos de apoio institucional, precisamos sobretudo de, enquanto comunidade, desenvolver uma verdadeira cultura de protecção à criança e jovem.

O HOMEM DO AVESSO

Era uma vez um Homem que vivia do avesso, diziam as pessoas. Tudo começou cedo. Em pequeno o Homem chorava e fazia birras e os pais exclamavam “é mesmo ao avesso, não se cala com nada”. Ao entrar na escola, a situação manteve-se pois o Homem tinha tendência para fazer ao contrário do que lhe pediam, falava quando era para estar calado, imaginava quando era para copiar, protestava com facilidade e ria-se quando devia estar sério. Os professores sempre acharam que tinham um aluno do avesso. Quando acabou de crescer do avesso continuava, diziam. Arranjou um emprego esquisito, ganhando pouco, mas também trabalhando pouco, para ter tempo para ler. Ainda protestava, quando o tempo era de estar calado. Aliás, passava o tempo a dizer que as pessoas se calavam a tudo o que lhes acontecia. Nunca teve um carro e passava as curtas férias num banco de jardim onde continuava os seus protestos. Toda a gente achava que o Homem continuava do avesso.
Um dia, cansado, resolveu calar-se definitivamente. Ninguém mais lhe ouviu uma palavra. As pessoas afirmavam, “agora é um tipo às direitas” e o Homem ficou infeliz para sempre.

domingo, 27 de abril de 2008

TRÊS DESEJOS

(Foto de Adriane)

Ser eu.
Contigo.
Sempre.

DR. ALBERTO JOÃO, FIQUE

Eu fico. Há uns anos atrás este foi um slogan utilizado por Paulo Portas numa campanha para a Câmara de Lisboa. Seria desejável que o Dr. Alberto João o lembrasse e, sobretudo, o considerasse de forma séria. Fique na Madeira Dr. Alberto João. Vou tentar contribuir para a sua decisão com alguma justificação que me parece pertinente.
. Para um homem com o Dr. Alberto João, habituado ao aconchego da família e amigos, viver no meio dos cubanos, seria, seguramente, uma experiência terrível.
. O Dr. Alberto João, defensor extremo dos valores da família, não pode deixar milhares de madeirenses em estado de orfandade.
. O Dr. Alberto João com a sua política de eucalipto secou o meio à sua volta. A sua sucessão, com ele longe, transformará o PSD-Madeira num saco de gatos pior que o do Continente.
. O Dr. Alberto João, sendo um homem de fino trato e esmerada correcção nas relações pessoais, dificilmente sobreviria a um ambiente político como o que se vive actualmente em Lisboa.
. Se vier para Lisboa, o Dr. Alberto João deixa de poder tomar a sua dose diária de inaugurações. Considerando o seu estado clínico os efeitos podem ser graves.
. Aqui no continente muita gente não tem o sentido de humor que os madeirenses revelam. Aquelas piadas de requintado humor, que o Dr. Alberto João cultiva, talvez não tivessem tanto impacto. A sua vida poderia tornar-se uma apagada tristeza.
. Os continentais, fruto de muitos anos de inferno, não são, em regra, tão generosos como os madeirenses que vivem no paraíso criado pelo Dr. Alberto João. Assim, podem até não desculpar e não ser pacientes para com as intervenções do Dr. Alberto João. De repente, até pode perder o estatuto de inimputável.
Que o Dr. Alberto João não abandone os madeirenses.

sábado, 26 de abril de 2008

HISTÓRIAS

História de um diálogo entre o Rapaz, de cinco anos, e a sua Mãe, um pouco mais velha.
- Mãe, hoje lá na escola, o meu amigo Manel contou uma história que lhe tinha acontecido. Foi com o Pai à praia para lançar a voar um papagaio de papel muito grande, que o tio lhe tinha dado. Como estava muito vento foram agarrados ao papagaio. Disse que é bonito ver as casas lá de cima, ficam muito pequeninas. Andaram a voar muito tempo e só desceram quando o vento parou. É mesmo giro, o Manel e o Pai a voarem agarrados a um papagaio.
- Ó Rapaz, és mesmo parvo. Então tu acreditas em histórias dessas?
- Acredito e gosto de acreditar.
- Está bem, tu é que sabes. Olha, agora ficas a brincar sozinho que eu vou ver a novela da televisão. É tão bonita, parece mesmo verdadeira, às vezes até me faz chorar.

SUCESSO

Desde cedo começou a ouvir.
Ainda não está perfeito. Aguenta. Tens que te esforçar mais. Tens que ser o melhor. Não chores. Tens que estar na frente. Não desistas.
Durante algum tempo ainda ouviu.
Só os melhores, como tu, vencem. O sucesso vai fazer-te feliz. Não percas tempo. Tens que chegar lá. Não podes ficar para trás. O mundo não é para quem falha.
Um dia.
Foi perfeito, esforçou-se e conseguiu. Ninguém mais soube dele.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

JOVENS, POLÍTICA E POLÍTICOS

Na habitual liturgia comemorativa do 25 de Abril, o Presidente da República manifestou-se “impressionado” com a ignorância dos jovens sobre o significado da data e o seu impacto na nossa história recente, bem como com o seu afastamento da “política”. Como é também normal em tempos de “cooperação estratégica” o Engenheiro Sócrates apressou-se a concordar. Não consigo entender a perplexidade destas figuras. Felizmente, os jovens hoje defrontam-se com a conjuntura política, a qualidade contextual da democracia e não, como a minha geração, com a estrutura política, ou seja, a natureza do regime. Nesta perspectiva o que está em causa é a qualidade da vida democrática e é aqui que, creio, radica o afastamento dos jovens. Se olharmos à volta e reflectirmos sobre o passado próximo, a maioria dos protagonistas da cena política, de que as impressionadas figuras fazem parte, produz um espectáculo de uma qualidade confrangedora enredada em questões menores e com a ausência de projectos mobilizadores que, provocando cansaço e desencanto no cidadão civicamente atento, é completamente desmotivador para jovens já fortemente pressionados pela construção, bem difícil, dos seus projectos pessoais.
Como sempre, creio, que seria interessante ouvi-los sobre as suas perspectivas, as razões para o seu aparente afastamento e desinteresse por essa coisa, a política. Talvez muitos políticos percebessem que são parte do problema e não parte da solução.

UMA ESCOLA LÁ PARA TRÁS NO TEMPO

Lá para trás no tempo havia uma escola. Não era grande, nem pequena, era triste. A maioria das pessoas que por lá andavam era, naturalmente, triste. Mal se podia sair da escola para conhecer outras pessoas ou outras escolas, só mesmo quando se fugia daquela. As pessoas que mandavam na escola estabeleciam o que toda agente tinha de fazer, dizer e pensar. Quem pensasse, dissesse ou fizesse diferente podia até apanhar castigos, mesmo os professores, não eram só os alunos. Não se podia inventar histórias, as pessoas contavam só histórias já inventadas. Às vezes, os miúdos e os professores, às escondidas, inventavam histórias novas. A música que se podia ouvir naquela escola era uma música triste e sem graça, mas algumas das pessoas da escola conseguiam fazer umas músicas bonitas que se cantavam baixinho para as pessoas que mandavam na escola não ouvirem. Essas pessoas também queriam que não se soubesse o que se fazia e acontecia noutras escolas, por isso, os jornais que se faziam nas turmas da escola só podiam dar as notícias que eram autorizadas por quem mandava. E só se podiam ler os livros que existiam lá na escola. De vez em quando havia alguns alunos, professores ou outras pessoas que protestavam contra alguma coisa e lá iam para o castigo.
Eu andei naquela escola lá para trás no tempo. Por isso, quando falam da escola hoje, penso, nunca mais voltarei a andar naquela escola.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

CARTA DE INFELIZ PORTUGAL A PEDRO SANTANA LOPES

Meu caro Pedro Santana Lopes,
Acabei de saber que decidiu candidatar-se à liderança do PSD. Por mim disponha, são os riscos da democracia. No entanto, o que me leva a dirigir-lhe esta missiva, é ter afirmado que eu, Portugal, sou a razão pela qual se candidata. Por amor de Deus, saiba o Pedro que não sou merecedor de tal disponibilidade e sacrifício. Sei bem que a sua generosidade desinteressada lhe irá custar imenso. Desde logo, compromete a sua extensa e bem-sucedida carreira profissional. Em termos pessoais os custos são elevadíssimos pois sei como o Pedro é um reconhecido amante da discrição. Bem sabe o grau de exposição a que um líder partidário está sujeito e como o Pedro sofre com a exposição pública.
Por outro lado, meu caro Pedro, sendo um homem experiente nestas andanças, sabe que há sempre ingratos e incultos que não reconhecem e entendem a sua grandeza, capacidade política, coerência de ideias, humildade e, enfim, competência e que, por inconfessáveis interesses, assumem ostensivos e deselegantes comportamentos de injusta crítica e até, como já aconteceu, pode sempre haver alguém disposto a impedir que continue a tomar conta de mim. Creio pois, que, embora lhe esteja profundamente reconhecido pela amabilidade e espírito de sacrifício, não é justo assumir nos seus ombros já cansados mais esta missão.
Solicito assim, meu caro Pedro, que me não considere razão para esse seu imenso sacrifício.
Seu,
Infeliz Portugal

CÃO TRISTE, DE MEDO

Não sei exactamente porquê mas tenho um enorme medo a cães. Nunca me sinto confortável ao pé de um, grande ou pequeno, com aspecto mansinho ou mais bravo. Ontem à noite, no cumprimento da responsável tarefa de levar o lixo ao contentor, cruzei-me com um cão, um cão grande. Ao vê-lo ainda a uns metros, pensei logo em recuar mas, inspirado certamente pela coragem que está no património genético dos portugueses, segui o meu caminho. O cão grande, já perto, olhou para mim com um ar tão triste que até me doeu, passou apressado para o outro lado da estrada e correu assustado. De tão triste, não percebeu que me fez mais medo do que alguma vez eu lhe faria a ele.
Tenho a sensação de que a nossa vida contém cada vez mais episódios deste tipo. Gente triste, assustada, que foge de outra gente tão assustada quanto a primeira. Falta perceber se estamos tristes porque temos medo ou se, pelo contrário, temos medo porque estamos tristes. Por vezes ainda fica mais estranho, para combater o medo, maltratamos. Os miúdos, por exemplo.

NEM MEMÓRIA, NEM PUDOR

Como aqui disse há dias, parecia-me muito difícil que o menino guerreiro, o Dr. Santana Lopes, resistisse. Eventualmente, apenas o “entertainer” da Madeira lhe poderia fazer sombra. As tropas, já existentes, não chegaram para convencer o Dr. Alberto João que, habituado às votações coreanas, exigia, ao que consta, não ter concorrentes de peso, o que aliás é consistente com a sua visão de democracia. Aí está pois o Dr. Santana Lopes disponível para o combate, como era de esperar num guerreiro. Está disponível para contribuir para que a política do Portugal dos Pequeninos seja um mau espectáculo, com maus actores e mal encenado. Não estranhamos. O que me embaraça é que em Portugal, muitos políticos parecem não ter memória nem pudor. Como é que é possível que esta figura, depois do passado recente, entenda que pode, deve, tentar chegar, de novo, à liderança do PSD e, consequentemente, transformar-se num potencial candidato a Primeiro-ministro. Imaginam continuarmos a ouvir Rui Gomes da Silva ou Mendes Bota? Não é possível. Espero que mantenhamos uma réstia de lucidez. Estou cada vez mais perto de me dirigir ao Governo Civil e entregar o Bilhete de Identidade. Ele deixou de andar por aí, agora está por aqui e eu quero ir para algures.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

AGUARDE A SUA VEZ

(Foto de Luna)
Desculpe, eu
Aguarde a sua vez.
Precisava que
Aguarde a sua vez.
Alguém me informasse
Aguarde a sua vez.
Se ainda
Aguarde a sua vez.
Vou a tempo
Aguarde a sua vez.
De ser feliz.
Aguarde a sua vez.

VIDA PRECÁRIA E RECIBOS VERDES

No âmbito da discussão em sede de concertação social sobre a revisão do Código do Trabalho, o Governo apresentou um conjunto de propostas legislativas. Do meu ponto de vista, importa sublinhar a ideia, para já a ideia, de combater o trabalho precário penalizando o recurso a esta fórmula e incentivando a utilização de vínculos laborais mais sólidos. Algumas notas.
A utilização do trabalho precário parece-me coerente com os tempos actuais e, daí, a dificuldade na introdução de mudanças. De facto, se bem repararmos, muito do que nos rodeia é precário. O que consumimos, e consumimos muito, está sujeito a modas, logo é precário. Os valores mudam rapidamente sublinhando a sua precariedade. O volume e rapidez da produção científica mostra quão precários são alguns saberes. As opiniões e comportamentos dos políticos são do mais precário que se pode observar. As relações pessoais assentam cada vez mais em modelos mais precários. A capacidade individual ou colectiva de projectar o futuro parece cada vez mais precária devido, claro, à, precariedade dos condicionalismos, etc. etc. No entanto, na minha precária opinião, julgo imprescindível a introdução de maior estabilidade nas relações laborais como forma de tornar menos precárias as condições de vida e bem-estar de muitos cidadãos, sobretudo os mais novos.
Uma nota final. Ontem, Dia da Terra, os discursos remetiam invariavelmente para a defesa do ambiente e para a ecologia. Aquilo que nós já tínhamos de verdadeiramente verde, os recibos, é, paradoxalmente, um factor de mau ambiente em muitos agregados familiares. Temos mesmo que rever a utilização e até a sua cor em muitos casos de abuso.

terça-feira, 22 de abril de 2008

AFINAL ONDE ESTÁ O ENTENDIMENTO?

O PÚBLICO relata diversas manifestações de professores realizadas em vários locais do País. Estas manifestações mostram que, provavelmente, não existe mesmo entendimento nem acordo. Mas também não há avaliação. Continuo a pensar que o ME e os Sindicatos se assustaram com as manifestações dos professores e com o seu eventual desenvolvimento, não controlado pelo ME, nem pela Frente Sindical.
Assim, este "entendimento" tornou-se obviamente necessário, era uma questão de tempo. E agora voltamos a ter os professores nos eixos, sindicais. O ME fica mais tranquilo.

NÃO NOS ABANDONE DR. SANTANA LOPES

Estou verdadeiramente preocupado. A emergência da candidatura da Dra. Manuela Ferreira Leite à liderança do PSD pode vir a ser um grande golpe na minha, nossa, saúde mental. Como é típico do sebastianismo português, verifica-se uma espécie de consenso mítico em relação à figura de MFL. Fortemente contestada como Ministra da Educação e Ministra das Finanças surge agora como redentora do mal-estar do PSD, primeiro, e do País em seguida. Veremos. O que efectivamente me preocupa é o facto de, parece, o Action Man, Dr. Menezes, não se recandidatar e, pior, poder acontecer que também o menino guerreiro, o Dr. Santana Lopes, não se candidate. Não pode ser. A política portuguesa não pode ficar exclusivamente entregue a uma figura robótica sem alma. o Engenheiro, a um cubo de gelo, a Dra. Ferreira Leite, a um menino convencido, o Dr. Portas, a um moralista do tipo catequista, o Dr. Louçã ou ao cinzentismo repetitivo do Sr. Jerónimo.
Quem vai assumir a vivacidade criativa do discurso “cada dia, sua opinião”, o “glamour” da vida pessoal exposta nas revistas, as cambalhotas populistas que levam a dizer o que a audiência, qualquer audiência, quer ouvir? Quem fará discursos de vitimização com a lágrima ao canto do olho como o menino do quadro da feira ou o mítico discurso da incubadora? Não nos abandone Dr. Santana Lopes. Não deixe de andar por aí. A política sem si é tristonha. Apareça sempre. Desde que não queira governar o país.

DIA DA TERRA

Como é o Dia da Terra a minha professora pediu à gente para fazermos uma composição sobre a Terra. Eu fiz esta.
“Eu gosto muito da Terra, especialmente da minha Terra. A minha Terra é muito bonita. Vou contar. Tem muitas casas de todas as cores, grandes e pequenas, todas misturadas. Há também sítios onde só há casas muito altas e vive lá muita gente. Tem ruas para a gente brincar porque os carros ficam em cima dos passeios e a gente assim tem espaço na estrada. Há um sítio na minha Terra que tem três árvores e há muitas rotundas com relva no meio que está sempre a ser regada mesmo quando chove. As pessoas são muito amigas dos cães e dos pobrezinhos e por isso deixam o lixo espalhado para os cães e as pessoas pobres encontrarem coisas. Tem um Centro Comercial muito grande, sempre muito iluminado, muito quentinho no Inverno e muito fresquinho no Verão. A gente gosta de estar lá, vemos as montras, comemos gelados e assim. Uns senhores vieram à minha escola e disseram que já tínhamos um espaço verde. Pois temos, é um campo para jogar futebol e o chão é de cimento pintado de verde. É bonito mas um bocadinho duro. Na minha Terra também encontramos muito material para usarmos nos trabalhos da escola. A professora pede coisas de plástico e de vidro e nem preciso de procurar muito. Venho andando de casa para a escola e vou apanhando o que encontro. As pessoas da minha Terra são pessoas muito alegres. De manhã ficam sempre engarrafadas nos carros e então apitam muito. Eu gosto muito da minha Terra, por isso não quero que a estraguem.”
A minha professora leu a minha composição fez uma cara assim estranha e disse-me, “Não era bem isto que se pretendia”.
Maria

O RAPAZ QUE QUERIA SER GRANDE, SÓ GRANDE

- João, o que queres ser quando fores grande?
- Quero ser Grande.
- Grande quê?
- Só Grande.
- Não pode ser. Ninguém pode crescer e ficar só grande.
- Eu posso. A minha professora quando eu faço coisas bem-feitas e aprendo as coisas que ela ensina, diz sempre “Grande João”.
- E então?
- Quando eu for Grande, mesmo Grande, já sei fazer tudo bem feito e também já sei as coisas todas. Até posso ajudar os miúdos a ficar grandes, como a minha professora. Vês que posso ser só Grande.
- Grande João.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

A INFLACÇÃO FAZ MAL AOS POBRES

O conhecimento da realidade através da realização de estudos de natureza diversa é imprescindível à qualidade desse conhecimento e à adequada tomada de decisões, quando necessário. A realização desses estudos torna-se ainda mais pertinente quando, por vezes, revelam dados e situações completamente inesperados que nos causam a maior das perplexidades, obrigam a uma profunda reflexão e nos dão outra perspectiva da realidade.
O Público, a partir dos dados recolhidos no inquérito aos orçamentos familiares do INE e do Índice de Preços no Consumidor considerando valores de Março, elaborou sofisticadíssimos cálculos mobilizando complexos algoritmos e chegou à extraordinária conclusão de que, está em título nas páginas de Economia, “Famílias mais pobres sofrem mais com a inflação”. Não queria acreditar, isto ia contra todas as minhas expectativas. Li, reli, tornei a ler e é mesmo verdade. Quando os preços de bens essenciais sobem, os pobres ficam mais tramados.

"A PEQUENA ESMERALDA", NOVO EPISÓDIO

Hoje escreveu-se mais um capítulo da saga da “Pequena Esmeralda”, série que estreou há uns anos e que, apesar da oscilação das audiências, tem vindo a manter-se em cartaz batendo claramente um concorrente de peso, “A Pequena Maddie”. No episódio de hoje soubemos que o Tribunal de Torres Novas decidiu adiar a entrega da Pequena Esmeralda a um dos “maus”, o pai biológico, aumentar os contactos da Pequena Esmeralda com os dois maus, os pais biológicos, incentivar a colaboração dos “bons”, os pais afectivos, na aproximação da Pequena Esmeralda aos “maus”, os pais biológicos e, finalmente, substituir a Equipa clínica que seguia a Pequena Esmeralda no Centro Hospitalar de Coimbra por uma equipa de Santarém. Tudo isto, como é bom de ver e não podia deixar de ser, em nome do sempre presente “Supremo Interesse da Criança”. Pois.
Esta última parte da decisão merece, creio, umas notas. A substituição de uma equipa técnica só se justifica baseada na incompetência técnico-científica. A utilização de um argumento de parcialidade como justificação não colhe pois, se uma equipa técnica toma decisões de forma parcial trata-se, obviamente de uma decisão incompetente. Donde, a substituição deveria ser por incompetência. A questão é como pode uma Meritíssima Juíza de Direito avaliar a competência científica de uma Equipa de Pedopsiquiatria? Sabemos que neste processo existem opiniões técnicas contrárias, peça-se então novos pareceres a outras entidades, mas não se entende a substituição.
Já temos a Justiça a tratar dos problemas de comportamento na escola, temos a justiça a avaliar a competência em pedopsiquiatria, que mais lá vem?

UM HOMEM DISCRETO

Era uma vez um Homem, o mais discreto dos Homens. O seu grande desejo era, em qualquer circunstância, passar o mais despercebidamente que conseguisse. Já em criança, ficava muito quieto numa sombra a ver se ninguém dava por ele. Enquanto jovem, vivia nos cantos da vida e aprendeu a esconder-se com um livro. Quando chegou a Homem, sempre com o desejo de que não reparassem nele, escolheu o lado só da vida e arranjou um trabalho tão discreto quanto ele, atrás de um ecrã. Um dia, já velho, esqueceu-se de acordar. Ninguém sentiu a sua falta.
Só ele, o Homem discreto, sentiu falta de si. Mas já era tarde.

domingo, 20 de abril de 2008

CHUMBAR OU NÃO CHUMBAR, EIS A QUESTÃO

A entrevista que a Ministra da Educação concedeu ao CM constitui uma peça importante sobre a PEC, política educativa em curso. Tendo abordado variadíssimas matérias, quero referir-me à questão colocada em primeira página, “Ministra contra chumbos nas escolas”. Do meu ponto de vista haveria matérias bem mais pertinentes para realçar mas, verificou-se pelas referências e comentários que inundaram a net, que esta questão “vende”. Tenho frequentemente opiniões bem críticas da Política Educativa pelo que me sinto à vontade para sustentar sem dúvidas que, sobre esta questão, a Ministra tem, creio, a visão ajustada. Algumas notas justificativas.
Os estudos internacionais mostram que Portugal tem ao mesmo tempo, surpreendentemente para alguns, níveis altíssimos de insucesso e níveis altíssimos de “chumbos”. No mesmo sentido parece importante sublinhar que os países com mais altas taxas de sucesso escolar, nórdicos por exemplo, não prevêem na organização dos seus sistemas a figura chumbo, sobretudo para alunos mais novos. Não se prova, portanto, a ideia de que reprovar mais, produz mais sucesso.
Os estudos internacionais também mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano não é, para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso. Os franceses utilizam a fórmula “qui redouble, redoublera” quando referem esta questão.
O grande problema é que fazer então quando os alunos não atingem os saberes exigidos? SÓ CHUMBÁ-LOS NÃO FUNCIONA. Trata-se de perceber as eventuais razões do insucesso, EM CADA ALUNO, e desencadear as práticas e apoios adequados, porque mantê-lo, SEM MAIS NADA no mesmo ano, muito provavelmente, conduzirá a um novo chumbo.
O que me preocupa é que a Ministra tendo enunciado bem, na minha opinião, o problema, não deixou claras as orientações políticas e práticas imprescindíveis. E assim, vão sempre surgir opiniões publicadas, muitas vezes ignorantes, sustentando que “se está a defender que se passe sem saber” e que se promove facilitismo quando, a Ministra tem razão, facilitismo é mandar um puto para o canto da sala, ficar no mesmo ano e esperar que ele se desenrasque. Ultra-liberalismo do duro, mascarado de exigência e rigor.

O RAPAZ QUE NÃO GOSTAVA DE ESCREVER

(Foto de Mico)

Era uma vez um Rapaz. Tinha sete anos e andava na escola. O Rapaz não era muito bom aluno. Para dizer a verdade até era mau aluno. Lia com alguma dificuldade, atrapalhava-se muito nas contas e em outras coisas da escola, mas escrever era o seu maior problema. Dava muitos erros e não gostava nada, mas mesmo nada, de escrever. Fingia sempre que tinha alguma coisa para tentar fugir à escrita. A professora já não sabia o que fazer. Achava que o Rapaz era inteligente, sabia muitas coisas que gostava de mostrar. Sabia conversar muito bem e, mais do que qualquer outro colega, inventava histórias muito bonitas e cheias de coisas imaginadas. Tendo, sem resultado, procurado ajuda dentro dos seus livros e da sua experiência, a professora resolveu, sem grande esperança, perguntar ao Rapaz por que motivo, com tantas histórias bonitas para contar, não queria escrever.
O Rapaz pensou um pouco e com um ar muito sério disse “Mas eu quero muito escrever, a minha mão é que não”. A professora pegou-lhe na mão que não gostava de escrever, escondeu-a no meio das suas e disse muito baixinho umas palavras que o Rapaz não percebeu. “Que disseste à minha mão?”, perguntou o Rapaz.
Um segredo. Para ela gostar de escrever”, disse a professora.

sábado, 19 de abril de 2008

ADOPÇÃO E ADOPTADOS

Um excelente trabalho do Expresso sobre a questão da adopção revela alguns dados que merecem reflexão. Nas Listas Nacionais de Adopção do Instituto de Segurança Social existem 1571 crianças passíveis de adopção. Destas, 463 tem até três anos de idade. Por outro lado, dos 2430 candidatos à adopção, 2290 estão interessados em adoptar crianças até três anos. Esta discrepância, entre outros aspectos, ajuda a entender o enorme grupo de crianças institucionalizadas existente em Portugal. É ainda importante referir que, entre o acolhimento de uma criança numa instituição e a integração numa família em período de pré-adopção, decorre um período médio de 2,6 anos. Torna-se absolutamente inadiável a reestruturação de todos os processos relativos à adopção. Em nome da esgotada fórmula, o SUPREMO INTERESSE DA CRIANÇA.
Ainda a este propósito, ontem tive o privilégio de ouvir uma extraordinária conferência do Dr. Laborinho Lúcio. Retive uma frase. “Só as crianças adoptadas são felizes … para sorte delas, a maioria é adoptada pelos pais biológicos”. Notável.
PS – Ainda no mundo dos problemas dos mais novos, merece registo o facto de um Estudo do Instituto da Droga e da Toxicodependência revelar o abaixamento, entre 2001 e 2007, da percentagem de população jovem que já consumiu. No 3º ciclo passou de 14% para 11% e no ensino secundário de 28% para 22%. Vamos melhor

sexta-feira, 18 de abril de 2008

O MUNDO ÀS AVESSAS

(Foto de Nuno Abreu)

ELES

Existe em Portugal e, naturalmente, para os portugueses uma entidade mítica e indefinível, omnipotente e omnipresente que tudo explica, tudo sabe e de tudo é responsável. Essa entidade liga-se fundamentalmente ao que de menos positivo nos acontece ou fazemos. Não, não estou a falar de uma entidade divina, estou a falar de algo mais complexo, se assim se pode dizer. Estou a referir-me a “ELES”. Se bem repararem, “ELES” estão absolutamente enraizados nos nossos discursos quotidianos. Apenas alguns exemplos. “Só querem o deles”, “Eles é que mandam”, “A culpa é deles”, “Eles querem assim, a gente faz”, “Eles apanham-se lá e estão-se nas tintas”, “Eles não fazem nada”, “Eles aumentam tudo”, “Isso é que era bom, faço como eles, que se lixe”, “Eles só fecham coisas”, “Eles só falam”, “Eu fazer mais? Façam eles”, “Eles têm grandes ordenados e depois não chega para a gente”, “Eles dão maus exemplos querem que a gente faça o quê?”, “Eles estão cheios dele e a malta na miséria”. “Eles pensam que somos parvos”, etc. etc.
O mais curioso, é que quando se tenta perceber sobre quem objectivamente estamos a falar, parece que se trata de todos menos de mim, ou seja, é sobre ELES. E assim explicamos a nossa vidinha.

PS – Por vezes, a referência a “ELES” é substituída por “OS GAJOS” o que empresta uma natureza mais popular aos discursos.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

OBRIGADO DR. MENEZES

Ao longo de seis meses muitos foram os contributos do Action Man do PSD, o Dr. Menezes, para os comentários aqui produzidos sobre o Portugal dos Pequeninos. É assim da mais elementar justiça reconhecer e agradecer essa contribuição. Ficará o Dr. Lopes. Mas não vai ser a mesma coisa.
No entanto, algo me diz que, tal como nas novelas mexicanas, este adeus de mais uma vítima às mãos desses tenebrosos críticos, será um até breve. Volte sempre Dr. Menezes, mas não se proponha governar o país.

DESALINHADA MENTE

(Foto de Samy)

Desencontrada mente.
Inesperada mente.
Activa mente.
Inoportuna mente.
Desalinhada mente.
Surpreendente mente.
Viva mente.
Simples mente.
Feliz mente.
Nós,
Os putos.

AUTORIDADE MORAL E COMPETÊNCIA

Uma das bandeiras do actual Governo tem sido, com alguma razão, o aumento de eficácia da administração fiscal. É certo que esse aumento de eficácia tem sido conseguido, também, à custa da perseguição ao elo mais fraco da fileira dos pagadores de impostos, o cidadão isolado. No entanto, este processo tem sido inquinado por comportamentos da administração fiscal que vários especialistas consideram no limite, às vezes para lá do limite, da relação de confiança entre o cidadão e o estado, ou seja, para o estado e até prova em contrário o cidadão é um delinquente fiscal. É o tipo de entendimento fundamentalista também subjacente a algumas das intervenções da ASAE. No meio disto tudo aparecem situações surpreendentes. Bens do Ministério da Economia foram penhorados por decisão judicial decorrente de um processo de despedimento sem justa causa de cinco funcionários de limpeza, em 2005, e a quem o Ministério não chegou a pagar qualquer compensação. Por outro lado, a Direcção Geral de Contribuições e Impostos penhorou por duas vezes de forma ilegal bens do Grupo Jerónimo Martins.
Lê-se e não se acredita. Onde vai parar a autoridade de uma Administração que não paga o que deve e tira o que não pode?

quarta-feira, 16 de abril de 2008

PEDRO BANDEIRA FREIRE


Para muita gente da minha geração ir ao cinema era, claro, ir ao Quarteto. Morreu Pedro Bandeira Freire, o homem do Quarteto. Como nas grandes fitas, não sobreviveu à morte recente do seu amor de sempre. Até um dia.

ENCONTRO DE TRABALHO

Era uma vez dois amigos, o Rapaz e a Rapariga, que se tinham conhecido no jardim-de-infância. Tendo seguido caminhos diferentes passou tempo sem se reencontrarem o que aconteceu naquele dia numa paragem de autocarros.
- Tu és o Rapaz?
- Sou e tu és a Rapariga, não és?
- Sou. Há quanto tempo! Que andas a fazer?
- Estou a trabalhar. Deram-me um contrato por nove anos, quero ver se me aguento e continuo pelos menos mais três, depois logo se vê. Há malta que não aguenta e sai.
- Como é que é?
- Tem dias. Há muita gente e por isso é animado. Não se trabalha sempre na mesma secção, mas faz-se quase sempre a mesma coisa em cada uma. O pessoal que está orientar, é como em tudo, uns sabem e são porreiros, outros nem por isso. Com estes o pessoal às vezes desatina um bocado. O pior é que é muito tempo. Raramente fazemos menos de 40 horas, há quem faça mais e ouvi dizer que vai aumentar e, quase todos os dias, ainda há trabalho para fazer em casa. O trabalho umas vezes é mais difícil, outras vezes mais fácil. Tenho que andar sempre com um saco de material às costas, o comer é manhoso, às vezes faltam condições e o pessoal que organiza o trabalho anda para lá todo agitado com uns problemas deles. Ainda não nos começaram a pagar. Dizem que só lá mais para a frente é que a gente vai ver que ganha bem. Estou para ver. Bom, e tu?
- É mais ou menos a mesma cena. Onde é que trabalhas?
- Ando na Escola de Vale do Norte, e tu?
- Ando na Escola de Vale do Sul.

A ESCOLA PÚBLICA E O SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE

Há uns meses atrás, um estudo revelado na imprensa diária criou alguma perplexidade por referir a existência de escolas públicas que seleccionavam os alunos ocasionando óbvias formas de discriminação, replicando, assim, práticas há muito seguidas no ensino privado. Esta revelação levantou alguma controvérsia e mereceu os habituais discursos políticos de circunstância. Na altura, referi aqui que este fenómeno só poderia ser estranho a quem não conhecesse minimamente o sistema educativo português. Hoje, o Público põe em primeira página o facto de algumas Unidades de Saúde Privadas discriminarem utentes do Serviço Nacional de Saúde na prestação de serviços. Já me aconteceu. Na posse da credencial do SNS ao tentar marcar a realização de exames radiológicos numa Unidade Privada fui informado de que naquela altura não estavam a aceitar marcações, só daí a dois meses, mas se utilizasse o meu seguro de saúde realizaria os exames dois dias depois. Volto ao que tinha afirmado antes. Esta situação só é desconhecida para quem não se mover por dentro do SNS.
É por isso que fico sempre preocupado com os discursos em torno do privado e do público em áreas como educação e saúde. Sem uma fortíssima responsabilização do estado e um sério empenho na qualidade da prestação dos serviços por parte do sistema público, não poderemos garantir a equidade e não discriminação dos cidadãos no acesso imprescindível à educação e saúde. E não vejo outra forma de promover estes direitos que não a defesa e promoção intransigente da qualidade da Escola Pública e do Serviço Nacional de Saúde.

terça-feira, 15 de abril de 2008

O HOMEM QUE JULGAVA SER UM BALÃO

Era uma vez um Homem que julgava ser um balão. Acreditava saber tanta coisa que a sua cabeça estava cheia como um balão e ainda podia encher-se com mais saberes. Julgava que era mais importante que as outras pessoas porque ninguém parecia tão grande como ele. Até estava convencido de que voaria se tivesse um pouco de ar quente em vez de tanto saber. As pessoas, como nunca tinham visto um homem assim, assustavam-se um bocado e o Homem acreditava que era respeito que lhe tinham e inchava ainda mais.
Um dia, o Homem que se achava um balão ia a passear na rua sempre vaidoso e convencido e um puto daqueles mais atrevidos picou-o com um espinho das roseiras, daqueles que a gente usava para pregar partidas.
Para espanto das pessoas, o Homem que julgava ser um balão, era mesmo um balão, rebentou e dentro dele, havia nada.

PORTUGAL DOS PEQUENINOS

A minha relação com a maioria dos discursos políticos em Portugal é muito variada. Quando penso que o nível já não pode descer mais, aparece uma intervenção pública do Sr. Gomes da Silva ou do Alberto João. Quando às vezes oiço algumas palavras mais realistas lá vem o Primeiro-ministro ou um rapaz da PS a falar de um país em tons de rosa que eu não conheço mas onde, supostamente, vivo. Quando penso que começam a aparecer discursos consistentes alternativos, que obriguem o Governo recordar que maioria absoluta não é arrogância, lá vem o Action Man Menezes a afirmar o contrário do que tinha dito há uns dias. Gosto do dedinho em riste do Dr. Portas e do seu pestanejar de frémito depois de cada frase demolidora. O Dr. Santana Lopes felizmente regressado anima os debates. Mas hoje reconciliei-me. Nas Jornadas Parlamentares do CDS-PP dedicadas à Educação e à Saúde o líder parlamentar Dr. Diogo Feio afirmou a necessidade de “uma política de ruptura em relação ao que este Governo tem feito”. Também acho que variadíssimas coisas deveriam alterar-se na PEC, política educativa em curso. Mas o Dr. Feio vai mais longe e define a ruptura, “é preciso fazer ditados na disciplina de Português. Usar a memória para decorar a tabuada. Saber o que se ensina quando se trata de História de Portugal”. A sério, ele disse mesmo isto. O rapaz é licenciado em direito, exerce advocacia, é deputado, foi Secretário de Estado da Educação no Governo de Santana Lopes, escreveu sobre fiscalidade e justiça mas, com a maior das facilidades, enunciou o programa para a reforma educativa. Ditados, papaguear a tabuada e a História de Portugal. Estou ansiosamente à espera das próximas obras do Dr. Feio para aprofundar esta autêntica e genial revolução. Hoje foi para rir. Apesar de tudo, sempre é mais elegante do que as inqualificáveis referências à Fernanda Câncio.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

O RAPAZ TRANSPARENTE

Era uma vez um Rapaz. Tinha oito anos e andava numa escola, no segundo ano. Quase não se dava por ele. “Nem pareces deste tempo Rapaz!”, diziam as professoras. Sempre quieto, ninguém o ouvia gritar ou falar alto . Na verdade o Rapaz pouco falava. Se lhe perguntavam alguma coisa, de olhos no chão falava umas palavras pequenas e baixas que, às vezes, mal se percebiam. Andava devagar e quase sempre era o último a acabar as tarefas. De tal maneira que às vezes até se esqueciam que ele estava na sala. No recreio da escola ele era gente da mesma maneira, mais a um canto ou ao pé do tronco da árvore grande brincava só ou com uma Rapariga do segundo ano que também não falava muito, mas lá se entendiam, com os olhos. Na escola havia uma empregada com cara de avó, daquelas avós boas que gostam da gente e nos deixam fazer disparates, que todos os dias se metia com o Rapaz e também com a rapariga. “Não estejam sempre calados. Falem com os outros, mexam-se. Façam umas asneiras, mas não das grandes. Qualquer dia ficam transparentes, já nem vos vêem”.
A Empregada com cara de avó sabia da sua vida no meio dos putos que alguns, com o tempo, ficam transparentes. Pouca gente já consegue reparar neles. Só empregadas com cara de avó.

A TRADIÇÃO JÁ NÃO É O QUE ERA

Ninguém segura os tempos. Por vezes tropeçamos com coisas pequeninas que, de repente, começam a crescer na nossa cabeça e nos revelam algo inédito, perturbador ou, pelo menos, elucidativo de como tudo se altera de forma mais ou menos consciente para cada um de nós. Vem isto a propósito de uma pequena notícia na secção de Polícia e Tribunais do JN referente à detenção de um gangue de adolescentes que à saída de uma escola coleccionava assaltos a vítimas também adolescentes. Até aqui nada de estranho nos tempos que correm. A notícia esclarecia que se tratava de um grupo composto apenas por raparigas e que assaltava exclusivamente raparigas. Décadas de luta contra a discriminação do género não antecipavam a ocorrência que começa a registar-se de situações deste tipo, a igualdade de oportunidades no competitivo mundo da delinquência.
No mesmo sentido, a mudança rápida do nosso sistema de valores e convicções, podemos referir que, segundo dados do INE referidos no Público, em 1980 realizaram-se 72164 casamentos e 5843 divórcios enquanto em 2006 se registaram 47857 casamentos e 22881 divórcios o que parece sugerir alterações significativas.
Neste quadro em permanente e rápida mudança, causa-me alguma perplexidade que, perante situações com contornos “novos” na qualidade e na frequência, por exemplo, os episódios de violência escolar, se oiçam muitas vozes a clamar por soluções velhas. Das duas umas, ou expressam impotência e medo, ou expressam ideias conservadoras. Nada de especialmente útil para procurar “artes”novas para problemas “novos".

domingo, 13 de abril de 2008

O CÃO QUE SONHAVA

(Foto de Rodrigo Bela Vista)
Anda Faísca. Assim a voar vamos chegar mais depressa a casa e quando fores dormir vou contar-te uma história muito bonita. Fala das brincadeiras muito engraçadas que uns cães como tu fazem quando estão a sonhar. Quando acordam ficam contentes e riem-se muito a contar as brincadeiras que aconteceram no sonho.
Assim, quando adormeceres, também sonhas com as brincadeiras engraçadas e já não vais ter medo do escuro. Tens que prometer que me contas as brincadeiras.

A ÁGUA DO AUTOCLISMO

Apesar de uma Convenção da ONU ratificada pela Assembleia da República em 2007 identificar como crime o “enriquecimento ilícito”, tal não vai acontecer em Portugal, ou seja, tudo como dantes. Aquelas ideias do Deputado Cravinho não passam disso mesmo, ideias.
O Alberto João entende que se não deve realizar uma sessão solene da Assembleia Legislativa da Madeira por ocasião da visita do PR, porque mostrar aquele bando de loucos (a oposição) “ia dar uma imagem péssima da Madeira e ia ter repercussões negativas no turismo e na própria qualidade do ambiente”. Ele disse isto com aquele ar alucinado de quem, como sempre, se esqueceu de tomar a medicação.
O Action Man do PSD, o Dr. Menezes numa visita de trabalho?! a Trás-os-Montes, confessou que o que mais o surpreendeu, foi a “clareza” com que os transmontanos conhecem os seus problemas. Fantástico! O perplexo iluminado aproveitou ainda para criticar o Governo por ter recuado na negociação com os professores que ele há duas semanas apoiou na luta contra o Governo. Os transmontanos ficaram perplexos com a clareza do Action Man.
Uma figura intelectualmente inexistente, que aparece nas fotografias ao lado de Santana Lopes e Menezes, o sr. Rui Gomes da Silva afirmou que a RTP2 não deveria utilizar os serviços da jornalista Fernanda Câncio porque tem um “relacionamento pessoal com o Primeiro-ministro”. Dando por adquirido que o homem se esforça por pensar, não haverá lá ninguém mais habituado?
Considerando estas notas, talvez possamos entender por que razão os portugueses gastam em média 40 litros diários de água nos seus autoclismos, com todas as consequências de natureza ambiental. É pá, não somos de ferro, o estômago não aguenta tudo.

PS – Já há acordo, perdão, entendimento entre o ME e os Sindicatos de professores relativamente à avaliação. A base do entendimento é mais ou menos esta. Faz de conta que há avaliação, mas não há avaliação, o que se fizer não serve para nada e para o ano vamos então ver. É bonito.

sábado, 12 de abril de 2008

DE PIJAMA, NO SOFÁ, EM FRENTE À TV

De acordo com um estudo da GFK, empresa de estudos de mercado, a maioria dos portugueses, quando não estão nos locais de trabalho, estarão de pijama, sentados num sofá à frente de um ecrã. Os resultados do estudo sobre a ocupação dos tempos livres mostram que 96% dos portugueses tem como principal actividade ver TV na qual gastam 37% do tempo. Ficamos ainda a saber que 40% gasta 8% do tempo a ver filmes (DVD). Os portugueses usam 22% do seu tempo livre a navegar na Net e 9% de volta dos livros. Somos ainda os que menos recorremos a actividades de ar livre. Alguns comentários.
Em primeiro lugar, os tempos não me parecem nada livres, ou seja, os portugueses estão completamente “agarrados” e tornaram-se teledependentes. Como sabem, os comportamentos aditivos retiram-nos liberdade pelo que deixemos de chamar livres ao tempo que dedicamos compulsivamente ao ecrã. Por outro lado, parece-me que a fatal atracção pode ser explicada pela qualidade da programação, sobretudo dos canais abertos e generalistas, novelas, novelas e, no meio, pérolas como o Preço Certo ou os programas de discussão sobre futebol. E também temos a Dra. Fátima Campos Ferreira a arbitrar intermináveis e estéreis discussões. No cabo temos overdoses de futebol, actividade cultural de que somos especiais consumidores e até faz menos mal, parece, que ver telejornais. Os dados referentes à leitura estarão provavelmente ligados à atitude séria que temos perante a vida, isto é, se estamos em tempos livres, achamos, que é para descansar e ter que estar a pensar no que se lê, bolas, dá cabo do descanso. O facto de não recorrermos a actividades de tempo livre deve-se certamente ao clima adverso e à excelência e conforto das nossas casas. Gostava de ver as pessoas que andam sempre em actividades de ar livre, como as do norte da Europa, a fazerem essas actividades com o nosso clima. Claro que se também tivessem casas confortáveis como as nossas, não quereriam sair delas e estariam de pijama, num sofá, em frente à TV.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

O GATO ARREDIO

Era uma vez um gato. Como todos os gatos era muito independente e este gostava ainda mais que os outros de se sentir independente. Pensava para consigo que não queria precisar de ninguém e não queria que ninguém precisasse dele. Assim, quando conhecia alguém de novo, gato ou pessoa, tentava não se aproximar muito para não correr o risco de ficar a gostar, ele dizia precisar. Também se esforçava, achava ele, para que quem de novo aparecesse não ficasse a gostar dele, precisar como ele pensava.
Um dia, daqueles dias frios e com chuva, o gato olhou para dentro e viu uma solidão muito grande, maior que ele, e de fora ninguém se aproximava para tentar entrar. Sentiu-se o gato mais infeliz do mundo.
Há muitas pessoas assim, com medo de gostar dos outros e com medo de deixar os outros gostarem. Fazem da sua vida uma espécie de jogo infantil do “toca e foge”. Um dia deixam de tocar e já não precisam de fugir. Ninguém vem atrás.

ESPIONAGEM NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

Uma notícia hoje em destaque refere que o correio electrónico dos deputados da Assembleia da República andará a ser violado. É grave que tal situação ocorra, pois representa um atentado à privacidade e, logo, aos direitos individuais. Importa assim proceder às necessárias investigações, apurar o que se passa e eventuais responsáveis. Dizem os manuais que um dos passos da investigação de eventuais ilícitos passa pela definição do móbil, dos objectivos pretendidos. Tentei fazer um exercício que nos ajudasse neste processo e cá vai. Em primeiro lugar deve explorar-se a hipótese de estarmos perante espionagem económica por parte de outros parlamentos. A surpreendente produtividade, eficácia e qualidade do trabalho da maioria dos deputados tem desencadeado uma verdadeira onda de curiosidade internacional, transformando-se num apetecível “case study” que poderia justificar uma investida à margem da lei. Outra hipótese que me parece de considerar, remete para uma eventual responsabilidade do Governo. Como é sabido os debates na AR não têm corrido particularmente bem ao Eng. Sócrates devido à qualidade e consistência das oposições e da posição independente e crítica que o PS adopta na Assembleia. Assim, pode haver a tentação de espiar no sentido de antecipar as iniciativas dos partidos representados. Pode ser muito importante saber que causas fracturantes é perguntas embaraçosas o Bloco colocará no próximo debate, saber se o PC dirá a mesma coisa como sempre ou prepara algo de surpreendente, saber os deputados do PSD continuam a dizer mal uns dos outros, chegar aos poemas de Mendes Bota ou conhecer a agenda do Menino Guerreiro S. Lopes e a sua comunicação com o Action Man Menezes. Relativamente ao PP é que não vejo qual o objectivo pois o Dr. Portas usa umas fichazinhas e umas frases de cariz publicitário que, prudente como ele é, não deixará no computador nem partilha com ninguém, sendo que os outros deputados, tal como os de outras bancadas, apenas farão circular os fws que pedem para não se quebrar a cadeia de comunicação. Finalmente e no que se refere ao PS, é possível que o Governo queira assegurar-se previamente de que não se confrontará como uma atitude crítica e isenta como é tão frequente. Vamos ver o que dá a investigação.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

O RAPAZ QUE ERA PEIXE

Era uma vez um Rapaz que tinha, não se percebia bem, mas aí uns doze anos e andava numa escola. Parecia mais velho. Era um bocado diferente dos outros alunos. A pele não era igual, não falava com as mesmas palavras, não olhava para os adultos da mesma maneira que os outros, não fazia os trabalhos da escola da mesma forma que os outros. Às vezes nem os fazia, os de casa então, nunca. Mas a diferença maior era no modo como o Rapaz era. Era inquieto, sempre com perguntas, às vezes estúpidas para arreliar os professores, diziam eles. Era irrequieto, sempre em movimento como quem tem pressa sem saber para quê. Era falador quando devia estar calado e calava-se quando lhe pediam para falar. Era, parecia, desinteressado nas coisas das aulas, sempre com ar de não perceber porque teria de aprender aquilo. Era um cabeça no ar, diziam-lhe, o que até achava estranho pois em que sítio quereriam que tivesse a cabeça? No chão? Os professores tinham alguma dificuldade em perceber o Rapaz. Na escola havia um professor muito velho que, como já só falava muito baixo não dava aulas, estava na biblioteca a olhar pelos livros. Quando os professores mais novos lhe contaram o Rapaz, ele disse-lhes, baixinho.
“O Rapaz é um peixe e o aquário dele ainda não é a escola. É assim tão agitado para ver se respira. Vejam lá de que aquário veio, tragam alguma água desse aquário e misturem-na com a água deste aquário, a escola”. E lá foi nadando para o meio dos livros.

O QREN, O FMI E A DEPURALINA

Podem perguntar o que terão em comum o QREN, Quadro de Referência Estratégica Nacional, o FMI e a Depuralina. Na minha opinião têm em comum a dietética. O QREN, parece ser a grande esperança do Governo para promover o aumento de peso do país, peso económico é claro. Também se espera que contribua para o nosso alargamento, dos níveis de desenvolvimento naturalmente. De forma paradoxal, também se esperam efeitos contrários como o emagrecimento do desemprego, por exemplo. O FMI, à revelia dos desejos do Governo, vem dizer que a nossa economia afinal continuará a engordar abaixo das outras economias da zona euro, parece que continuamos com uma dieta pobre em produtividade. Finalmente a Depuralina. Farto de intoxicações de natureza alimentar e, sobretudo, dos delirantes discursos de muitos dos políticos e do consumo excessivo de produtos de má qualidade que escapam à acção purificadora da ASAE, o cidadão volta-se para as qualidades mágicas dos produtos naturais. Afinal cada um chega ao QREN que pode. Alguns, lamentavelmente, deram-se mal.

PS – De acordo com o DN, os sindicatos dos professores parecem disponíveis para aceitar uma avaliação parcial já para este ano. Claro, a avaliação deu em coisa nenhuma. É fantástico como, por incompetência e arrogância, um processo imprescindível, começa por ser uma impossibilidade e acaba em … farão o que puderem (quiserem) e não acontece nada. Isto não serve a ninguém.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

O PUTO DOS DESATINOS

Era uma vez um rapaz, pequenino, daqueles que agora inventaram que só faz o que quer, quando quer e onde quer. Como é natural, os pais volta e meia ficavam embaraçados com os desatinos do menino. Em casa ainda vá que não vá, estavam sós e ninguém reparava. Mas fora de casa o rapaz parecia que fazia de propósito arranjando confusão e fazendo disparates nas situações mais inconvenientes. Um dia, estava a mãe a passear com o rapaz no jardim e ele, como de costume, corria atrás dos pombos, interrompia brincadeiras doutros miúdos, atirava pedras aos patos do lago e o mais que a sua imaginação sugeria. A mãe, envergonhada, assistia discretamente e, apesar da inutilidade, de vez em quando chamava-o. Um velho que passava, reparou na cena e dirigiu-se à mãe, “menino traquinas o seu não é?”.Nem me fale, não faço nada dele”. O velho ficou mais uns minutos a pensar o rapaz e disse à mãe que, querendo ela, no dia a seguir lhe daria algo que talvez ajudasse. A mãe, apesar de desconfiada, disse que viria.
Quando chegou, o velho deu-lhe uma caixa e disse-lhe para que, sempre que o rapaz fosse começar uma das suas travessuras, ela lhe desse a mão com muita força, lhe oferecesse uma daquelas coisas que estava na caixa e lhe contasse uma história. Quando a mãe abriu a caixa apenas encontrou folhas de papel que tinham escrito com uma letra muito bonita Gosto muito de ti mas NÃO PERMITO que faças isso”.

POR FAVOR, DÊEM-NOS QUALQUER COISINHA PARA A AVALIAÇÃO

Senhores Professores,

Vimos apelar à vossa generosidade no sentido de darem qualquer coisinha para a avaliação. Quando começámos este processo talvez nos tivéssemos precipitado. Decidimos avançar a meio do ano, definimos um calendário e uma metodologia de avaliação um bocado desajustados mas a culpa, como sabem, é dos chilenos que são uns incompetentes. Como vocês protestaram um bocado mais do que esperávamos introduzimos uma espécie de SIMPLEX, ou seja, cada escola avaliará como achar por bem, nem é preciso ver como é que vocês dão as aulas, afinal também não é um aspecto tão importante assim. Contrariamente ao que desejávamos, ainda não ficaram satisfeitos, seus ingratos, e continuam a protestar e a ir para os tribunais e tudo. Como calculam, nesta altura do processo nós, mesmo que quiséssemos, não podemos suspendê-lo como é vosso desejo. O nosso chefe dar-nos-ia cabo da cabeça ou, até pior, despedia-nos. Assim, também vimos dizer-vos agora que, mesmo que a avaliação seja negativa, não faz mal, para a próxima será melhor, afinal ninguém é perfeito. Já não sabemos o que mais vos dizer e por isso vimos humildemente pedir-vos que nos dêem qualquer coisinha para podermos ter a avaliação. É só dizerem se faltam, se gostam dos meninos, dos pais dos meninos, dos colegas, de nós, da direcção da escola, etc. Mesmo que não façam muito bem, não faz mal, não serve para nada mas, por favor, deixem-nos fazer qualquer coisinha para a avaliação.
Um grande bem-haja.
A Equipa da PEC, política educativa em curso

terça-feira, 8 de abril de 2008

EDUCAÇÃO E TRIBUNAIS

No Público de hoje, edição electrónica, as referências, três, a matérias ligadas à educação remetem para o Tribunal Constitucional, norma estabelecida para o concurso a professor titular, Ministério da Justiça, Tribunal Administrativo do Porto rejeita providência cautelar interposta pelo Sindicato dos Professores do Norte e PSP, queixa apresentada por incidente na escola da Figueira da Foz.
Não sei exactamente o que significa mas não me parece normal que se banalize a ideia de que as políticas educativas e os problemas da educação se regulam através de procedimentos e intervenções do foro dos tribunais. Talvez seja um dos resultados, mais um, da PEC, política educativa em curso.

FOI HÁ TANTO TEMPO

(Foto de Rui Pires)

Foi há tanto tempo.
Era linda.
Parece que estou a vê-la.
Encantou-me.
À noite era o sol,
de dia era a lua.
Falava música,
com olhos de embalar.
Foi há tanto tempo, um tempo tão pouco.
Veio no vento e numa nuvem voou.

AGORA VAI

(Foto de Alfredo A.C. Cunha)
Como pode verificar-se começam a ser instalados no terreno os primeiros dispositivos de controlo da onda sem precedentes de delinquência infanto-juvenil que tem vindo a assolar as aldeias e cidades do nosso país. O potencial pré-delinquente na imagem apenas mostra um boneco oferecido no Natal, embora pareça empunhar a shot-gun que leva habitualmente para o jardim-de-infância. Ouvido relativamente a projectos assegurou que, para já, não se inscreveu em nenhum gang embora esteja a considerar propostas para a próxima época. Para o imediato tem como objectivo melhorar a sua eficácia no roubo de telemóveis e moedas aos colegas, bem como carteiras a idosos. Posteriormente e se o mercado o justificar, talvez enverede por uma carreira no tráfico, até internacional, pois pretende tirar um curso profissional de inglês no Programa Novas Oportunidades quando acabar de gastar as velhas.
O Dr. Portas, ouvido a propósito desta iniciativa, considera insuficientes os meios policiais disponibilizados, o Action Man Menezes do PSD afirma que mais uma vez o Governo falhou um objectivo na medida em que só controla um potencial pré-delinquente, embora o Menino Guerreiro Santana Lopes se reveja e simpatize com o ar combativo do menino que lhe recorda a sua infância na incubadora. Por outro lado, o Dr. Canas já veio sublinhar a genial medida tomada pelo governo do genial Eng. Sócrates, o Sr. Jerónimo Sousa afirma-se preocupado com a eventual promoção de exploração de mão-de-obra infantil, enquanto o Dr. Louçã aponta o dedo à discriminação das mulheres pois, se bem reparam, o rapaz aparece sozinho.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

DIETAS

De uma forma geral, os portugueses começam nesta época do ano a assumir uma importante preocupação com o corpo, designadamente com o peso. É vê-los a correr para os ginásios, health clubs e toda a espécie de oferta nesta área, agora mais “baratos” face à descida do IVA. Circulam dietas para todos os gostos, bolsas e feitios, incluindo até produtos que, parece, oferecem o risco de soluções finais, trágicas. Considerando que o peso a mais é já um problema de saúde pública, mesmo em crianças, também contribuo humildemente com alguns conselhos de natureza dietética destinados a melhorar o nosso bem-estar.
Deve aumentar-se o consumo de bens de cultura do tipo cinema, literatura, música, teatro, etc. Consumir a gosto e de acordo com a bolsa.
Deve aumentar-se o consumo da atenção sobre o outro. Consumir moderadamente e esperando reciprocidade.
Deve aumentar-se o consumo da preocupação com os mais vulneráveis, designadamente crianças e velhos. Os efeitos positivos desta preocupação estão estudados e produzem sensações agradáveis.
Deve aumentar-se, sempre que possível e tanto quanto possível, o consumo de tempo. O tempo é um ingrediente extraordinariamente rico pelo que o consumo se recomenda.
Deve aumentar-se a utilização da capacidade reflexiva de cada um. Trata-se de uma actividade altamente estimulante e retardadora do envelhecimento.
Deve evitar-se o consumo excessivo de discursos demagógicos e hipócritas de políticos de aviário.
Deve evitar-se, tanto quanto possível o consumo de boa parte da programação televisiva generalista.
Deve evitar-se a manipulação proporcionada pelas campanhas publicitárias sobre os mais variados produtos.
Quanto ao resto, comam, bebam, amem e mexam-se moderadamente a gosto e a gozo.

O HOMEM QUE TINHA UMA VIDA CHATA

Era uma vez um Homem. Era cinzento, com um ar entre o triste e o zangado, assim uma daquelas pessoas a quem parece que a vida lhes deve sempre alguma coisa. Tinha um trabalho sem mais interesse do que a sua manutenção, uma mulher chata que depois do jantar, da novela e do ajeitar dos filhos, a frase mais estimulante que conseguia articular era qualquer coisa do tipo “amanhã não te esqueças do pão”. Os filhos, rapaz e rapariga, usavam permanentemente uns auscultadores, barreira para a conversa, pequena que fosse. Os amigos, com quem já pouco se dava, pareciam que também não estavam muito interessados na sua companhia. A família, na sua maioria, era uma lembrança de quando era pequeno, até a pessoa de que ele mais gostava, a irmã, vivia longe. Os seus dias cumpriam-se rigorosamente iguais, com as mesmas rotinas, o mesmo desencanto e a mesma desesperança de quem não acredita, em nada. Mesmo os fins-de-semana eram passados entre a cama e o sofá, sempre com a televisão por perto. Esta vida durou anos e nada se alterou. Na verdade, os filhos cresceram, a mulher e ele próprio envelheceram mas a vida, essa permaneceu como sempre. Um dia, recebeu a notícia de que já se podia reformar. Entrou em pânico.
Naquela terra os reformados tinham uma vida muito chata, mesmo cinzenta, e ele, ele não se sentia preparado.

domingo, 6 de abril de 2008

O POVO É BURRO

Definitivamente o país não merece as lideranças que tem. Eu, se estivesse no lugar deles, com tanta ingratidão, desconfiança e burrice tomaria rapidamente uma de duas decisões. Primeira, emigrava e poderia ser para a China, Coreia do Norte, Angola, etc onde a vida dos políticos é mais fácil, sem discussões e contraditórios, ou, segunda hipótese, iria trabalhar para a Mota-Engil. Já que o povo desperdiça a riqueza que há em mim, vou eu procurar a riqueza que há nos negócios (à custa do povo).
Vejam estes exemplos de como a vida das lideranças está difícil. O inimputável Alberto João proíbe a comunicação social de assistir ao congresso do PSD da Madeira. O Action Man Menezes acha bem e, ao mesmo tempo, diz ao sócio, o menino guerreiro Santana Lopes para, no parlamento, sustentar que a democracia está doente e que o Governo quer condicionar a comunicação social. Lateralmente, o Action Man também acha normalíssimo o trânsito de pessoas que ocuparam altos cargos ministeriais para lugares na administração de empresas que tutelaram e com quem foram realizados negócio sob sua responsabilidade.
A igreja resolveu afastar um jovem sacerdote de Évora que se atreveu a discordar das opiniões oficiais sobre a homossexualidade. É a mesma igreja que defende que uma família que, por vezes, destrói pessoas incluindo crianças, deve manter-se só porque aparenta ser uma família.
Durante o fim-de-semana realizaram-se várias acções de protesto face à política de saúde em curso. Sobre essa política o que mais oiço, é que é muito positiva mas não é bem explicada.
Pois é, o povo é burro, não merece esta gente.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

UM PONTO FINAL

Era uma vez um Homem que vivia cansado das conversas e discussões intermináveis e estéreis dos políticos e opinantes profissionais que, em todos os telejornais, lhe entravam pela casa dentro. Sempre desabafava desalentado. “Gostava de ser capaz de fazer com que esta gente se calasse ou falasse doutra coisa”. E isto repetia-se todos os dias, as conversas inúteis e o desabafo. Um dia, o Filho do Homem depois de mais uma queixa disse “Já sei como resolves isso”. “Como?”, pergunta o Homem esperançado. “Com isto” e entrega-lhe um papel pequeno. O Homem olha e só vê um ponto no meio do papel. O Filho acrescenta.
“É só um ponto, mas é dos bons. É um ponto final, parágrafo. A minha professora diz que serve para parar uma frase e mudar de assunto”.
A partir daquele dia, sempre que as tais conversas começavam, o Homem e o Filho punham-lhe o ponto final, parágrafo e conversavam os dois. Com a televisão apagada.

AS NOTÍCIAS SOBRE A ESCOLA

Face à forma excessiva e imprudente como muitos discursos e opiniões estão a ser publicados, bem como o tratamento que alguma comunicação social dá a matérias sobre a escola, a educação e os sérios problemas que as afectam, parece-me muito importante considerar as declarações do presidente do Conselho de Escolas hoje referidas no Público.
A contenção e reflexão são mais eficazes que o fomento, ainda que involuntário, de alguma histeria que se torna inimiga da eficácia da análise e definição de medidas necessárias a minimizar dificuldades ou problemas. É sabido que algumas formas de noticiar comportamentos e atitudes podem ser facilitadoras do seu desenvolvimento. Há muitos anos que os manuais de comunicação social referem esta questão.

PERPLEXIDADES

De quando em vez aparecem umas notícias que me causam alguma perplexidade.
O Relatório da OCDE ontem divulgado sobre o estado do Ensino Superior, vem afirmar algo que sempre tenho defendido. Portugal precisa de mais gente licenciada e é um dos países em que as diferenças salariais entre licenciados e não licenciados são maiores, referindo ainda outros indicadores de bem-estar que são bem mais favoráveis aos licenciados. Perplexidade. Nas mais das vezes quando se fala desta questão sublinha-se o número de jovens licenciados no desemprego. A mensagem é que não vale pena o investimento na qualificação pois estará o desemprego à espera. É ainda de registar que Portugal é dos raros países em que o investimento no Ensino Superior baixou. O Ministro responsável gagueja.
Os rendimentos de muitos padres estão a ser investigados pela Segurança Social. Perplexidade. As contas dos sacerdotes não se saldavam na eternidade?
Foram referenciados muitíssimos casos de alunos de diferentes idades que estão armados nas escolas. Perplexidade. Ninguém explica aos putos que, como referimos acima, sendo a escola uma arma para o futuro, torna-se desnecessária a utilização de armas no presente.
Portugal está a desenvolver políticas cada vez mais consistentes de controlo da entrada e circulação de clandestinos em Portugal. Só em 2007 o SEF barrou mais de 4000 indivíduos. Perplexidade. Neste número estarão certamente incluídos os clandestinos que a agência de viagens norte-americana CIA fez passar por Portugal a caminho do conhecido resort-spa de Guantânamo.
O Ministério da Justiça avança com a obrigatoriedade de pagamento das custas judiciais dos processos de adopção. Perplexidade. Para fomentar a fortíssima necessidade de retirar milhares de crianças das instituições e proporcionar-lhes ambientes familiares não há melhor maneira que elevar os custos do processo de adopção.
Perplexidade última. Afinal sempre existe corrupção no futebol português.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

O CÃO QUE NÃO QUERIA TER UM DONO

Era uma vez um cão que não queria ter dono. Também não queria ser um cão vadio, perdido. Queria ser apenas um cão sem dono. Ele imaginava que se tivesse um dono haveria de ter uma trela e, assim, não poderia andar por onde gostava. Também achava que, tendo um dono, teria uma casa pequena, sem porta, onde mal se mexia em vez de encontrar abrigos diferentes ou visitar casas de pessoas diferentes. Se tivesse um dono teria, provavelmente, horários apertados e bem definidos para comer, dar uma volta (à trela, claro), alçar a perna e até, quem sabe, cruzar-se com uma eventual namorada a quem o dono certamente não permitiria dedicar mais do que um olhar. Se tivesse um dono, provavelmente comeria sempre comida de cão enlatada, toda com o mesmo sabor, e tomaria um banho forçado e à vontade do dono, claro. Se o dono não tivesse filhos não poderia brincar com putos. Teria que fazer apenas as brincadeiras permitidas pelo dono. E teria que aprender umas habilidades parvas como sentar-se, deitar-se, dar a pata, etc. para o dono mostrar aos amigos como o seu cão é inteligente. Ah, também não poderia dar uma corrida atrás dos gatos. Não, definitivamente ele não queria ter um dono.
De repente, o som do despertador acordou o homem que se levantou, cumpriu todas as suas rotinas em casa e foi à sua rotina, perdão, à sua vida. De cão.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

OS PUTOS E AS LETRAS

Poucos daremos por isso, mas seguindo o incontornável calendário das consciências, hoje passa o Dia Internacional do Livro Infantil. Num país com níveis de literacia insuficientes e com hábitos de leitura pouco generalizados, é importante não esquecer que tudo começa nos putos. Por mais voltas que se dê, a leitura e os hábitos de leitura só se desenvolvem de uma maneira, lendo. Ofereçam livros aos putos, contem-lhes histórias, leiam com eles e, talvez, tenhamos menos putos a lutar com os professores por causa de um telemóvel.
Já aqui citei e repito uma voz alentejana, na verdade um coro, que num cante afirma.
É tão triste não saber ler,
Como é triste não ter pão.
Quem não conhece uma letra,
Vive numa escuridão.
Que se iluminem então os putos.

O DESPUDOR E O FALSO PUDOR

É muito bonito quando verificamos que a competência, o mérito e a experiência traduzidos em excelência curricular dão frutos. São exemplos fundamentais para os jovens que estão a iniciar a sua carreira profissional e percebem como o esforço e o mérito acabam sempre por ser compensados. O Dr. Jorge Coelho vai ser nomeado presidente da MOTA – ENGIL. Como é sabido e tendo formação em gestão o Dr. Coelho é homem de um vastíssimo currículo profissional COMO POLÍTICO. Até já foi Ministro das Obras Públicas, não sei se estão a ver a ligação com a MOTA-ENGIL. Estamos num país cada vez mais despudorado.
Os bispos portugueses estão em guerra contra a alteração da legislação relativa ao divórcio. Segundo um dos altos dignitários da Igreja, é preciso afirmar “a defesa da família e a total e absoluta oposição ao divórcio, seja ele amigável ou não.” Também conheci um acórdão de um juiz num Tribunal de Família e Menores que, num caso de uma criança maltratada no seio familiar, optou por mantê-la nessa situação porque é necessário “proteger a família”. A hipocrisia desta gente é assustadora. Será que não percebem que para todos os envolvidos, sobretudo quando existem crianças, é preferível um “bom divórcio” a uma “má família”? Percebem, mas preferem a hipocrisia de manter casais casados por fora e descasados por dentro. Às vezes até parecem uma família. Nas fotografias.

terça-feira, 1 de abril de 2008

SE EU SOUBESSE O QUE SEI HOJE

Era uma vez um rapaz que à frequente pergunta "Então que tal vai a vida?” respondia invariavelmente “Se eu soubesse o que sei hoje”. Havia também um homem que à frequente pergunta “Então que tal vai a vida?” respondia invariavelmente “Se eu soubesse o que sei hoje”. Havia ainda uma mulher que à frequente pergunta “Então que tal vai a vida?” respondia invariavelmente “Se eu soubesse o que sei hoje”. Havia também um velho que à frequente pergunta “Então que tal vai a vida?” respondia invariavelmente “Se eu soubesse o que sei hoje”. Havia finalmente uma pessoa que sem ninguém lhe perguntar alguma coisa repetia constantemente “Se eu soubesse o que sei hoje”.
E quando ouviu, como todos os dias, o toque de aviso do encerramento do cemitério voltou a pensar “Se eu soubesse o que sei hoje”.

UM PAÍS À BEIRA DE PRESCREVER

O Correio da Manhã titulava hoje que milhares de multas estarão à beira da prescrição. É grave sobretudo pelo impacto que este fenómeno tem na nossa confiança na administração da justiça. No entanto, preocupa-me bem mais a ideia de que parecemos um país à beira da prescrição.
Parece estar a prescrever a confiança no futuro.
Parece estar a prescrever a confiança em políticos competentes e eticamente sérios.
Parece estar a prescrever a esperança numa justiça acessível, célere e … justa.
Parece estar a prescrever a confiança na capacidade de convergirmos para melhores níveis de desenvolvimento, bem-estar e qualidade de vida.
Parece estar a prescrever a esperança numa justiça fiscal equitativa.
Parece estar a prescrever a confiança em que somos capazes de fazer um país de jeito e não só fazermos um Euro 2004 e dez estádios de futebol.
Parece estar a prescrever a esperança dos putos na capacidade de os ajudarem a ser gente.
Parece estar a prescrever a esperança dos velhos numa velhice serena e apoiada.
Parece estar a prescrever a esperança das minorias em tolerância e igualdade de oportunidades.
Parece estar a prescrever a esperança dos jovens em que é possível ter uma família e uma carreira.
Parece estar a prescrever a esperança em que democracia seja mais do que democracia política.
Embora atribua isso à idade, eu próprio já me sinto, por vezes, à beira de prescrever, a paciência.

PS – Por lapso este texto não apareceu ontem como devia